ESCRITURAS
José Inácio Vieira
de Melo
Eu chego no
silêncio que acende
as quatro
ferraduras do tempo
e encontro a
inesgotável jazida,
catedral do rubi
que me habita.
Na madrugada,
sonho com os rumos,
gesto que inventa
o cristal das palavras,
surpreendendo as
pedras com a chuva
a derramar a
escritura sagrada.
Agora, apenas ando
com os pássaros
a escutar as
belezas desta terra
e sustento as
parábolas salvíficas
com esta medula
que me carrega.
Escuta, dos
confins do longo dia,
a noite a chegar –
cortina de versos
que revelam as
estrelas de abril
aos meus olhos
pasmos de tanto ver.
RASTRO DE TESEU
Distraído é que me
perco
e cruzo veredas
outras
envoltas em
verossímeis
labirintos da
memória.
Com o olhar
perscrutador
e com estas sete
vidas
dos meus vinte
dedos é
que sondo o mapa
do mito.
Como perdido entre
nuvens
sempre me
encontras inteiro,
danço no
panavoeiro
dos passarinhos
ligeiros
e reinvento os
sentidos
com o vento
galopante
e te ofereço esta
nova
paisagem de cada
instante.
TEMPLO
Das palavras do
poeta, as imagens
que captam a
multidão ao triunfo.
De sua dimensão
nasce o centauro,
veículo e montaria
dos mundos.
A loucura das
lâmpadas na mente
e o pensamento
inquieto, o poeta
bebe e chora
ouvindo as vozes do templo:
elementos que o
espírito alimentam.
Combate a morte
com a poesia.
Violenta o pavor
da cristandade.
Seus versos,
rebeladas orações,
cânticos de louvor
à liberdade.
Na escada do
templo, pensando o tempo:
o mundo emergindo
dos vastos ventos
para os cascos
velozes do centauro.
O poeta é o
próprio templo do tempo.
Com os ímpetos dos
céus, bebe o vinho.
Indo ou vindo o
poeta se embriaga
e iluminado
estende aos mercadores
o ardor e o sabor
de suas palavras.
Dentro da noite
selvagem e bruta,
os lamentos da
multidão que sangra.
O poeta em seu
plantão salga a carne,
depois revela as
fontes da emoção.
Por dentro da nave
do mundo existem
rumos crescentes
que esperam por gentes.
O poeta entrou no
templo, abriu as portas,
acendeu a fogueira
e dançou nos tempos.
SONATA DAS MUSAS ESCARLATES
Nos olores dos
aloendros escarlates, as musas todas.
O escarlate, em
sua noite, cria a linguagem por dentro.
Por dentro da
madrugada, os gemidos escarlates
de Cássia sobre a
alfombra de folhas dos cajueiros.
Os tempos
extinguiram os corpos, distantes,
mas os mares e os
risos ainda estão envolvidos.
Outrora, a água e
a cidra, os barcos nos azulejos,
outrora, por
dentro do corpo da noite, recendiam os jasmins,
outrora, Quitéria
era infanta e se fazia escarlate ao cantar do galo.
À noite, os
vestidos de verbenas eram imortais.
No mais, tudo era
gozo e rito nas liturgias do céu.
Às vezes, as
borboletas fazem um culto à memória de Margarete
e os ventos povoam
as pedras dos jazigos daqueles anos azuis
que jazem aqui,
dentro do peito, e nos arrabaldes que vejo.
E era Linda, com
os olhos sombreados dentro da noite,
e eu todo perdido
nos aromas de avelã de sua volúpia,
e sobre suas ancas
escarlates estou, como o mar por dentro.
E, na noite do mar
adolescente, Aliane e seus cheiros:
nas pupilas das
águas, no âmago das praias, envolvidos.
O verde do mar e o
sangue das verbenas, enredados
no negror da
noite. E eu ouvia Carla e me envolvia
nas trepadeiras
dos seus cabelos, no seu templo de música.
E pelos céus da
minha paixão desfilavam em flor e fogo
os vultos de Vilma
e de Vanessa – estandartes escarlates.
Assim, Duíno
Selvagem, breve como as águas do Sertão,
estendo as musas
escarlates que perenizam minha saga.
BODAS DE SANGUE
Para Cristina Hoyos
Que beleza é essa
que tanto me incomoda?
Que olhar de
tâmara – sâmaras que se semeiam –
transborda dos
cântaros de tua íris?
O que anunciam
teus inquisidores e translúcidos olhos?
Tudo em ti é
duplo, senhora do amor bruxo.
De tuas mãos
multiplicam-se os gestos e as bênçãos
e com tuas mãos
dizes mais que cem mil bocas juntas
e essas mesmas
mãos prenunciam a beleza de tuas ancas.
Mas mais do que
tudo, o que impera em ti
são esses milagres
que são tuas tetas,
dois punhais que a
cada instante furam minha paz
e que me ensinaram
a amargar a verdadeira sede.
Ah Cristina Hoyos,
deusa de Espanha,
vem bailando em
nuvens e em versos de Garcia Lorca,
vem com teus
punhais para a minha peixeira de 12 polegadas,
pois as nossas
bodas só podem ser de sangue.
Nenhum comentário:
Postar um comentário