NO ÁLBUM DUMA SENHORA
Meu nome
aqui deixara solitário
Escrito
nessa cor;
Com que
desde nascido as faixas d’alma
Tingiu-me o
dissabor;
Meu nome
aqui deixara solitário
Em traço
negro incerto,
Qual friso
do buril da desventura
Em claro
plano aberto;
A não
temer que alguém, que não soubesse
O que este
nome diz,
Ao vê-lo
neste livro me insultasse
Chamando-me
feliz.
Saiba,
pois, quem o ler, que de uma Virgem
No livro
afortunado
Seu nome
escuro, como seu destino,
Escreve um
desgraçado!
Sobre ele
verta a Virgem uma lágrima
Do seu
pranto celeste,
Que talvez
se desbotem os negrumes
Do luto
que o reveste.
Sim, ó
Virgem, do pranto de teus olhos,
Concede,
sim, concede
Uma
lágrima triste ao pobre nome
Que
lágrimas só pede!
De teus
olhos quisera uma centelha
Um peito
do vulcão;
Ao
contrário, porém, só pede pranto
Um morto
coração!
O sol
ilumina, a gala ofende
Ao solo
mortuário:
Só sobressaem
os cristais do pranto
Dos mortos
no sudário.
Eia, pois,
cair deixa neste nome
O teu
pranto celeste;
Que talvez
se desbotem os negrumes
Do luto
que o reveste.
A MINHA RESOLUÇÃO
O que
fazes, ó minh’alma!
Coração,
por que te agitas?
Coração,
por que palpitas?
Por que
palpitas em vão?
Se aquele
que tanto adoras
Te
despreza, como ingrato,
Coração,
sê mais sensato,
Busca
outro coração!
Corre o
ribeiro suave
Pela terra
brandamente,
Se o plano
condescendente
Dele se
deixa regar;
Mas, se
encontra algum tropeço
Que o leve
curso lhe prive,
Busca logo
outro declive,
Vai correr
noutro lugar.
Segue o
exemplo das águas,
Coração,
por que te agitas?
Coração,
por que palpitas?
Por que
palpitas em vão?
Se aquele
que tanto adoras
Te
despreza, como ingrato,
Coração, sê
mais sensato,
Busca
outro coração!
Nasce a
planta, a planta cresce,
Vai
contente vegetando,
Só por
onde vai achando
Terra
própria a seu viver;
Mas, se
acaso a terra estéril
Às raízes
lhe é veneno,
Ela vai
noutro terreno
As raízes
esconder.
Segue o
exemplo da planta,
Coração,
por que te agitas?
Coração,
por que palpitas?
Por que
palpitas em vão?
Se aquele
que tanto adoras
Te
despreza, como ingrato,
Coração,
sê mais sensato,
Busca
outro coração!
Saiba a
ingrata que punir
Também sei
tamanho agravo:
Se me
trata como escravo,
Mostrarei
que sou senhor;
Como as
águas, como a planta,
Fugirei
dessa homicida;
Quero dar
a um’alma fida
Minha vida
e meu amor.
A LINGUAGEM DOS TRISTES
Se houver
um ente, que sorvido tenha
Gota a
gota o veneno da amargura;
Que nem nos
horizontes da esperança
Veja
raiar-lhe um dia de ventura;
Se houver
um ente, que, dos homens certo,
Neles
espere certa a falsidade;
Que veja
um laço vil num rir de amores,
Uma
traição nos mimos da amizade;
Se houver
um ente, que, votado às dores,
Todo com a
tristeza desposado,
De cruéis
desenganos só nutrido,
Somente
males a esperar do fado;
Que venha,
acompanhar-me na agonia,
Qu’esta
minh’alma, sem cessar, traspassa!
Venha,
qu’há muito luto, a ver se encontro
Quem
sinta, como eu, tanta desgraça
Venha,
sim, que talvez por nosso trato
Uma nova
linguagem seja urdida,
Em que
possam falar-se os desgraçados,
Que do
mundo não seja traduzida.
Por lei
inexorável do destino,
Quem gemer
à desgraça condenado,
Inda
lidando no lidar do mundo,
Há de
viver do mundo desterrado.
