ALICE
Os seus olhos são como os das pombas,
sem falar
no que está oculto dentro.
CÂNTICO DOS CÂNTICOS
Imagina um sorriso só de criança,
Todo
candura, e junta-lhe a meiguice
De um
sorriso de mãe; e tens ideado
O sorriso
de Alice.
Imagina um
olhar - mistério e sonho,
Cheio de
luz, de glória, de doidice...
Com a
sedução dos olhos da mãe d’água:
E tens o
olhar de Alice.
Imagina
uma grave melodia,
Tão doce
como nunca mais se ouvisse,
Como nunca
se ouviu na terra ainda,
E tens a
voz de Alice.
Já viste
como o cisne fende o lago?
Como
desliza a névoa na planície?
Como anda
na clareira a pomba rola?
É ver o
andar de Alice.
Olha o
macio pétalo corado
De rosa
que de todo não abrisse.
O mimo da
conchinha nacarada
É a boca
de Alice.
Se um dia
visses no alcantil dos cerros
A
imaculada neve que caísse,
Verias, ai
de mim! do que é formado
O coração
de Alice.
FLOR DE IPÊ
Na clara estação gorjeada,
Em flor o
ipê se desata;
Ó bela
árvore dourada!
Ó loura
filha da mata!
O tronco,
o pai, se revê
Todo
ufano, todos zelos,
Nesses
teus áureos cabelos
Que o sol
beija, ó flor de ipê!
As
abelhas, jóias vivas,
Adereçam-te
o toucado;
Diz-te
frases expressivas
O sabiá
namorado;
De ramo em
ramo o tiê
Cai, com
gota de sangue;
E a coral
se enrosca langue
Nos teus
braços, flor de ipê!
Mas, ai!
tanta formosura,
Tão
festejada e querida,
Pouco
tempo vive e dura,
Logo cai a
flor sem vida;
E sombrio
e nu se vê,
Mudo,
trágico, isolado,
Como um
pai desamparado,
O velho
tronco do ipê.
Na alegre
quadra encantada
Dos sonhos
e da esperança.
Vestiu-te
a ilusão dourada
O coração
de criança;
Surgiu-te
- meu Deus! por quê? -
Ante os
passos peregrinos
Crianças
de olhos divinos,
Loura como
a flor do ipê.
Sonhos de
que te cobriste,
Coração em
primavera,
Caíram,
todos, ai, triste!
Quanta
dourada quimera!
Eis-te da
sorte à mercê,
Já sem
viço, já sem flores...
Aqueles
pobres amores
Foram como
a flor do ipê!
A TAPERA
Les temps sont acomplis, les choses
se sont tues.
LECONTE DE LISLE
A meio
vale escuro, à beira do caminho.
Está
silenciosa a velha casa em ruína...
Desabitado
lar, abandonado ninho,
O horror
da solidão fantástica o domina.
O horror
da solidão, por quê? também na mata,
Na virgem,
secular, inóspita floresta,
Há uma
calma grande, em que a alma se dilata;
E, ao
invés do terror, que portentosa festa!
Mais funda
é a solidão na agreste cumiada
Onde não
pisou nunca o bípede tirano;
Mas lá
quanta alegria aberta e iluminada!
- O cunho
do terror vem dos vestígio humano.
Vê-se um
velho postigo escancarado ao poente...
O tosco
parapeito apodreceu... e vê-se
Que ali
chorou, talvez, de saudades do ausente
Uma noiva
fiel, que de esperar morresse.
A bela
porta, franca outrora, está fechada...
É ninho de
répteis a trapedira amiga.
Que
convidava a entrar na plácida morada,
Que já
ninguém procura e a ninguém mais abriga.
Pobre,
inútil ruína! Olhemos de mais perto,
Pelo teto,
que abriu dos temporais o açoite...
Brotam
ervas do solo esquecido e deserto...
E este era
o coração da casa, ao lar, à noite!
Aqui se
reunia, em pacífico bando,
A família,
a sonhar os dias do futuro,
Enquanto,
fora, o vento andava praguejando
E a noite
ia seguindo o seu caminho escuro.
Ali, para
o nascente, havia um aposento
Pequeno e
recatado... ai! ali, porventura,
Morava a
sinhá-moça, o riso, o encantamento
Da rústica
vivenda, a doce criatura!
No vão
dessa janela aberta para a estrada
Quanta
cena de afeto ainda se imagina!...
Um
cavaleiro ao longe a sumir-se, e inclinada
Ao
parapeito, a branca e chorosa menina...
Desconjuntado,
já caindo-lhe os pedaços,
Vê-se um
velho oratório... e, coberto de poeira,
Um Cristo
mutilado abre os divinos braços...
Quanta fé
o beijou na angústia derradeira!
Cá fora,
indiferente, ingratamente alheio,
Passa o
vento da mata, o alado vagabundo.
Sem um
beijo, sequer, ao esqueleto feio
Da ruína
sem dono, esquecida no mundo!
Somente à
noite agora, ao ter da lua triste
A
compassiva luz fantástica e serena,
Reanima-se
a tapera e ressuscita e existe
De um
sombrio existir que mete medo e pena.
Existe uma
alma assim... Outrora foi ruidosa.
Clara,
feliz, brilhante à luz da primavera...
Agora é
nua e só, - sombra silenciosa,
Morta à
beira da vida... a lúgubre tapera!
IDEAL
Desde bem cedo me sorriste,
Ó luz da
alma contemplativa!
Na minha
noite escura e triste
Hás de
brilhar, enquanto eu viva.
Astro do
enlevo solitário,
Oculta flor
do ermo saudoso,
Lâmpada do
íntimo sacrário,
Etérea
fonte de almo gozo.
Tu és, na
altura inacessível,
O eterno
prêmio que eu almejo
E sigo;
brilhas impassível
E eu vivo,
enquanto ainda te vejo!
Por mais
que neste inferno pene
E arder-me
a vida toda sinta,
Adoro-te,
ó sonho perene!
Ó ambição
da alma faminta!
Astro
amigo, fulge e cintila.
E roto à
vida o frágil nexo,
Venha-me à
fronte, enfim tranquila,
A
extrema-unção do teu reflexo!
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Fonte
"Toda a Poesia: Antologia Poética". Poeteiro Editor Digital. São Paulo, 2015.
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