terça-feira, 24 de novembro de 2015

José Inácio Vieira de Melo: "5 Poemas"

ESCRITURAS

José Inácio Vieira de Melo
Eu chego no silêncio que acende
as quatro ferraduras do tempo
e encontro a inesgotável jazida,
catedral do rubi que me habita.

Na madrugada, sonho com os rumos,
gesto que inventa o cristal das palavras,
surpreendendo as pedras com a chuva
a derramar a escritura sagrada.

Agora, apenas ando com os pássaros
a escutar as belezas desta terra
e sustento as parábolas salvíficas
com esta medula que me carrega.

Escuta, dos confins do longo dia,
a noite a chegar – cortina de versos
que revelam as estrelas de abril
aos meus olhos pasmos de tanto ver.



RASTRO DE TESEU

Distraído é que me perco
e cruzo veredas outras
envoltas em verossímeis
labirintos da memória.

Com o olhar perscrutador
e com estas sete vidas
dos meus vinte dedos é
que sondo o mapa do mito.

Como perdido entre nuvens
sempre me encontras inteiro,
danço no panavoeiro
dos passarinhos ligeiros

e reinvento os sentidos
com o vento galopante
e te ofereço esta nova
paisagem de cada instante.



TEMPLO

Das palavras do poeta, as imagens
que captam a multidão ao triunfo.
De sua dimensão nasce o centauro,
veículo e montaria dos mundos.

A loucura das lâmpadas na mente
e o pensamento inquieto, o poeta
bebe e chora ouvindo as vozes do templo:
elementos que o espírito alimentam.

Combate a morte com a poesia.
Violenta o pavor da cristandade.
Seus versos, rebeladas orações,
cânticos de louvor à liberdade.

Na escada do templo, pensando o tempo:
o mundo emergindo dos vastos ventos
para os cascos velozes do centauro.
O poeta é o próprio templo do tempo.

Com os ímpetos dos céus, bebe o vinho.
Indo ou vindo o poeta se embriaga
e iluminado estende aos mercadores
o ardor e o sabor de suas palavras.

Dentro da noite selvagem e bruta,
os lamentos da multidão que sangra.
O poeta em seu plantão salga a carne,
depois revela as fontes da emoção.

Por dentro da nave do mundo existem
rumos crescentes que esperam por gentes.
O poeta entrou no templo, abriu as portas,
acendeu a fogueira e dançou nos tempos.



SONATA DAS MUSAS ESCARLATES

Nos olores dos aloendros escarlates, as musas todas.
O escarlate, em sua noite, cria a linguagem por dentro.

Por dentro da madrugada, os gemidos escarlates
de Cássia sobre a alfombra de folhas dos cajueiros.

Os tempos extinguiram os corpos, distantes,
mas os mares e os risos ainda estão envolvidos.

Outrora, a água e a cidra, os barcos nos azulejos,
outrora, por dentro do corpo da noite, recendiam os jasmins,
outrora, Quitéria era infanta e se fazia escarlate ao cantar do galo.

À noite, os vestidos de verbenas eram imortais.
No mais, tudo era gozo e rito nas liturgias do céu.

Às vezes, as borboletas fazem um culto à memória de Margarete
e os ventos povoam as pedras dos jazigos daqueles anos azuis
que jazem aqui, dentro do peito, e nos arrabaldes que vejo.

E era Linda, com os olhos sombreados dentro da noite,
e eu todo perdido nos aromas de avelã de sua volúpia,
e sobre suas ancas escarlates estou, como o mar por dentro.

E, na noite do mar adolescente, Aliane e seus cheiros:
nas pupilas das águas, no âmago das praias, envolvidos.

O verde do mar e o sangue das verbenas, enredados
no negror da noite. E eu ouvia Carla e me envolvia
nas trepadeiras dos seus cabelos, no seu templo de música.

E pelos céus da minha paixão desfilavam em flor e fogo
os vultos de Vilma e de Vanessa – estandartes escarlates.

Assim, Duíno Selvagem, breve como as águas do Sertão,
estendo as musas escarlates que perenizam minha saga.



BODAS DE SANGUE
Para Cristina Hoyos

Que beleza é essa que tanto me incomoda?
Que olhar de tâmara – sâmaras que se semeiam –
transborda dos cântaros de tua íris?
O que anunciam teus inquisidores e translúcidos olhos?

Tudo em ti é duplo, senhora do amor bruxo.
De tuas mãos multiplicam-se os gestos e as bênçãos
e com tuas mãos dizes mais que cem mil bocas juntas
e essas mesmas mãos prenunciam a beleza de tuas ancas.

Mas mais do que tudo, o que impera em ti
são esses milagres que são tuas tetas,
dois punhais que a cada instante furam minha paz
e que me ensinaram a amargar a verdadeira sede.

Ah Cristina Hoyos, deusa de Espanha,
vem bailando em nuvens e em versos de Garcia Lorca,
vem com teus punhais para a minha peixeira de 12 polegadas,
pois as nossas bodas só podem ser de sangue.

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