sábado, 21 de novembro de 2015

Luís Guimarães Filho: "5 Poemas"

SINFONIA

Pedra preciosas! Para louvar-vos,
Embora em verso que às vezes peca,
Eu vos engasto nas claras rimas
Deste volume-dactioteca!

Eu sei que tendes almas humanas,
Ora de escravas, ora de reis,
Sois inconstantes como as pessoas,
Como as pessoas envelheceis!

Sei ler em vossas pupilas frias,
Cousas sisudas, frases sem nexo...
O velho Plínio vos dava astucia,
Santo Epifânio vos dava sexo!

Luzis nos dedos febris e finos
Da bela dama dos olhos pretos...
Sois a desdita de muita gente,
De muita gente sois amuletos!

Tendes virtudes inexplicáveis:
Dais voz aos mudos, firmeza aos coxos,
Com vossos raios medicinais
Vermelhos, verdes, azuis e roxos...

Seguis estradas por vários rumos
Agora alegres, logo sombrios,
Sois para os poucos que vos entendem
Almas ardentes em corpos frios...

Conforme o sábio Jehúda Mosca,
De vós as doze que brilham mais
São consagradas aos doses meses
E aos doze Signos Zodiacais!

Clara turquesa de deus Apollo
És dos ginetes a idolatria!
Agua – marinha de deus Netuno
Curas a própria melancolia!

Rubi vermelho de Uisapur,
Teu brilho é sangue que a vista anima!
Teu curto nome fosforescente.
É purpurino como uma rima!

Pedra da Lua que tens em torno
Uma grinalda de láctea luz,
Deves ser santa, tu que pareces
A santa fronte do deus Jesus!

Alvo diamante, bíblica estrela,
És a lanterna da tribo Icázar!
Límpida perola imponderável
Nasces em berços de róseo nácar!

Verde heliotrópio de um verde vivo,
Porque é que mudas a cor do sol?
Porque é que tombas, qual débil peixe,
Coral dos lagos, no curvo anzol?

Louro crisólito opalescente,
És mais dourado do que ouro em pó!
Pedra bétilo, de ignota origem,
Sobre teu peito dormiu Jacó!

Safira – astéria que tens o berço
Na antiga Pérsia do norte ao sul...
Como se foras um firmamento
Derrama estrelas teu ventre azul!

Olho de gato, volúvel íris,
És qual pupila que te dilatas:
És como a fluida pupila elétrica
Dos trovadores de quatro patas!

Verde esmeralda do Mar Vermelho,
Joia ilusória das amizades,
Quem te contempla vê lagos dentro,
Cheios de lírios e de Náiades!

Pedras preciosas! Para louvar-vos,
Embora em verso que às vezes peca,
Eu vos engasto nas claras rimas
Deste volume dactilioteca!


SONETO ROMÂNTICO

Pousa os olhos nos meus... deixa voar
Os nossos sonhos que outro sonho enlaça...
Eu quero ler a imaculada graça
Dos juramentos que tu tens no olhar!

Escuta as dores do profundo mar!
Vê como sofre o vento quando passa!
E como é triste a cândida desgraça
Que existe na eloquência do luar!

E enquanto os outros vivem padecendo,
No mundo vil, - no mundo atroz e horrendo -
Nós dois, como os amantes da balada,

Vamos sofrer de novo as amarguras
E repetir as imortais loucuras
Do nosso amor, ó companheira amada!



PÁLIDA

A palidez que envolve essa tristeza
É como um véu de angústia verdadeira...
Devia ser assim a atroz beleza
De Jeanne d’Arc entrando na fogueira!

Por isso ó bela, ó bela gondoleira,
Que tens no olhar as noites de Veneza,
E tens nos lábios a saudade inteira
De uma manhã de beijos de princesa...

Por isso eu amo a doce luz que veste
O teu martírio de tristezas feito,
Como um manto de luar por Deus tecido...

E vejo em ti a palidez celeste
Que a Virgem tinha... quando uniu ao peito
Os lábios de Jesus recém-nascido!
                        



O CORAÇÃO E A ESTRELA CADENTE

Dizia o coração à estrela do infinito:
- Treme de inveja, ó luz, que o teu poder invado!
Pois se brilha em teu seio um mundo iluminado,
Dentro de mim resplende um grande amor bendito

Como um órfão sem lar, um triste réu proscrito,
Vives tu no silêncio, ó astro abandonado!
Ao passo que feliz, risonho e enamorado,
Eu vivo para alguém! Eu por alguém palpito!

A cada instante sinto o olhar sereno dela
Encher-me de uma luz mais límpida e mais bela
Do que essa com que Deus o seio iluminou-te...

Mas tu que tens além do etéreo brilho teu?
- Eu tenho a liberdade!... (a estrela respondeu
Sumindo-se no abismo esplêndido da noute...)

                                 

COROA DE SAUDADES
(IN MEMORIAM DE EÇA DE QUEIRÓS)

I
Curva a lívida fronte e cobre-te de dor
Junto ao triste caixão do Príncipe imortal...
Ali vai para sempre o irônico Escultor,
- Rei da Forma e da Luz, dos Timbres e da Cor -
Terra de Portugal!


II
Veste de pranto e luto o pavilhão que trazes
- Como um dossel - cobrindo o esquife magistral...
Já não brilha o cinzel das construções audazes
No marmóreo esplendor sinfônico das frases,
Terra de Portugal!

III
A caminho do triste e derradeiro asilo
Lá vai... pausadamente... o negro funeral...
Ah! curva a fronte!... adora esse caixão tranquilo!...
E beija as mortas mãos do semideus do Estilo
Terra de Portugal!

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