E em que
desterro! Os outros só nos tiram
Os olhos
do lugar do nascimento;
A
desgraça, porém, do mundo inteiro
Desterra o
coração e o pensamento.
Ao menos a
linguagem deste exílio
Mais
suportável torne a vida crua;
Tenha ao
menos a terra da desgraça
Uma
linguagem propriamente sua.
E quem
tê-la melhor? Por mais que fale
O sedutor
prazer em frase ardente,
Por mais
que se perfume e se floreie,
Nunca é,
como a dor, tão eloquente.
Nos
fenômenos d’alma o corpo sempre
Do seu
modo de obrar diversifica:
Pelas
quebras da orgânica fraqueza
A força
esp’ritual se multiplica.
Quando,
livre, o esp’rito aos céus remonta,
Da
Eternidade demandando o norte,
Toda força
primeva recobrando —
Tomba a
matéria, e cai nas mãos da morte!
Quando o
gás do prazer dilata o seio,
A força do
sentir dormente acalma;
Quando a
pressa da dor o seio aperta,
A força do
sentir se expande n’alma.
Assim
novas palavras, novas frases,
Nova
linguagem, pede o sofrimento;
Porque
dobra o sentir, e duplas asas
P’ra vôos
duplos colhe o pensamento:
Não, não
pode em seus termos quase inertes,
Esse falar
comum de cada dia,
Deste
duplo sentir, d’idéias duplas,
Exprimir
fielmente a valentia.
Enganai-vos,
ditosos! Vossas falas,
Anos que
falem, nunca dizem tanto,
Quanto num
só momento dizer pode
Um
suspiro, um soluço, um ai, um pranto.
Eia, pois,
tristes! eia!... desde agora
Uma nova
linguagem seja urdida,
Em que
possam falar-se os desgraçados,
Que do
mundo não seja traduzida.
Veja o
mundo, de gozos egoísta,
Qu’os
tristes nada têm de suas lavras:
Que,
orgulhosos na pátria da desdita,
Nem dos
ditosos querem as palavras.
AMOR E LÁGRIMAS
Se fosse
possível na minha alma
Amanhecer
um dia da ventura,
Corado por
um beijo de donzela
Ao
despontar d’aurora...
Se, Anjo
de salvação mandado ao mísero,
Sorrindo,
pelo céu jurasse a bela
Fazer-me
cada vez por novos beijos
Mais rubra
a cor do dia...
Se fiel
companheira em toda parte
Quisesse
me seguir, presa comigo,
Como um
raio celeste preso a um astro
A
iluminar-lhe o curso...
Se a
visse, desdenhosa a mil tesouros,
Só por
ter-me, deixá-los e contente
A gabar-me
o sabor do pão grosseiro
Que me
alimenta a vida...
Não a
crera; e talvez que até julgasse
Tantas
provas de amor atroz perfídia,
Se amor me
não brilhasse nos seus olhos
No centro
de uma lágrima.
Amor é
fogo; o coração que ama
Todo nas
suas chamas se evapora,
No rosto
se condensa, e chega aos olhos
Em água
convertido.
Que é um
riso? — Um prazer. Prisão estreita
De duas
almas? — Simpatia apenas:
E os
abraços e beijos? — Muitas vezes
Sustento
de lascívia.
Tudo isso
diz amor; mas quando? — Quando,
Filho de
um doce afeto que se apura
Nos
cadinhos da dor, é batizado,
Num
batismo de prantos.
É belo
ver-se uns olhos cintilantes,
Acesos em
vulcões de fogo ignoto,
A dardejar
faíscas invisíveis
Que os
corações abrasam:
É belo
ver-se um rosto nacarado
No carmim
do prazer: é belo ver-se
Partir
fino coral de rubros lábios
Um sim
d’alma saído:
Mas em
rostos assim amor não fala;
E, se
fala, as mais vezes diz mentiras;
E este —
sim — que tomamos por verdade
É escárnio
do crente.
