SAUDADE
Ao meu amigo
Frei Bento da Trindade Cortez
Atualmente no Mosteiro do Rio de Janeiro
... porque lágrimas também são amor.
Dr. J. J.
B. de Oliveira
Em minhas
horas de noturna insônia,
Com os
olhos fitos no porvir longínquo
Eu penso
em mim, - e na segunda idéia
Encontro-me
contigo.
Eu te
pranteio no arrebol da aurora,
Que em teu
exílio meditando esperas.
Envolto
num crepúsculo te enxergo
A deplorar
teus fados.
Nas nuvens
de sanguíneas listras
Lágrimas
verto que sobre elas mando,
Partem, -
porém do caminhar cansadas
Descaem no
oceano.
Desesperado
então, maldigo o espaço,
Maldigo o
céu e a terra, o vácuo e o pleno.
Em cada
criação deparo um erro.
Nem acho
Deus tão sábio.
E na minha
alma se desenha ao vivo
Melhor,
mais belo, mais ditoso, um mundo.
Tiro do
nada, sem ausência e males,
Um orbe
todo novo.
O amor da
pátria que os tiranos banem,
Não
choraria maldições e sangue.
Nem tu nem
eu seríamos cortados
Por
divisões de abismos.
Mas quando
ainda não acabo o sonho,
Diviso
armadas que vão mar em fora.
Desperto,
e caio nos aéreos braços
Da quimera
sublime.
E mais
amargo te lamento a sorte,
Tu, mártir
feito pelas mãos dos bonzos,
Invoco o
céu que entornará sobre eles
Alabastros
de anátema.
Ligando a
mim teu coração dorido,
Que a teus
amigos em penhor deixaste,
Tateio
nele as emoções tão vivas,
Que em teu
desterro sofres.
Conheço as
aflições que te salteiam,
Nobre
proscrito. O sol, a lua, os astros.
Cruzam teu
ponto, e trazem-me sinceros
Tuas
ingênuas dores.
Sim! para
os claustros não nasceu tua alma.
Teu
coração não te palpita - Monge.
Nem tão
baixo teus ímpetos serpenteiam,
Que um
cárcere os contente.
Nesse
vasto palor que te orna a fronte,
- Sinal
dos homens de profundo gênio,
Eu leio a
grande e destemida idéia,
Que não
cabe nos claustros.
Deserta, ó
gênio, do covil imundo,
Onde o
leão dos vícios se alaparda.
Ah! esta
cela, onde a indolência dorme.
Não pode,
não, ser tua.
Coral
guardado nas flumíneas urnas,
Quem há de
te arrancar do equóreo fundo?
Não serias
mais belo, em áureo engaste,
No colo de
uma virgem?
SONETO
Arda de raiva contra mim a intriga
Arda de raiva contra mim a intriga
Arda de
raiva contra mim a intriga,
Morra de
dor a inveja insaciável;
Destile
seu veneno detestável
A vil
calúnia, pérfida inimiga.
Una-se
todo, em traiçoeira liga,
Contra mim
só, o mundo miserável.
Alimente
por mim ódio entranhável
O coração
da terra que me abriga.
Sei rir-me
da vaidade dos humanos;
Sei
desprezar um nome não preciso;
Sei insultar
uns cálculos insanos.
Durmo
feliz sobre o suave riso
De uns
lábios de mulher gentis, ufanos;
E o mais
que os homens são, desprezo e piso.
LOUCO (HORA DE DELÍRIO)
Não, não é louco. O espírito somente
É que
quebrou-lhe um elo da matéria.
Pensa
melhor que vós, pensa mais livre,
Aproxima-se
mais à essência etérea.
Achou
pequeno o cérebro que o tinha:
Suas
idéias não cabiam nele;
Seu corpo
é que lutou contra sua alma,
E nessa
luta foi vencido aquele,
Foi uma
repulsão de dois contrários:
Foi um
duelo, na verdade, insano:
Foi um
choque de agentes poderosos:
Foi o
divino a combater com o humano.
Agora está
mais livre. Algum atilho
Soltou-se-lhe
o nó da inteligência;
Quebrou-se
o anel dessa prisão de carne,
Entrou
agora em sua própria essência.
Agora é
mais espírito que corpo:
Agora é
mais um ente lá de cima;
É mais, é
mais que um homem vão de barro:
É um anjo
de Deus, que Deus anima.
Agora, sim
— o espírito mais livre
Pode subir
às regiões supernas:
Pode, ao
descer, anunciar aos homens
As
palavras de Deus, também eternas.
