domingo, 22 de novembro de 2015

Guiomar Torrezão: "5 Poemas"

PÉROLA D´ALMA
 (Imitação do Espanhol)

Desprende em gotas a aurora,
Um orvalho criador,
Que após forma linda perola,
Da concha no interior,
E ambas brilham de formosas
Quando o sol lhes dá vigor. 

Tão forte enlace reúne
D´aurora a filha á conchinha,
Que se esta quebram, a outra
Quebra-se, morre, definha,
E vai na espuma das ondas
Como pena d’avezinha. 

Também assim em minha alma
Uma perla está nascida
De tão delicada têmpera,
E com ela tão unida,
Que formam ambas um todo
E vivem da mesma vida.

Esta perla é minha, quero-lhe
Como a um filho quer a mãe;
É meu amor, minha crença,
Oh! não m´a quebre ninguém,
Nem m´a roube, que a minh’alma
Definha, o morre também.



CARIDADE
Improviso

Caridade, sê bem vinda,
Ó anjo celestial!
Ó flor nascida no céu
Entre o divino rosal.

Sê bem vinda, tu que sabes
As tristezas consolar,
Tu que o pranto em meigo alívio
Podes c’um riso trocar.

Converte-se toda em flores,
A santa esmola é condão.
Unem-se almas neste abraço,
É laço de irmão a irmão.

Caridade, oh! sê bem vinda
Formosa virgem dos céus,
Tu que em azas benfazejas
Nos elevas até Deus!



ONTEM, HOJE E AMANHÃ
Do Espanhol

Ontem, antes de sair,
todo atento, cuidadoso
o meu serafim mimoso
fui contemplar a dormir.

Co´a ternura do desejo
Infinda, amante, louca,
nas rosas da sua boca
deixei um cândido beijo.

Ao brilhar a luz do dia
senti pousar-me na frente
a mesma boca inocente,
que o beijo restituía.

No fulgor do seu olhar,
nesse doce atar de laços
dos seus peregrinos braços,
deixei todo o meu penar.

Hoje, que finda a doçura
que me davas pomba e flor,
sem caricias, sem amor,
nem já sei o que é ventura!

Porque ao meu olhar te escondes
deixando-me trevas só!
onde estás, filha? tem dó,
chamo, não me respondes!

Não te posso procurar
que nesta ânsia de sofrer,
noite e dia a padecer,
pus-me cego de chorar!
  
Amanhã eu quero, ó Deus!
que fiquem p'ra sempre unidos
aqueles despojos qu'ridos,
os tristes despojos meus!

Enlaçadas, verdes palmas,
na mesma haste tão de ver
na terra talvez pender,
mas subir ao céu as almas!



BEATRIZ
Das Rosas pálidas

Visão que surges n´estas horas magicas
como eu te imploro a suspirar por ti!
como eu te vejo esvoaçar no espaço…
como aos teus olhos meu olhar aprendi!

Ai! se lograsse de minh'alma as trevas
nos raios teus iluminar, estrela!...
Passai, ó nuvens que toldais o astro,
deixai-me, nuvens, adorá-la e vê-la!

Oh! quem poderá esta existência dar-lhe
primícias pobres de opulento amor,
e no meu êxtases estreitá-la ao peito,
trocando em jubilo esta imensa dor!

Ao longe, embora, tu sorris altiva!...
e eu vivo e fico a suspirar em vão!
Estrela esplende no teu céu sereno,
mas dá-me um raio d´esse teu clarão!



FLOR DO ASFALTO

Ó pálida flor do asfalto,
vaga e etérea, cintilante,
mergulhando em longo salto
o pé breve e palpitante.

Deslizas como um aroma
que inebria e não tem cor!
só no cristal da redoma
desabrochas, nívea flor!

És a musa da anemia!
és o perfume da anémona!
no sorriso, a ironia,
no olhar, meiga Desdêmona!

Oh! de um magro cão vadio
osso – imã… tentação!
doce alvorada do esteio,
canto de ignota paixão!

És um sonho, uma quimera,
uma renda de Alençon.
hoje que a tisica impera,
salve! Deusa do bom tom!

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