1936
Para João, garoto e neto
Minha alma foi
soprada
pelos ouvidos e
quando nasci
em novembro chovia
e ventava.
Lembro de ouvir
dizer sempre
de luzes e vozes
em sala branca
onde um choro
estridente brotou
depois de uma
palmada e dor
quando comecei a
sensoriar tudo
os sons de
palavras e rezarias
aprendidas depois
para escreviver
suspiros e poemas
do indizível
historietas que
todos carregam
ora vejam só vocês
que estão a ler
este sopropoeta
velho de setenta
e cinco anos
vividos desde então
por vontades do
Criador das gentes.
Para Teresa, menina e neta
Uma aranha
tece
e não esquece
o inicio do fio
infindável.
A brisa passa
e treme a trama
tecida e leve
e preso estou
de olho fixo
no risco aéreo
da arquiteta
atentíssima.
Pronta estará
a redefina
se no laço tinir
o primeiro inseto
prisioneiro.
Caça e comida
debatendo-se
são o sinal
do repasto
agonizante.
Labiríntica cena
para quem vê
e sente prazer
de esperar só
o resultado.
A calma que é
na tardezinha
com aranha operosa
e sua obra
até o chuvisco
rasgar a renda
entrelinhada
de um bicho
vencido
ao crepúsculo.
PAISAGEM
Para Paula, mocinha e neta
O vento,
ventozinho,
suave, brioso,
traz prazer na
pele
de gentes e pelos
e penas
dos bichos, e
muita poeira
de sujidades que
esvoaçam
com as folhas e
pólens e cheiros
e beija-flores,
leves,
e lágrimas de
velhos
nos bancos da
varanda
mastigando o
futuro, insosso,
que tudo encurta
e chega mais perto
a cada domingo, a
morte
nas faces
estriadas e secas
de mulher ou de
homem
seja estação do
ano qualquer
chuvosas ou
solaradas,
pois já anoitece
e o tempo brisado
retorna
com vaga-lumes
intocáveis
que piscam, pisca,
piscando
para encanto da
meninada
e adolescentes que
tagarelam
de baixo das
árvores sem poda
restantes e
enluaradas copas.
Um poeta que sonha
adiante
fixa tudo na
memória presente
com palavras de
muito guardadas.
Que hão de dizer
de mim, Cesário,
depois
que você chegou de
longa
e inesperada,
antiga
viagem
transatlântica?
A casa é sua,
o quintal também.
Há verde e vento e
sol
esperando o poeta
na Bahia,
em Pedras do Rio.
Sou um colega,
assim,
neste século de
merda
que inicia o nada.
Nem
mesmo os mistérios
das mulheres
são iguais ao
cálido seio, velado,
carnosas coisas
inconsabidas.
CARNAVALENDO
Para Caetano Veloso
Na praça a coisa
caetanave:
rampante na
multidão.
No som o trino
eletrofante,
e a voz no ouvido
conduz os saltos
do povaréu.
Profana musa
carnavalina
abençoai, (amor)
talhada
a carne tenra
a boca terna
as mãos mulatas
de Durvalina,
as coxas negras
de Josinete
a nuca branca
de Maria das
Dores.
E a quarta-feira
de cruz na testa
(se ainda ha
padres!)
refaz o mundo
no seu lugar.
Só na Bahia
(misericordia!)
começa tudo
no próximo ensaio
da Timbalada
de Carlos Brown.
---
Fonte:
REVISTA DA ACADEMIA DE LETRAS DA BAHIA, nº 51, 2013
Fonte:
REVISTA DA ACADEMIA DE LETRAS DA BAHIA, nº 51, 2013
Nenhum comentário:
Postar um comentário