E vós,
almas terrenas, que a matéria
Os sufocou
ou reduziu a pouco,
Não lhe
entendeis, por isso, as frases santas.
E zombando
o chamais, portanto: - um louco!
Não, não é
louco. O espírito somente
É que
quebrou-lhe um elo da matéria.
Pensa
melhor que vós, pensa mais livre.
Aproxima-se
mais à essência etérea.
MARTÍRIO
Beijar-te
a fronte linda
Beijar-te
o aspecto altivo
Beijar-te
a tez morena
Beijar-te
o rir lascivo
Beijar o
ar, que aspiras
Beijar o
pó, que pisas
Beijar a
voz, que soltas
Beijar a
luz, que visas
Sentir
teus modos frios
Sentir tua
apatia
Sentir até
repúdio
Sentir
essa ironia
Sentir que
me resguardas
Sentir que
me arreceias
Sentir que
me repugnas
Sentir que
até me odeias
Eis a
descrença e crença,
Eis o
absinto e a flor,
Eis o amor
e o ódio,
Eis o
prazer e a dor!
Eis o
estertor de morte,
Eis o
martírio eterno,
Eis o
ranger de dentes,
Eis o
penar do inferno!
MORTE (HORA DE DELÍRIO)
Pensamento gentil de paz eterna
Amiga
morte, vem. Tu és o termo
De dous
fantasmas que a existência formam,
— Dessa
alma vã e desse corpo enfermo.
Pensamento
gentil de paz eterna,
Amiga
morte, vem. Tu és o nada,
Tu és a
ausência das moções da vida,
do prazer
que nos custa a dor passada.
Pensamento
gentil de paz eterna
Amiga
morte, vem. Tu és apenas
A visão
mais real das que nos cercam,
Que nos
extingues as visões terrenas.
Nunca temi
tua destra,
Não vou o
vulgo profano;
Nunca
pensei que teu braço
Brande um
punhal sobr’humano.
Nunca
julguei-te em meus sonhos
Um
esqueleto mirrado;
Nunca
dei-te, pra voares,
Terrível
ginete alado.
Nunca te
dei uma foice
Dura, fina
e recurvada;
Nunca
chamei-te inimiga,
Ímpia,
cruel, ou culpada.
Amei-te
sempre: — pertencer-te quero
Para
sempre também, amiga morte.
Quero o
chão, quero a terra, - esse elemento
Que não se
sente dos vaivens da sorte.
Para tua
hecatombe de um segundo
Não falta
alguém? — Preencha-a comigo:
Leva-me à
região da paz horrenda,
Leva-me ao
nada, leva-me contigo.
Miríades
de vermes lá me esperam
Para
nascer de meu fermento ainda,
Para
nutrir-se de meu suco impuro,
Talvez me
espera uma plantinha linda.
Vermes que
sobre podridões refervem,
Plantinha
que a raiz meus ossos fera,
Em vós
minha alma e sentimento e corpo
Irão em
partes agregar-se à terra.
E depois
nada mais. Já não há tempo,
nem vida,
nem sentir, nem dor, nem gosto.
Agora o
nada — esse real tão belo
Só nas
terrenas vísceras deposto.
Facho que
a morte ao lumiar apaga,
Foi essa
alma fatal que nos aterra.
Consciência,
razão, que nos afligem,
Deram em
nada ao baquear em terra.
Única idéia
mais real dos homens,
Morte
feliz — eu quero-te comigo,
Leva-me à
região da paz horrenda,
Leva-me ao
nada, leva-me contigo.
Também
desta vida à campa
Não
transporto uma saudade.
Cerro meus
olhos contente
Sem um ai
de ansiedade.
E como um
autômato infante
Que ainda
não sabe mentir,
Ao pé da
morte querida
Hei de
insensato sorrir.
Por minha
face sinistra
Meu pranto
não correrá.
Em meus
olhos moribundos
Terrores
ninguém lerá.
Não achei
na terra amores
Que
merecessem os meus.
Não tenho
um ente no mundo
A quem
diga o meu – adeus.
Não posso
da vida à campa
Transportar
uma saudade.
Cerro meus
olhos contente
Sem um ai
de ansiedade.
Por isso,
ó morte, eu amo-te e não temo:
Por isso,
ó morte, eu quero-te comigo.
Leva-me à
região da paz horrenda,
Leva-me ao
nada, leva-me contigo.
---
Fonte
"Toda a Poesia: Antologia Poética". Poeteiro Editor Digital. São Paulo, 2015.
Nenhum comentário:
Postar um comentário