SOLEDADE
Poeta, dentro de
ti, desmesurado e arcano,
Ou se cava, ou se
empola, ou se espedaça o oceano
De tua alma, que
exala um contínuo clamor,
– Brados de
imprecações e soluços de dor!
Nele canta e
suspira a lânguida sereia
Do Amor; a Mágoa
geme; a Cólera estrondeia;
E a essas vozes se
prende a dolorida voz
Da Saudade,
chorando o que ficou após...
E em torno desse
mar, que ulula, e chora, e guaia,
E que o vento
revolve e a aresta dos escolhos
Rasga, do mundo
vês a indiferente praia...
E acima dele vês a
abóbada infinita
Do céu plácido e
azul, onde o esplendor dos olhos
Das estrelas,
sereno e distante, palpita...
RUÍNA
Ontem, ereta e
altiva, a laranjeira,
Que ora revejo,
desatava a bela
E tremulante e
verde cabeleira,
Que de flores
Setembro adorna e estrela,
Acalentando às
sombras perfumadas
Com doce embalo,
músicos carinhos,
Um bando azul de
aspirações aladas
Ainda presa ao
calor dos ninhos.
Ontem sorria ao
sol; tinha os perfumes
Promissores de
frutos saborosos;
O indeciso bater
de asas implumes,
Que se abririam em
audaciosos
Voos, transpondo
céleres a raia
De largos,
infinitos horizontes,
Que, como um lago
azul, se estende, e esmaia
Além das curvas
dos longínquos montes...
Mas veio a noite,
e veio a tempestade:
O chicote do
ríspido nordeste
Estala-lhe no
tronco, sem piedade
Dilacerando-lhe a
opulenta veste!
E ei-la em
farrapos, trêmula, torcida...
O clarão de um
relâmpago se ateia,
O raio estoura, a
chuva desabrida
Em torno dela em
córregos serpeia...
........................................
E agora que a
manhã desperta, e rindo
Soabre o cortinado
do Oriente,
E co’o rútilo
olhar aclara o infindo
Azul do céu, macio
e transparente,
Ela, nua, de pé,
para os espaços
Brunidos pelas
cóleras do vento,
Ainda eleva os
retorcidos braços,
Em um gesto de
súplice lamento!.
INDIFERENTE
E vão assim as
horas! – Vão fugindo
Um após outro os
dias voadores,
Ao túmulo do
olvido conduzindo
As alegrias como
os dissabores,
O sonho agita as
asas multicores,
E vai-se e vai-se
rápido sumindo,
Enquanto a vaga
quérula das dores
Soluça, e rola
pelo espaço infindo...
A mim, porém a
mim, a mim que importa,
A mim, cuja
esperança há muito é morta,
Que o tempo, como
um rio que se escoa,
Nos arrebate as
ilusões que temos?!
– Deixo em
descanso os fatigados remos,
E que o barco da
vida boie à toa.
À BEIRA-MAR
(A ALBERTINA SOARES)
Fremindo, a
viração, que o roseiral perfuma,
Impele lentamente
as águas, que, de irosas,
Rugem crespas, e
vêm, em ondas tumultuosas,
Desfazer-se na
praia em rendilhada espuma.
Ao longe, muito ao
longe, as garças voam. Uma,
Vendo no azul do
Ocaso as púrpuras e as rosas,
Abre no espaço
imenso as asas ansiosas...
Outras pousam na
vaga a frouxa e nívea pluma.
A lua surge branca
e mesta, enquanto as fráguas
Tinge, e brilha no
azul chamalote das águas
O trêmulo clarão
do sol crepuscular...
Um espasmo
contorce a natureza... O dia
Expira: a lua
sobe: e à flor da areia fria
Rolam ondas de
prata e ondas de luar...
O NINHO
Lembro-me ainda:
foi numa gravura
Que vi de uma ave
a prole pequenita,
Em roto ninho, que
lançou da altura
O vento, a
resvalar na crespa fita
De um rio. E a mãe
a vê, e corre, e fita
Espavorida as
águas; a amargura
Lhe estala o
coração; por sobre a escura
Corrente paira e
se retorce aflita,
Enquanto a onda
indiferente desce,
Assim como
impassível à demência
Das lágrimas, dos
gritos e da prece,
Da vida o rio o
ninho perfumoso
Das castas ilusões
da adolescência
No arrebata e leva
pressuroso.
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