RETRATO
É renga,
magricela e presumida,
Com pele
de muxiba engrovinhada;
O corpo de
sumaca desarmada,
A cara de
muafa malcozida;
A perna de
forquilha retorcida,
Os ombros
de cangalha um tanto usada;
A boca, de
ratões grata morada,
Maçante na
conversa em mal sofrida;
Senhora de
um leproso cão rafeiro,
Que, querendo
passar por mocetona,
Se besunta
com sebo de carneiro;
Vestida é
saracura de japona,
De feia
catadura, e de mau cheiro,
Eis a
choca perua da Amazona.
MINHA MÃE
Era mui
bela e formosa,
Era a mais
linda pretinha,
Da adusta
Líbia rainha,
E no
Brasil pobre escrava!
Oh, que
saudades que eu tenho
Dos seus
mimosos carinhos,
Quando
c’os tenros filhinhos
Ela
sorrindo brincava.
Éramos
dois — seus cuidados,
Sonhos de
sua alma bela;
Ela a
palmeira singela,
Na fulva
areia nascida.
Nos
roliços braços de ébano.
De amor o
fruto apertava,
E à nossa
boca juntava
Um beijo
seu, que era a vida.
Quando o
prazer entreabria
Seus
lábios de roixo lírio,
Ela fingia
o martírio
Nas trevas
da solidão.
Os alvos
dentes. nevados.
Da
liberdade eram mito,
No rosto a
dor do aflito,
Negra a
cor da escravidão.
Os olhos
negros, altivos,
Dois
astros eram luzentes;
Eram
estrelas cadentes
Por corpo
humano sustidas.
Foram
espelhos brilhantes
Da nossa
vida primeira,
Foram a
luz derradeira
Das nossas
crenças perdidas.
Tão terna
como a saudade
No frio
chão das campinas,
Tão meiga
como as boninas
Aos raios
do sol de Abril.
No gesto
grave e sombria,
Como a
vaga que flutua,
Plácida a
mente — era a Lua
Refletindo
em Céus de anil.
Suave o
gênio, qual rosa
Ao
despontar da alvorada,
Quando
treme enamorada
Ao sopro
d’aura fagueira.
Brandinha
a voz sonorosa,
Sentida
como a Rolinha,
Gemendo
triste sozinha,
Ao som da
aragem faceira.
Escuro e
ledo o semblante,
De
encantos sorria a fronte,
— Baça
nuvem no horizonte
Das ondas
surgindo à flor;
Tinha o
coração de santa,
Era seu
peito de Arcanjo,
Mais pura
n’alma que um Anjo,
Aos pés de
seu Criador.
Se junto à
cruz penitente,
A Deus
orava contrita,
Tinha uma
prece infinita
Como o
dobrar do sineiro,
As
lágrimas que brotavam,
Eram
pérolas sentidas,
Dos lindos
olhos vertidas
Na terra
do cativeiro.
A CATIVA
Como era
linda, meu Deus!
Não tinha
da neve a cor,
Mas no
moreno semblante
Brilhavam
raios de amor.
Ledo o
rosto, o mais formoso,
De
trigueira coralina,
De Anjo a
boca, os lábios breves
Cor de
pálida cravina.
Em carmim
rubro engastados
Tinha os
dentes cristalinos;
Doce a
voz, qual nunca ouviram
Dúlios
bardos matutinos.
Seus
ingênuos pensamentos
São de
amor juras constantes;
Entre a
nuvem das pestanas
Tinha dois
astros brilhantes.
As
madeixas crespas negras,
Sobre o
seio lhe pendiam,
Onde os
castos pomos de ouro
Amorosos
se escondiam.
Tinha o
colo acetinado
— Era o
corpo uma pintura —
E no peito
palpitante
Um
sacrário de ternura.
Límpida
alma — flor singela
Pelas
brisas embalada,
Ao dormir
d’alvas estrelas,
Ao nascer
da madrugada.
Quis
beijar-lhe as mãos divinas,
Afastou-mas
— não consente;
A seus pés
de rojo pus-me
— Tanto
pode o amor ardente!
Não te
afastes lhe suplico,
És do meu
peito rainha;
Não te
afastes, neste peito
Tens um
trono, mulatinha!...
