BICHO ESTRANHO
Repara neste mundo
diferente!
Já não se sabe
mais o que é saudade.
Sentir saudade é
crime que condena,
e ri de quem a
sente toda gente.
Vê como a alma da
pedra embrutecida,
dentro, na alma
das gentes, faz abrigo.
E o homem, lobo do
homem, incomovível,
como um fardo, sem
fé, carrega a vida.
Mas eu sou
estrangeira neste espaço.
Olhe pra mim! Eu
sou um bicho estranho que
conhece o prazer e
a dor da dor.
E moro numa bolha
de saudade
que se abriga
escondida atrás dos olhos,
e carrego comigo
pra onde vou.
SONETO DO GIRASSOL
Dorme, mulher,
tuas noites não têm lua.
Rolam os carros no
rolar da rua,
rolam teus sonhos
no rolar do sono,
e a noite é qual
um teto ao abandono.
A madrugada logo
se avizinha
vagueias no teu
sono onde caminha
a sombra espectral
dos teus enganos
a desfazer imagens
dos teus sonos.
A noite ri do
mundo em lampadários,
o tempo esvai-se,
morrem calendários.
Esquecem-se os
prazeres malvividos!
Treme em teu sono
o frio dos desertos.
Mas no teu peito
um girassol aberto
esconde o espinho
que te tem ferido
CLARO-ESCURO
A luz da tarde a
entrar pela janela
é o sol vindo
visitar a sala.
Caminha na parede
a sombra rala
das nesgas da
cortina de flanela.
Meus olhos passam
lentos nessa escala
de claro-escuro,
sombra e luz de vela.
E então eu penso —
reparando nela —
na oscilação de
alguém de quem não falo.
Às vezes pode ser
como a vidraça,
deixar passar a
luz. E a luz que passa
aquecer e clarear
inteira a sala.
Vezes outras
prefere ser cortina
e, se envolvendo
em nesgas pequeninas,
vai reduzir-se à
mera sombra rala.
NA HORA DO SONO
Amar é como andar
por entre facas.
A mão de sal no
meu olhar de areia.
Poder levar à boca
um beijo azul,
sorrir com dentes
verdes e morrer.
Calcino a minha
febre primitiva
na boca esquiva e
negra das noturnas.
Agudo o anseio
retalhando o ventre,
e o vácuo espaço
qual o olho do abismo.
Todos os contos
líricos morreram.
Em ti a esfinge
canta um canto branco,
sereia em barco de
um Caronte músico.
Amar-te é andar
incólume entre facas.
Eros folheia um
livro em minha cama
até rasgar-se a
folha derradeira.
SE TE AMAR NÃO FOSSE
A solidão aguça o
olho da noite.
Rola no tempo o
tédio da amargura.
Ah! Se te amar
cantasse uma alegria
de mão a deslizar
em suave colo,
se fosse como luva
acetinada
que envolve a mão
de que eu seria a luva
a te vestir na
exatidão precisa,
a mão serias tu, e
nosso, o gozo.
E se te amar um
látego não fosse,
grande seria o
festejar das bodas
no abraço
unificando um mesmo anseio.
Ah! Se te amar não
fosse como um cardo,
como horizonte
turvo, como um gume,
como morrer de
sede olhando um rio...
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