TARDE DE NOVENA
Ingenuidade macia
das tardes de novena,
com os sinos dos
Passos batendo,
pausado, molengo,
sobre o poente que
pegou fogo.
Fervores honestos
gemendo
sobre o poente que
se alarga e se estende,
congesto,
pela noite
adentro,
pondo rubras
palpitações
nas trevas do
ocidente,
— grandes
borboletas de fogo
espanejando cegas
sobre as essas.
PARTIDA AUTOMÁTICA
Porque a amada
entrasse num automóvel
e o automóvel
saísse rolando,
um terremoto
imperceptível e sereno arrasou a cidade,
as casas, os
jardins, os céus, e os pássaros continuaram voando mas mortos.
E o homem cuja
amada viajou
encontrou-se numa
cidade que nunca vira antes,
cheia de gentes
estranhas,
mas que o
conheciam e queriam conversar,
discutir, falar de
guerra e de negócios impossíveis.
Havia um calo ruim
machucando a alma
do homem: Não chore meu filho que
[a vida é lutar
contra as conversas entojadas”.
Então ele subiu à
torre da igreja da Trindade
que também se
chama santuário do divino padre eterno da Trindade
e ouviu a voz de
um anjo lhe dizendo assim
“daqui dois homens
atiraram-se lá embaixo:
um morreu — orai
por ele,
o outro pede
esmola”.
O homem deu uma
gorjeta ao anjo e não quis jogar com probabilidades.
Lembrou que
existia álcool, éter, melhoral,
estriquinina,
cocaína e outros venenos lentos e violentos.
Mas tirou seu
retrato na porta da igreja
e pregou na sala
dos milagres.
O HOMEM QUE FAZIA ANOS NO DIA SETE DE
SETEMBRO
No dia de meus
anos
a bandinha saía
pra rua de madrugada,
tocando matinas.
A gente acordava
com o estrondo dos foguetes,
espantando os
morigerados pombos da torre da igreja.
Botavam bandeira
na Prefeitura,
no Correio,
na Cadeia,
havia discurso,
passeatas etcétera,
“tudo por sua
causa! — dizia meu pai.
E eu ficava
intrigadíssimo
porque ninguém
mais era igualmente festejado.
Hoje, como conheço
a história do Brasil,
mudei a data de
meus anos,
que é o dia mais
triste do mundo.
PRIMEIRA CHUVA
Quentura de noite
pejada de nuvens baixas e negras.
Bambos bamboleios
de trovão soturno
batendo o tímpano
bambo da zabumba do horizonte.
Trovão apagado,
saudoso,
distante.
Depois a chuva em
grossos pingos
sobre os telhados,
na poeira
ressequida das estradas,
na terra
requeimada das queimadas,
desprendendo um
cheiro forte de gestação.
(Mamãe molhava
algodão em cachaça canforada
e nos dava para
cheirar: - cuidado com defluxo!)
Amanhã tudo vai
começar de novo:
as folhas voltarão
aos galhos secos,
as águas
resmungarão nas grotas mortas,
os pássaros do céu
hão de cantar no cio...
(E aquela que
partiu por que não volta?)
Lá fora uma
goteira numa lata pinga,
pingo a pingo,
pengue,
pengue,
numa toada
monótona de preta que ninasse.
Pengue,
pengue,
pingo a pingo.
(E aquela que
partiu,
Por que não
volta?)
O DESCOBRIMENTO
Um tropel maluco
de mil patas
no seio das matas.
Um tiro de trabuco
deu um bruto soco
na quieteza virgem
da paisagem.
E homens da
cor-de-areia,
vindos da banda do
mar,
chegaram à beira
do Rio Vermelho,
resolveram-lhe os
poços azuis
em que dormiam
palhetas cor-de-brasa
e deitaram-lhe
fogo às águas claras.
E o velho pajé
muito velho,
cabeça branca das
cinzas de muitas eras,
num esgar medonho
de fera,
gritou: Anhanguera,
Anhanguera!
Os homens da
cor-de-areia
bateram e venceram
a nação dos Goiás.
Mas na noite
viúva,
quando o fogo
sagrado lambeu a lua,
- rascar de
maracás,
- zás-trás,
zás-trás,
- tutucar de
tantãs,
- grito de agouro:
acauã-acauã,
abriu-se na mata a
flor do sumaré.
E o velho pagé
muito velho,
num gesto
hierático de bárbaro,
erguendo as mãos
para o céu,
clamou: tupã,
tupã!
O verde novo da
floresta
tinha um ar alegre
de festa,
E os homens da
cor-de-areia,
vindos da banda do
mar,
foram tombando à
beira
da fogueira que
tingia a noite,
>suando de
frio, tremendo de calor.
E o verde alegre
da floresta
tinha um ar
novinho de festa.
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