terça-feira, 24 de novembro de 2015

Luís Antonio Cajazeira Ramos: "5 Poemas"

SONETO-CATÁSTROFE

Sequer adormecer porque me agarro
à imagem que de ti em vão persigo.
IVAN JUNQUEIRA

Que remédio aplicar à incurável lembrança,
se ela é acne que trato e logo recidiva
em meu rosto, esta máscara de temperança
cuja pele é refém da ruína invasiva?

Como opor ao desejo uma força contrária
e, no embate, uma nova paixão ser urdida,
se este mar de saudade não é água vária,
mas um lago parado, isolado e sem vida?

Como um totem-tabu te fincaste em meu peito,
totem de adoração, tabu pelo interdito
da ausência que me rasga o coração sem jeito.

Não há sol que degele esta dor frigorífica.
Ó lágrimas, jorrai dos abismos que habito
um tsunami de amor nesta ilhota pacífica.



NÃO DÁ MAIS PRA SEGURAR

Não acredites, mãe, eu não sou triste.
Isso é conversa de quem não me entende.
Só por isso, porque meus versos choram
tanta tristeza? É tudo fingimento!

Esta saudade que me dói, de quem?
Qual solidão, se eu tenho a ti e a tantos?
Esta lágrima impressa na garganta?
Que nada, mãe, teu filho é puro encanto.

Não percebes a aurora em meu sorriso?
Não te gabas a quantos meus talentos?
Não sou o amor que tu pariste um dia?

Deixa pra lá, mamãe, tapa os ouvidos.
Fecha teus olhos, vê minha alegria.
Dá-me teu colo, que eu preciso tanto.



DANAÇÃO

No dia em que me deres não e o troco
por toda a angústia a que te condenei,
nesse dia, meu Deus, estarei louco
de feliz, como quem depõe um rei.

Isso mesmo! Eu mereço até o soco
e o pontapé de teu desprezo. Eu sei
que a alegria virá enquanto eu sofro,
e essa esperança tomarei por lei.

Querias me beijar, eu dava o rosto.
Querias me abraçar, eu dava a mão.
Querias mais, eu sempre dava o pouco.

Mas teu ódio há de impor maior vingança.
Mais forte! Não me basta a solidão.
É preciso matar minha esperança.



AONDE IRÁ MEU PENSAMENTO

Lá fora é Carnaval. Estou feliz.
Numa corrente elétrica, a alegria
imanta-se nos corpos, irradia
e arranca as solidões pela raiz.

Imune às emergências, sou feliz
sem me contaminar pela folia.
A mim basta a nudez azul do dia
cobrindo-se da noite. Por um triz,

a calma me devora. E estou atento
à mágica explosão deste momento:
a vida escorre, sempre a acontecer

de tudo ser de novo. As ruas ardem
paixão e fantasia. E nunca é tarde. Em
quase leveza, eu durmo. O amanhecer.



SONETO DA SALVAÇÃO

Você, que se perdeu de ser feliz
ao procurar desvios retilíneos,
quando devia sempre, por um triz,
flanar as incertezas dos caminhos,

você, que foi um crédulo servil
das verdades beatíficas dos líderes
e dos cientistas com teorias mil
em benfazejas fábricas de crimes,

eu sei, o chão não mais lhe doa lírios,
eu sei, o céu de estrelas não lhe banha,
mas seu trem ainda pode errar os trilhos

na overdose epifânica do mantra
de ternuras, delícias e delírios
da voz uníssona de Affonso Manta.


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Fonte:
Revista da Academia de Letras da Bahia, nº 52, 2014

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