sábado, 21 de novembro de 2015

Bernardo Élis: "5 Poemas"

TARDE DE NOVENA

Ingenuidade macia das tardes de novena,
com os sinos dos Passos batendo,
pausado, molengo,
sobre o poente que pegou fogo.

Fervores honestos gemendo
sobre o poente que se alarga e se estende,
congesto,
pela noite adentro,
pondo rubras palpitações
nas trevas do ocidente,
— grandes borboletas de fogo
espanejando cegas sobre as essas.



PARTIDA AUTOMÁTICA

Porque a amada entrasse num automóvel
e o automóvel saísse rolando,
um terremoto imperceptível e sereno arrasou a cidade,
as casas, os jardins, os céus, e os pássaros continuaram voando mas mortos.
E o homem cuja amada viajou
encontrou-se numa cidade que nunca vira antes,
cheia de gentes estranhas,
mas que o conheciam e queriam conversar,
discutir, falar de guerra e de negócios impossíveis.
Havia um calo ruim
machucando a alma do homem: Não chore meu filho que
[a vida é lutar contra as conversas entojadas”.
Então ele subiu à torre da igreja da Trindade
que também se chama santuário do divino padre eterno da Trindade
e ouviu a voz de um anjo lhe dizendo assim
“daqui dois homens atiraram-se lá embaixo:
um morreu — orai por ele,
o outro pede esmola”.
O homem deu uma gorjeta ao anjo e não quis jogar com probabilidades.
Lembrou que existia álcool, éter, melhoral,
estriquinina, cocaína e outros venenos lentos e violentos.
Mas tirou seu retrato na porta da igreja
e pregou na sala dos milagres.



O HOMEM QUE FAZIA ANOS NO DIA SETE DE SETEMBRO

No dia de meus anos
a bandinha saía pra rua de madrugada,
tocando matinas.
A gente acordava com o estrondo dos foguetes,
espantando os morigerados pombos da torre da igreja.
Botavam bandeira na Prefeitura,
no Correio,
na Cadeia,
havia discurso, passeatas etcétera,
“tudo por sua causa! — dizia meu pai.
E eu ficava intrigadíssimo
porque ninguém mais era igualmente festejado.

Hoje, como conheço a história do Brasil,
mudei a data de meus anos,
que é o dia mais triste do mundo.


PRIMEIRA CHUVA

Quentura de noite pejada de nuvens baixas e negras.
Bambos bamboleios de trovão soturno
batendo o tímpano bambo da zabumba do horizonte.
Trovão apagado,
saudoso,
distante.
Depois a chuva em grossos pingos
sobre os telhados,
na poeira ressequida das estradas,
na terra requeimada das queimadas,
desprendendo um cheiro forte de gestação.
(Mamãe molhava algodão em cachaça canforada
e nos dava para cheirar: - cuidado com defluxo!)

Amanhã tudo vai começar de novo:
as folhas voltarão aos galhos secos,
as águas resmungarão nas grotas mortas,
os pássaros do céu hão de cantar no cio...
(E aquela que partiu por que não volta?)

Lá fora uma goteira numa lata pinga,
pingo a pingo,
pengue,
pengue,
numa toada monótona de preta que ninasse.
Pengue,
pengue,
pingo a pingo.
(E aquela que partiu,
Por que não volta?)



O DESCOBRIMENTO

Um tropel maluco
de mil patas
no seio das matas.
Um tiro de trabuco
deu um bruto soco
na quieteza virgem da paisagem.
E homens da cor-de-areia,
vindos da banda do mar,
chegaram à beira do Rio Vermelho,
resolveram-lhe os poços azuis
em que dormiam palhetas cor-de-brasa
e deitaram-lhe fogo às águas claras.

E o velho pajé muito velho,
cabeça branca das cinzas de muitas eras,
num esgar medonho de fera,
gritou: Anhanguera, Anhanguera!

Os homens da cor-de-areia
bateram e venceram a nação dos Goiás.

Mas na noite viúva,
quando o fogo sagrado lambeu a lua,
- rascar de maracás,
- zás-trás, zás-trás,
- tutucar de tantãs,
- grito de agouro: acauã-acauã,
abriu-se na mata a flor do sumaré.
E o velho pagé muito velho,
num gesto hierático de bárbaro,
erguendo as mãos para o céu,
clamou: tupã, tupã!

O verde novo da floresta
tinha um ar alegre de festa,
E os homens da cor-de-areia,
vindos da banda do mar,
foram tombando à beira
da fogueira que tingia a noite,
>suando de frio, tremendo de calor.

E o verde alegre da floresta
tinha um ar novinho de festa.

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