sábado, 21 de novembro de 2015

Carlos Magalhães de Azeredo: "5 Poemas"

DESPEDIDA

Não me coroes, Alma querida, de rosas: o encanto
Da juventude é efêmero; e a minha é quase extinta.

Também não me coroes de louros: a Glória não fala
Ao coração, nem o ouve; passa, longínqua e fria.

Coroa-me das heras, que abraçam as graves ruínas:
São da humildade símbolo e da tristeza eterna ...



SARCÓFAGO ANTIGO

Aqui, no verde ingresso de um bosque de mirtos e louros,
entre roseiras bravas e agrestes margaridas,

granítico, o sarcófago antigo descansa. Rescende
cingindo-o a madressilva, que as mudas campainhas

em flor agita ao vento. Com laços tenazes e dúcteis
a hera fiel se enrosca, perpétua, à sepultura,

mas lhe respeita as linhas severas, os finos relevos,
e os emoldura apenas em harmoniosos curvas.

Não deturpou a idade seus nobres contornos. A clava
de Bárbaro, com raiva sinistra e rumor surdo,

não a investiu. Acaso, no fundo das selvas Albanas,
num antro sibilino, numa deserta gruta

sagrada, no horto obscuro de um vilico, abrigo sereno
por séculos a fio lhe dera a sorte. Agora,

entre a folhagem pétrea, de pomos e de uvas pesada,
que a circunda, uma cena de místico prestígio

revive. Inda os Centauros, com os Lápitas rudes lutando,
rolam, de olhos em chamas, na mesma ardente fúria

frenéticos os braços, e tesos os fortes jarretes,
e túmidos os peitos felpudos, e eriçados

a um tempo equinos pêlos e comas humanas. Já voam
dardos; o sangue, a jorros, vai já correr. Mas surge

na confusão da pugna, robusto, soberbo, sublime,
Hércules - vulto enorme! Com sua crespa juba

as têmporas lhe cinge leonina cabeça; e dos ombros
pende-lhe, manto tétrico, o despojo do monstro.

Ele, com o gesto apenas, lhes doma as horríficas iras.
Cessa o tumulto. Param, de terror fulminadas...

Ignota é a mão de artista, que o grupo guerreiro na pedra
em trágicas posturas criou e uniu. Ignoto

és tu que ali dormiste teu último sono ai! eterno
o crias - sono eterno... Mas nada existe eterno

no mundo; nem um simples jazigo. Um capricho do vento
varreu-te as cinzas, todas. E nem te resta o nome.

Quem eras tu, Romano de estirpe gloriosa, Tribuno
ou Cônsul, coroado de grama ou de carvalho?

Herói antigo, ou fino letrado da Corte e do Fórum?
Onde teus Manes pousam, e teus divinos Lares?

Se subo, entanto, à beira do velho jazigo, se estendo
a vista, além dos louros e mirtos viridentes,

além do vale cavo, sonoro de Arícia, e da imensa
Campanha árida e triste, Roma diviso ao longe...

Mas não; quem sabe em Roma que um dia viveste? Que ruína
fala de ti? Em que alma pela lembrança reinas?

Entanto, indiferentes, chilreiam estivas cigarras
aqui, com voz estrídula, em árvores musgosas.

Pássaros da floresta vizinha, pardais, pintassilgos,
e pombas de plumagem dócil, indiferentes,

os lépidos pesinhos no grande sarcófago pousam,
e bebem a onda clara... que a sepultura ilustre

hoje é, Patrício esplêndido, uma urna de rústica fonte,
que as águas níveas colhe dentre as marmóreas fauces

de um tigre... E quando as tintas purpúreas do ocaso colorem
no belicoso campo Lápitas e Centauros,

ou quando a branca Lua na fonte se espelha em silêncio,
gárrulas raparigas seus cântaros apoiam

nos ângulos lavrados, sorrindo, cantando, pensando...
Mas ai! não em ti pensam... pensam nos seus amores...



INVARIÁVEL

Não digas que uma estranha e imprevista mudança,
Notas em meu olhar; que, manso e amigo outrora,
Hoje lampejos de ira e de revolta lança,
E em chamas de rancor infernal te devora.

Não; ele é sempre igual - terno e devoto - embora
Não tenha a luz da fé, nem o ardor da esperança;
Sem crer no teu amor, o teu amor implora,
E de acariciar-te as formas não se cansa...

Quando de ti me vier a morte, quando um dia
Com tuas próprias mãos me abafares na boca
O suspiro final desta lenta agonia,

Inda no mesmo olhar de submisso respeito
Verás - rindo talvez! - alma leviana e louca,
O supremo perdão do mal que me tens feito...



ESTOICISMO

Ouve tu, homem bom! ouve, alma forte e pura!
Se a Vida destruiu teu santo ideal antigo;
Se teu pai te expulsou, como um torpe mendigo,
Por que fosses trilhar a rua da amargura;

Se a amante te traiu, num beijo de ternura;
Se te vendeu, sorrindo, o teu melhor amigo;
Se o déspota, da tua altivez em castigo,
Na prisão te deixou por leito a terra dura...

Não te queixes! não dês ao tirano e ao perverso
O prazer de escutar-te um ai... Consciência justa,
Tu podes, num só gesto, esmagar o universo!

Sofre, pois, mudo, sem um gemido mesquinho;
Envolve-te na Dor silenciosa e augusta,
Como num manto real de púrpura e de arminho!



A ESTÁTUA MUTILADA

De alvíssimo pentélico as formas divinas refulgem.
Certo, gerou-te a pátria da Beleza,

a Hélade eterna. Ó corpo sublime, que bárbaras garras
torpes te mutilaram atrozmente?

Psique, Afrodite ou Juno, quem quer que tu foste, sem pena
o martelo sacrílego feriu-te,

os brancos pés quebrou-te, rompeu-te os esplêndidos braços
(onde essas mãos liriais foram dispersas?);

nívea petrina, seios em flor, belos flancos polidos
como urnas ... nada, ah! nada te pouparam!

Somente o rosto. Intacto, sereno ele brilha. Sereno,
hierático, impassível, e perfeito.

Eram assim as Deusas. Tu és uma Deusa. Debalde
te ofenderam, debalde ignaras gentes

aqui te relegaram supina, nesta orla do bosque,
numa rústica e sórdida morada.

Debalde, ano após ano, por séculos lentos e escuros,
entre almas incapazes de entender-te,

de te sentir o arcano prestígio, dormiste em silêncio,
tu sabias (as Deusas tudo sabem)

que eu de longínquas terras viria, de terras selvagens;
para te amar, ó Deusa,-de joelhos ...

Nenhum comentário:

Postar um comentário