SONETO DO POETA BRASILEIRO
Não sou viril
somente nas poesias.
Quero dormir
contigo, pois teus pés
amassavam pitangas
e trazias
no corpo inteiro a
marca das marés.
Disseste que
comigo casarias
- amor na cama,
beijos, cafunés.
Entre-sombras de
carne oferecias
tão navegáveis
como igarapés.
Minha morena até
dizer que não,
o nosso amor
demais me recordava
duas lagoas onde
me banhei.
Sou macho e
brasileiro, coração:
em teu olhar eu nu
e forte estava
e foi assim,
morena, que te amei.
SONETO DA MULHER E A NUVEM
A João Cabral de
Melo Neto
Nuvem no céu do
nunca, nem tão branca
- assim era o
amor, à minha espreita,
e era a mulher, de
nuvens sempre feita
e de véus e pudor
que o amor arranca.
Não pude amá-la,
pois não era franca
a sua carne que o
amor aceita,
nuvem que um céu
de amor sempre atravanca
e entre praias e
pântanos se deita.
Bruma de carne, em
vão céu de tormento,
parindo fogo aos
meus dezesseis anos,
assim foi ela, sem
deixar seu nome.
Nunca foi minha, e
só em pensamento
eu pude dar-lhe o
amor de desenganos
que me deixou no
corpo espanto e fome.
SONETO DA CONCILIAÇÃO
Que o amor não me
iluda, como a bruma
que esconde uma
imprevista segurança.
Antes, sustente o
chão em que descansa
o que se irá,
perdido como a espuma.
Veja que eu me
elegi, mas sem nenhuma
razão de assim
fazer, e sem lembrança
de aproveitar
apenas a esquivança
de que o amor não
prescinde em parte alguma.
Que também não se
alheie ao que esclarece
o motivo real, de
uma oferta,
reunir o acessório
e o imprescindível.
Antes, atente a
tudo o que se tece
distante do seu
dia inconsumível
que dá certeza à
noite mais incerta.
SONETO DOS VINTE ANOS
Que o tempo passe,
vendo-me ficar
no lugar em que
estou, sentindo a vida
nascer em mim,
sempre desconhecida
de mim, que a
procurei sem a encontrar.
Passem rios,
estrelas, que o passar
é ficar sempre,
mesmo se é esquecida
a dor de ao vento
vê-los na descida
para a morte sem
fim que os quer tragar.
Que eu mesmo,
sendo humano, também passe
mas que não morra
nunca este momento
em que eu me fiz
de amor e de ventura.
Fez-me a vida
talvez para que amasse
e eu a fiz, entre
o sonho e o pensamento,
trazendo a aurora
para a noite escura.
SONETO DAS ALTURAS
As minhas
esquivanças vão no vento
alto do céu, para
um lugar sombrio
onde me punge o
descontentamento
que no mar não
deságua, nem no rio.
Às mudanças me
fio, sempre atento
ao que muda e
perece, e ardente e frio,
e novamente
ardente é no momento
em que luz o
desejo, poldro em cio.
Meu corpo nada
quer, mas a minh'alma
em fogos de
amplidão deseja tudo
o que ultrapassa o
humano entendimento.
E embora nada
atinja, não se acalma
e, sendo alma,
transpõe meu corpo mudo,
e aos céus pede o
inefável e não o vento.
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