ALVÍSSIMA
(Oração)
Como a
Noite, Senhor,é linda
Com seus
cabelos de luar…
Não chores
mais, Lua bem-vinda
Que me
fazes também chorar…
Sorrisos
do luar d’uma Caveira oca,
Sorrisos
do luar enfeitiçando os brejos
Sorrisos
do luar a angelizar a boca,
Sorrisos
do luar onde escondi meus beijos…
Orações do
luar dos lábios de nós ambos,
Orações do
luar que os astros não rezaram,
Orações do
luar a consagrar os tambos,
Orações do
luar, das almas que noivaram.
Cabelos do
luar, aveludados, frios,
Cabelos do
luar em tranças latescentes;
Cabelos do
luar — alvíssimas serpentes,
Cabelos do
luar banhando-se nos rios…
Aromas do
luar em revoadas francas,
Aromas do
luar, a perfumar o céu…
Aromas do
luar, sonâmbulos ao léu,
Aromas do
luar, por noites todas brancas…
Brancuras
do luar dispersas pelos montes…
Brancuras
do luar — finos lençóis de gelo…
Brancuras
do luar, olhai o sete estrelo,
Brancuras
do luar, a namorar as fontes…
Veludos do
luar tecidos pela lua,
Veludos do
luar, de lírios e de rosas…
Veludos do
luar, ó vestes preciosas
Veludos do
luar vestindo a noite nua…
Trêmulos
de luar — litanias peregrinas,
Trêmulos
de luar — ó harmonias cérulas,
Trêmulos
de luar, nas bocas aspérulas
Trêmulos
de luar, e lábios das boninas…
Tristezas
do luar caindo-nos no peito,
Tristezas
do luar, como um dobrar profundo…
Tristezas
do luar anestesiando o Mundo,
Tristezas
do luar, em lágrimas desfeito…
Lágrimas
do luar da Lua aventureira,
Lágrimas
do luar, da débil flor dos linhos…
Lágrimas
do luar da mágoa derradeira,
Lágrimas
do luar, de moços e velhinhos…
Saudades
do luar, na rama dos ciprestes,
Saudades
do luar, há mochos a cantar…
Saudades
do luar, são almas a chorar…
Saudades
do luar, as podridões agrestes…
Velhinhos
corações a verter sangue e mágoas,
Velhinhos
corações de mocidade negras,
Velhinhos
corações — doridas toutinegras,
Velhinhos
corações aos tombos pelas fráguas.
Vamos
todos pedir à Lua sacrossanta
Na
aspiração do Amor, na comunhão do Bem
Que o seu
bendito olhar, o seu olhar de Santa,
Nos
abençoe agora e para sempre amém!
EM BUSCA
Ponho os
olhos em mim, como se olhasse um estranho,
E choro de
me ver tão outro, tão mudado…
Sem
desvendar a causa, o íntimo cuidado
Que sofro
do meu mal — o mal de que provenho.
Já não sou
aquele Eu do tempo que é passado,
Pastor das
ilusões perdi o meu rebanho,
Não sei do
meu amor, saúde não na tenho,
E a vida
sem saúde é um sofrer dobrado.
A
minh’alma rasgou-ma o trágico Desgosto
Nas silvas
do abandono, à hora do sol-posto,
Quando o
azul começa a diluir-se em astros…
E à beira
do caminho, até lá muito longe,
Como um
mendigo só, como um sombrio monge,
Anda o meu
coração em busca dos seus rastros…
PRECE
Ó Morte,
vai buscar a raiva abençoada
Com que
matas o Mal e geras novos seres...
ó Morte
vai depressa, e traz-ma, se puderes,
Que eu
canso de viver, quero voltar ao Nada.
Escorre-me
da boca a voz que inda murmura,
Arranca-me
do peito o coração exangue,
Que eu hei
de dar-te, em troca, os restos do meu sangue,
Para o
negro festim da tua fome escura...
Ó santa
que eu adoro, ó virgem d'olhar triste,
Bendita
sejas tu, ó morte inexorável,
Pelo mundo
a chorar desde que o Mundo existe...
Dá-me do
teu licor, quero beber a esmo...
Que eu
vivo no Abandono, e sou um miserável
Aos tombos
pela Vida em busca de mim mesmo!
DOENTE
Que negro
mal o meu! estou cada vez mais rouco!
Fogem de
mim com asco as virgens d'olhar cálido...
E os
velhos, quando passo, vendo-me tão pálido,
Comentam
entre si: - coitado, está por pouco!...
Por isso
tenho ódio a quem tiver saúde,
Por isso
tenho raiva a quem viver ditoso,
E, odiando
toda a gente, eu amo o tuberculoso.
E só estou
contente ouvindo um alaúde.
Cada vez
que me estudo encontro-me diferente,
Quando
olham para mim é certo que estremeço;
E vai,
pensando bem, sou, como toda a gente,
O
contrário talvez daquilo que pareço...
Espírito
irrequieto, fantasia ardente,
Adoro como
Poe as doidas criações,
E se não
bebo absinto é porque estou doente,
Que eu
tenho como ele horror às multidões.
E amando
doudamente as formas incompletas
Que às
vezes não consigo, enfim, realizar,
Eu
sinto-me banal ao pé dos mais poetas,
E,
achando-me incapaz, deixo de trabalhar...
TÉDIO
Ando às
vezes boçal e sinto-me incapaz
De
encontrar uma rima ou produzir um verso;
Fazendo de
mim mesmo a ideia de um perverso
Capaz de
apunhalar à luz do gás.
Incomoda-me
a Cor, o sangue do Poente
- Waterloo
rubro de que o sol é Bonaparte -;
Não
compreendo, Mulher, como inda posso amar-te
Se tenho
raiva, muita raiva a toda a gente.
‘Té onde a
vista alcança alargo o meu olhar,
E creio
quanto existe uma nódoa escura
Que as
lágrimas do Choro hão de jamais lavar...
Estranha
concepção! Abranjo o mundo todo
E em cada
estrela vejo a mesma lama impura,
E em cada
boca rubra o mesmo impuro lodo!
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Fonte
"Toda a Poesia: Antologia Poética". Poeteiro Editor Digital. São Paulo, 2015.
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