SONETO-CATÁSTROFE
Sequer adormecer porque me agarro
à imagem que de ti em vão persigo.
IVAN JUNQUEIRA
Que remédio
aplicar à incurável lembrança,
se ela é acne que
trato e logo recidiva
em meu rosto, esta
máscara de temperança
cuja pele é refém
da ruína invasiva?
Como opor ao
desejo uma força contrária
e, no embate, uma
nova paixão ser urdida,
se este mar de
saudade não é água vária,
mas um lago
parado, isolado e sem vida?
Como um totem-tabu
te fincaste em meu peito,
totem de adoração,
tabu pelo interdito
da ausência que me
rasga o coração sem jeito.
Não há sol que
degele esta dor frigorífica.
Ó lágrimas, jorrai
dos abismos que habito
um tsunami de amor
nesta ilhota pacífica.
NÃO DÁ MAIS PRA SEGURAR
Não acredites,
mãe, eu não sou triste.
Isso é conversa de
quem não me entende.
Só por isso,
porque meus versos choram
tanta tristeza? É
tudo fingimento!
Esta saudade que
me dói, de quem?
Qual solidão, se
eu tenho a ti e a tantos?
Esta lágrima
impressa na garganta?
Que nada, mãe, teu
filho é puro encanto.
Não percebes a
aurora em meu sorriso?
Não te gabas a
quantos meus talentos?
Não sou o amor que
tu pariste um dia?
Deixa pra lá,
mamãe, tapa os ouvidos.
Fecha teus olhos,
vê minha alegria.
Dá-me teu colo,
que eu preciso tanto.
DANAÇÃO
No dia em que me
deres não e o troco
por toda a
angústia a que te condenei,
nesse dia, meu
Deus, estarei louco
de feliz, como
quem depõe um rei.
Isso mesmo! Eu
mereço até o soco
e o pontapé de teu
desprezo. Eu sei
que a alegria virá
enquanto eu sofro,
e essa esperança
tomarei por lei.
Querias me beijar,
eu dava o rosto.
Querias me
abraçar, eu dava a mão.
Querias mais, eu
sempre dava o pouco.
Mas teu ódio há de
impor maior vingança.
Mais forte! Não me
basta a solidão.
É preciso matar
minha esperança.
AONDE IRÁ MEU PENSAMENTO
Lá fora é
Carnaval. Estou feliz.
Numa corrente
elétrica, a alegria
imanta-se nos
corpos, irradia
e arranca as
solidões pela raiz.
Imune às
emergências, sou feliz
sem me contaminar
pela folia.
A mim basta a
nudez azul do dia
cobrindo-se da
noite. Por um triz,
a calma me devora.
E estou atento
à mágica explosão
deste momento:
a vida escorre,
sempre a acontecer
de tudo ser de
novo. As ruas ardem
paixão e fantasia.
E nunca é tarde. Em
quase leveza, eu
durmo. O amanhecer.
SONETO DA SALVAÇÃO
Você, que se
perdeu de ser feliz
ao procurar
desvios retilíneos,
quando devia
sempre, por um triz,
flanar as
incertezas dos caminhos,
você, que foi um
crédulo servil
das verdades
beatíficas dos líderes
e dos cientistas
com teorias mil
em benfazejas
fábricas de crimes,
eu sei, o chão não
mais lhe doa lírios,
eu sei, o céu de
estrelas não lhe banha,
mas seu trem ainda
pode errar os trilhos
na overdose
epifânica do mantra
de ternuras,
delícias e delírios
da voz uníssona de
Affonso Manta.
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Fonte:
Revista da Academia de Letras da Bahia, nº 52, 2014
Fonte:
Revista da Academia de Letras da Bahia, nº 52, 2014
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