Quereis
vê-lo sincero? Observai-o
N’açucena
de um rosto desmaiado,
Entre os
lírios de uns lábios que roxeiam
Suspiros
de agonia:
Nuns
olhos, cuja luz crepusculante,
Entre a
neve das lágrimas, pareça
Revérbero
da alâmpada mortiça
Do templo
da saudade.
Aí podeis
lhe crer o que disser-vos,
Podeis
segui-lo sem temer um crime;
Que amor,
se o pranto lhe borrifa as asas,
Seu vôo ao
céu dirige.
A SAUDADE BRANCA
Que tens,
mimosa saudade?
Assim
branca quem te fez?
Quem te
pôs tão desmaiada,
Minha
flor? Que palidez!...
Ah!... já
sei: n’um peito vário
Emblema
foste de amor:
O peito
mudou de afeto,
E tu
mudaste de cor.
Mas não;
só peito animado
Por
constância e lealdade,
Unida pode
trazer-te
Consigo,
minha saudade.
Demais tu
não mudas; seja
Qual for o
destino teu,
Conservas
sempre o aspecto
Que a
natureza te deu.
Que tens,
mimosa saudade?
Assim
branca quem te fez?
Quem te
pôs tão desmaiada,
Minha
flor? Que palidez!
Quem sabe
se és flor, saudade?
Quem sabe?
Da sepultura
Amor nas
pedras penetra
Por
milagre da ternura.
Quem
sabe... (Oh! meu Deus não seja,
Não seja
esta idéia vã!)
Se em ti
não foi transformada
A alma de
minha irmã?!
“Minha
alma é toda saudades;
“De
saudades morrerei” —
Disse-me,
quando a minh’alma
Em
saudades lhe deixei:
E agora
esta saudade
Tão triste
e pálida... assim
Como a
saudade que geme
Por ela
dentro de mim!...
A
namorar-me os sentidos!
A
fascinar-me a razão!...
Julgo que
sinto a voz dela
Falar-me
no coração!
Exulta,
minh’alma, exulta!...
Aos meus
lábios, flor louçã!
No meu
peito... Toma um beijo...
Outro
beijo, minha irmã!
Outro
beijo, que estes beijos
Não te
proíbe o pudor;
Sou teu
irmão, não te mancham
Os beijos
de meu amor.
Fala um
pouco. Se almas podem
Em flores
se transformar,
Sendo
almas encantadas,
As flores
podem falar.
Mas não
falas?... não respondes?...
Oh! cruéis
enganos meus!
Saudade,
por que me iludes?
Minha
irmã!... Meu Deus!... Meu Deus!...
Minha
irmã!... minha ventura,
Esperança,
encanto meu!
É teu
irmão quem te chama!...
Responde!...
fala!... Sou eu!
Dista
muito o céu da terra?
Os anjos
asas não têm?
Desata um
vôo, meu anjo!
Não
tardes, meu anjo! Vem!
Vem! Ao
menos um momento
Quero
ver-te, irmã querida:
Embora,
depois de ver-te,
Fique cego
toda a vida.
Mas não
vens? Deus te não deixa
Vir ao
mundo, meu amor?
Só devo
encontrar no pranto
Lenitivo à
minha dor?
Ah!
minh’alma desfalece...
E o
coração, que apressado
Com tanta
força batia,
Mal
palpita... está cansado.
Muda, sem
termos, nem vozes
Me vai
ralando a agonia:
A
tempestade de angústias,
Mudou-se
em melancolia.
Que é
isto?! Como tão negro
Ficou-me
todo o horizonte!
Que suor
me banha o rosto!
Que peso
sinto na fronte!
Ah! meu
Deus! graças! aos olhos
O pranto
sinto chegar;
Se a boca
não fala, ao menos
Os olhos
podem chorar.
Nós temos
duas saudades;
Uma de
sangue ensopada
Pela mão
do desespero
No seio
d’alma plantada;
Outra da
melancolia
Toma o
gesto, e veste a cor,
Exangue,
pálida e fria,
Mas calada
em sua dor.
Parece que
a natureza
Quis
provar esta verdade,
Quando
diversa da roxa
Te criou,
branca saudade.
---
Fonte
"Toda a Poesia: Antologia Poética". Poeteiro Editor Digital. São Paulo, 2015.
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