sábado, 21 de novembro de 2015

Júlia Cortines: "5 Poemas"

SOLEDADE

Poeta, dentro de ti, desmesurado e arcano,
Ou se cava, ou se empola, ou se espedaça o oceano
De tua alma, que exala um contínuo clamor,
– Brados de imprecações e soluços de dor!

Nele canta e suspira a lânguida sereia
Do Amor; a Mágoa geme; a Cólera estrondeia;
E a essas vozes se prende a dolorida voz
Da Saudade, chorando o que ficou após...

E em torno desse mar, que ulula, e chora, e guaia,
E que o vento revolve e a aresta dos escolhos
Rasga, do mundo vês a indiferente praia...

E acima dele vês a abóbada infinita
Do céu plácido e azul, onde o esplendor dos olhos
Das estrelas, sereno e distante, palpita...



RUÍNA

Ontem, ereta e altiva, a laranjeira,
Que ora revejo, desatava a bela
E tremulante e verde cabeleira,
Que de flores Setembro adorna e estrela,
Acalentando às sombras perfumadas
Com doce embalo, músicos carinhos,
Um bando azul de aspirações aladas
Ainda presa ao calor dos ninhos.

Ontem sorria ao sol; tinha os perfumes
Promissores de frutos saborosos;
O indeciso bater de asas implumes,
Que se abririam em audaciosos
Voos, transpondo céleres a raia
De largos, infinitos horizontes,
Que, como um lago azul, se estende, e esmaia
Além das curvas dos longínquos montes...


Mas veio a noite, e veio a tempestade:
O chicote do ríspido nordeste
Estala-lhe no tronco, sem piedade
Dilacerando-lhe a opulenta veste!
E ei-la em farrapos, trêmula, torcida...
O clarão de um relâmpago se ateia,
O raio estoura, a chuva desabrida
Em torno dela em córregos serpeia...
........................................

E agora que a manhã desperta, e rindo
Soabre o cortinado do Oriente,
E co’o rútilo olhar aclara o infindo
Azul do céu, macio e transparente,
Ela, nua, de pé, para os espaços
Brunidos pelas cóleras do vento,
Ainda eleva os retorcidos braços,
Em um gesto de súplice lamento!.



INDIFERENTE

E vão assim as horas! – Vão fugindo
Um após outro os dias voadores,
Ao túmulo do olvido conduzindo
As alegrias como os dissabores,

O sonho agita as asas multicores,
E vai-se e vai-se rápido sumindo,
Enquanto a vaga quérula das dores
Soluça, e rola pelo espaço infindo...

A mim, porém a mim, a mim que importa,
A mim, cuja esperança há muito é morta,
Que o tempo, como um rio que se escoa,

Nos arrebate as ilusões que temos?!
– Deixo em descanso os fatigados remos,
E que o barco da vida boie à toa.



À BEIRA-MAR
(A ALBERTINA SOARES)

Fremindo, a viração, que o roseiral perfuma,
Impele lentamente as águas, que, de irosas,
Rugem crespas, e vêm, em ondas tumultuosas,
Desfazer-se na praia em rendilhada espuma.

Ao longe, muito ao longe, as garças voam. Uma,
Vendo no azul do Ocaso as púrpuras e as rosas,
Abre no espaço imenso as asas ansiosas...
Outras pousam na vaga a frouxa e nívea pluma.

A lua surge branca e mesta, enquanto as fráguas
Tinge, e brilha no azul chamalote das águas
O trêmulo clarão do sol crepuscular...

Um espasmo contorce a natureza... O dia
Expira: a lua sobe: e à flor da areia fria
Rolam ondas de prata e ondas de luar...



O NINHO

Lembro-me ainda: foi numa gravura
Que vi de uma ave a prole pequenita,
Em roto ninho, que lançou da altura
O vento, a resvalar na crespa fita

De um rio. E a mãe a vê, e corre, e fita
Espavorida as águas; a amargura
Lhe estala o coração; por sobre a escura
Corrente paira e se retorce aflita,

Enquanto a onda indiferente desce,
Assim como impassível à demência
Das lágrimas, dos gritos e da prece,

Da vida o rio o ninho perfumoso
Das castas ilusões da adolescência
No arrebata e leva pressuroso.

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