Vi-lhe as
pálpebras tremerem,
Como treme
a flor louçã,
Embalando
as níveas gotas
Dos
orvalhos da manhã.
Qual na
rama enlanguescida
Pudibunda
sensitiva,
Suspirando
ela murmura;
Ai,
senhor, eu sou cativa!...
Deu-me as
costas, foi-se embora
Qual da
tarde do arrebol
Foge a
sombra de uma nuvem
Ao cair da
luz do sol.
LAURA
Aqui, ó
Laura,
No teu
jardim,
Pétalas
colho
D’alvo
jasmim.
Delas
rescende
Doce
fragrância,
Quais
meigos sonhos
Da tua
infância.
As
plúmbeas nuvens,
Já
fugitivas,
Os ermos
buscam,
Serras esquivas.
Plácida
lua
Nos Céus
alveja,
Prateia os
lagos,
E as
flores beija.
Aqui, ó
Laura,
Teus olhos
garços,
Na linfa
clara,
Nos Céus
esparsos.
Lânguidos
brilham
Nestas
estrelas,
Que as
brandas ondas
Retratam
belas.
Na cor de
rosa,
A luz da
lua,
Risonha
vejo
A face
tua.
Carmíneos
lábios
Nos rubros
cravos,
Que
n’hástea pendem,
Quais
melios favos.
Teu níveo
colo
— Na
estátua erguida
Do amor de
Tasso
— Da bela
Arminda.
Na onda
breve
O arfar do
seio,
Que a
aragem move
Com brando
enleio.
Dos
mal-me-queres
Áureos
novelos
Os anéis
fingem
Dos teus
cabelos.
Da violeta
Na
singeleza
Tua alma
vejo,
Tua pureza
Ergue-te,
ó Laura,
Do brando
leito,
Dá-me em
teu peito
De amor
gozar;
Um volver
d’olhos,
Um beijo
apenas
Entre as
verbenas
Do teu
pomar.
Não fujas,
Laura,
Vem a meus
braços
Leva-me
vida
Nos teus
abraços...
Lá surge
um Anjo!
Oh Céus, é
ela!
— Estrela
vésper
De luz
singela!
Cobre-lhe
os membros
Alva
roupagem,
Que manso
agita
Suave
aragem.
Longos
cabelos
Belos se
estendem,
E em ondas
de ouro
Dos ombros
pendem.
A ela
corro
Tento
abraçá-la
Recurvo os
braços,
Mas sem
tocá-la!
Era um
Arcanjo
De aéreo
sonho
No ar
perdeu-se
Ledo e
risonho.
Laura
formosa
No leito
estava,
Dos meus
lamentos.
Só
desdenhava.
Já a luz
do dia
Renasce
além,
Debalde
espero,
Laura não
vem.
Não têm
meus versos
Beleza
tanta,
Que
ouvi-los possa
Quem tudo
encanta.
Naquele
peito
De olente
flor,
Paixões
não entram,
Não entra
amor.
A BORBOLETA
Sobre a
açucena,
Que no
horto alveja,
A
borboleta
Mansinha
adeja;
Libando os
pingos
De orvalho
brando,
Que a
nuvem loura
Vem
salpicando.
Meneia os
leques
Por entre
as flores,
Que o ar
perfumam
Com seus
olores.
Mimosos
leques
De cores
finas,
— Tela
formosa
Das mãos
divinas,
Ora
serena,
Pairando a
flux,
Esmaltes
mostra
Do brilho
à luz.
Ora nas águas
Boiando
vai,
Qual folha
seca
Que ao
vento cai.
Ao vir da
aurora
Vai do
jasmim
Beijar a
cútis
D’alvo
cetim.
Ao cravo,
à rosa
Afagos
presta,
— Que a
aragem sopra
E o sol
recresta.
Ao pôr da
tarde
Pousa em
delírio
Nas tenras
folhas,
Do roxo
lírio.
E o frágil
corpo
Em sono
brando,
Que embala
a brisa,
Que vem
soprando,
Alívio
encontra
Na solidão
Até que
d’alva
Rompa o
clarão.
---
Fonte
"Toda a Poesia: Antologia Poética". Poeteiro Editor Digital. São Paulo, 2015.
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