terça-feira, 24 de novembro de 2015

Gláucia Lemos: "5 Poemas"

BICHO ESTRANHO

Repara neste mundo diferente!
Já não se sabe mais o que é saudade.
Sentir saudade é crime que condena,
e ri de quem a sente toda gente.

Vê como a alma da pedra embrutecida,
dentro, na alma das gentes, faz abrigo.
E o homem, lobo do homem, incomovível,
como um fardo, sem fé, carrega a vida.

Mas eu sou estrangeira neste espaço.
Olhe pra mim! Eu sou um bicho estranho que
conhece o prazer e a dor da dor.

E moro numa bolha de saudade
que se abriga escondida atrás dos olhos,
e carrego comigo pra onde vou.

  

SONETO DO GIRASSOL

Dorme, mulher, tuas noites não têm lua.
Rolam os carros no rolar da rua,
rolam teus sonhos no rolar do sono,
e a noite é qual um teto ao abandono.

A madrugada logo se avizinha
vagueias no teu sono onde caminha
a sombra espectral dos teus enganos
a desfazer imagens dos teus sonos.

A noite ri do mundo em lampadários,
o tempo esvai-se, morrem calendários.
Esquecem-se os prazeres malvividos!

Treme em teu sono o frio dos desertos.
Mas no teu peito um girassol aberto
esconde o espinho que te tem ferido



CLARO-ESCURO

A luz da tarde a entrar pela janela
é o sol vindo visitar a sala.
Caminha na parede a sombra rala
das nesgas da cortina de flanela.

Meus olhos passam lentos nessa escala
de claro-escuro, sombra e luz de vela.
E então eu penso — reparando nela —
na oscilação de alguém de quem não falo.

Às vezes pode ser como a vidraça,
deixar passar a luz. E a luz que passa
aquecer e clarear inteira a sala.

Vezes outras prefere ser cortina
e, se envolvendo em nesgas pequeninas,
vai reduzir-se à mera sombra rala.



NA HORA DO SONO

Amar é como andar por entre facas.
A mão de sal no meu olhar de areia.
Poder levar à boca um beijo azul,
sorrir com dentes verdes e morrer.

Calcino a minha febre primitiva
na boca esquiva e negra das noturnas.
Agudo o anseio retalhando o ventre,
e o vácuo espaço qual o olho do abismo.

Todos os contos líricos morreram.
Em ti a esfinge canta um canto branco,
sereia em barco de um Caronte músico.

Amar-te é andar incólume entre facas.
Eros folheia um livro em minha cama
até rasgar-se a folha derradeira.



SE TE AMAR NÃO FOSSE

A solidão aguça o olho da noite.
Rola no tempo o tédio da amargura.
Ah! Se te amar cantasse uma alegria
de mão a deslizar em suave colo,

se fosse como luva acetinada
que envolve a mão de que eu seria a luva
a te vestir na exatidão precisa,
a mão serias tu, e nosso, o gozo.

E se te amar um látego não fosse,
grande seria o festejar das bodas
no abraço unificando um mesmo anseio.

Ah! Se te amar não fosse como um cardo,
como horizonte turvo, como um gume,
como morrer de sede olhando um rio...

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