sexta-feira, 27 de novembro de 2015

Leda Guerra: "5 Poemas"

A DANAÇÃO DA PALAVRA

A palavra fica tatuada no corpo
Inscrita em movimentos cabisbaixos
Dança esquisita de corpos desajeitados
Ritmos desencontrados
Fuligem da cana e assombro
Esse é o meu lugar: um reino onde as flautas desafinam
Os navios naufragam
E a inocência implora animação de palhaços



ABISMOS

Ele sumiu no silêncio da existência
Sua mãe gritou como se quisesse explodir o mundo.
Fios de linha podre entrelaçam miséria e morte.
Meu olhar verde-oculto a tudo assiste
pelo espelho da escuridão da infância,
Nas mãos carrego sementes
E o meu amor se enfeita toda vez que a dor é infinita.



PARA ALGUNS POETAS

Liberta-te aleivoso poeta
Liberta-te de tanta amargura
Que te aprisiona no sarcasmo
Olha a dor do mundo
A realidade implorando poesia
Liberta-te
Ou cala-te para sempre



PROTEÇÃO

Não perca a senha
Que te livra
Da danação da palavra
Não escute os assobios
Dos fantasmas que te chamam
O sonho possui a chave dos mistérios
Que te salvarão
Dos rivais
Da vida e da poesia



DICOTOMIA

Do lado de lá as melodias brotavam
E o perfume do silêncio exalava suas folhas recém nascidas
Do lado de lá o amor prometido caía sobre mim como cai
a complacente delicadeza sobre a brutalidade dos dias
Do lado de lá eu cantava como quem reza uma oração da tarde
Do lado de lá a luz do sol me saudava em promessas de primavera
Do lado de cá as minhas mãos estavam vazias
E eu contemplava essas feridas
Que jamais se transmutariam em cicatrizes
Do lado de cá eu espreitava, proibida, o lado de lá
E descobria, em mim, um desatinado coração
Amoroso e louco, vislumbrando o infinito



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Fonte:
Revista Brasileira: Fase VII - Julho-Agosto-Setembro 2009 - Ano XV - Nº 60 - (Academia Brasileira de Letras - ABL)

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