SAUDADE
I
Eu já tive
em belos tempos
Alguns
sonhos de criança;
Já
pendurei nas estrelas
A minha
verde esperança;
Já recolhi
pelo mundo
Muita
suave lembrança.
Sonhava
então - e que sonhos
Minha
mente acalentaram?!
Que visões
tão feiticeiras
Minhas
noites embalaram?!
Como eram
puros os raios
De meus
dias que passaram?!
Tinha um
anjo de olhos negros,
Um anjo
puro e inocente,
Um anjo
que me matava
Só c’um
olhar - de repente,
- Olhar
que batia na alma,
Raio de
luz transparente!
Quando ela
ria, e que riso?!
Quando
chorava - que pranto?!
Quando
rezava, que prece!
E nessa
prece que encanto?!
Quando
soltava os cabelos,
Como
esparzia quebranto!
..............................................................
Por entre
o chorão das campas
Minhas
visões se ocultaram;
Meus
pobres versos perdidos
Todos,
todos acabaram;
De tantas
rosas brilhantes
Só folhas
secas ficaram!
II
Oh! que já
fui feliz! - ardente, ansioso
Esta vida
boiou-me em mar de encantos!
Os meus
sonhos de amor eram mil flores
Aos
sorrisos de aurora, abrindo a medo
Nos
orvalhados campos!
Ela no
agreste monte; ela nos prados;
Ela na luz
do dia; ela nas sombras
Pardacentas
do vale; ela no monte,
No céu, no
firmamento - ela sorrindo!
Então o
sol surgindo feiticeiro,
Entre
nuvens de cores recamadas,
Segredava
mistérios!
Como era
verde o florejar das veigas,
Brandinha
a viração, múrmura a fonte,
Meigo o
clarão da lua, a estrela amiga
Na solidão
do Céu!
Que sedes
de querer, que amor tão santo,
Que crença
pura, que inefáveis gozos,
Que
venturas sem fim, calcando ousado
Humanas
impurezas!
Deus sabe
se por ela, em sonho estranho
A divagar
sem tino em loucos êxtases,
Sonhei,
penei, vivi, morri de amores!
Se um
quebro fugitivo de seus olhos
Era mais
do que a vida em plaga edênica,
Mais do
que a luz ao cego, o orvalho às flores,
A
liberdade ao triste prisioneiro,
E a terra
da pátria ao foragido!!!
Mas, ai! -
tudo morreu!...
Secou-se a
relva, a viração calou-se,
Os
queixumes da fonte emudeceram,
Mórbida a
lua só prateia lousa,
A estrela
amorteceu e o sol amigo
No
verde-negro seio do oceano
Chorando a
face esconde!
Meus
amores talvez morreram todos
Da lua no
clarão que eu entendia,
Nessa
réstia do sol que me falava,
Que tantas
vezes me aqueceu a fronte!
III
Além,
além, meu pensamento, avante!
Que idéia
agora a mente me assalteia?!
Lá surge
afortunada,
Da minha
infância a imagem feiticeira!
Quadra
risonha de inocência angélica,
Minha
estação no Céu, por que fugiste?
E que vens
tu fazer - agora à tarde
Quando o
sol já desceu os horizontes,
E a noite
do saber já vem chegando
E os
lúgubres lamentos?
Minha
aurora gentil - tu bem sabias
Como eu
falava às brisas que passavam,
Às
estrelas do Céu, à lua argêntea,
sobre
nuvem purpúrea ao Sol já frouxo!
Ante mim
se erguia então o venerando
O vulto de
meu Pai - perto, ao meu lado
Minha
irmãs brincavam inocentes,
Puras,
ingênuas, como a flor que nasce
Em
recatado ermo! - Ai! minha infância
Não
voltarás... oh! nunca!... entre ciprestes
Dormes
daqueles sonhos esquecida!
Na solidão
da morte - ali repoisam
Ossos de
Pai, de Irmãos!... embalde choras
Coração
sem ventura... a lousa é muda,
E a voz
dos mortos só a campa a entende.
Tive um
canteiro de estrelas,
De nuvens
tive um rosal;
Roubei às
tranças da aurora
De pérolas
um ramal.
De
aurinoturno véu
Fez-me
presente uma fada;
Pedi à lua
os feitiços,
A cor da
face rosada.
Contente à
sombra da noite
Rezava a
Virgem Maria!
De noite
tinha esquecido
Os
pensamentos do dia.
Sabia
tantas histórias
Que não me
lembra nenhuma;
Ao meus
prantos apagaram
Todas,
todas - uma a uma!
IV
Ambições,
que eu já tive, que é delas?
Minhas
glórias, meu Deus, onde estão?
A ventura
- onde vivi na terra?
Minha
rosas - que fazem no chão?
Sonhei
tanto!... Nos astros perdidos
Noites...
noites inteiras dormi;
Veio o
dia, meu sono acabou-se,
Não sei
como no mundo me vi!
Esse mundo
que outrora habitava
Era Céu...
paraíso... eu não sei!
Veio um
anjo de formas aéreas,
Deu-me um
beijo, depois acordei!
Vi maldito
esse beijo mentido,
Esse beijo
do meu coração!
Ambições,
que eu já tive, que é delas?
Minhas
glórias, meu Deus, onde estão?
A cegueira
vendou-me estes olhos,
Atirei-me
num pego profundo;
Quis
coroas de glória... fugiram,
Um deserto
ficou-me este mundo!
As
grinaldas de louro murcharam,
Nem
grinaldas - somente a loucura!
Vi no
trono da glória um cipreste,
Junto dele
uma vil sepultura!
Negros
ódios, infames traições,
E mais
tarde... um sudário rasgado!
O
futuro?... Uma sombra que passa,
E
depois... e depois... o passado!
Ai!
maldito esse beijo sentido
Esse beijo
do meu coração!
A ventura
- onde vive na terra?
Minhas
rosas - que fazem no chão?
Por entre
o chorão das campas
Minhas
visões se ocultaram;
Meus
pobres versos perdidos
Todos,
todos acabaram;
De tantas
rosas brilhantes
Só folhas
secas ficaram....
CALABAR
Oh! não
vendeu-se, não! - Ele era escravo
Do jugo
português. - Quis a vingança;
Abriu sua
alma às ambições de um bravo
E em nova
escravidão bebeu a esperança!
Combateu...
pelejou... entre a batalha
Viu essas
vidas que no pó se somem;
Enrolou-se
da pátria na mortalha,
Ergueu-se
- inda era um homem!
Calabar!
Calabar! Foi a mentira
Que a
maldição cuspiu em tua memória!
Amaste a
liberdade; era uma lira
De loucos
sonhos, de elevada glória!
Alma
adejando neste Céu brilhante
- Sonhaste
escravo reviver liberto;
Subiste ao
largo espaço triunfante,
Voaste -
era um deserto!
A quem
traíste, herói? - Na vil poeira
Que
juramento te prendia à fé?!
Escravo
por escravo essa bandeira
Foi de um
soldado lá - ficou de pé!...
Viu o sol
entre as brumas do futuro
- Ele que
por si só nada podia;
Quis
vingar-se também - no sonho escuro
Quis ter
também seu dia!
O pulso
roxo da fatal cadeia
Brandiu
uma arma, pelejou também,
Viram-no
erguido na refrega feia,
- Sombrio
vulto que o valor sustém!
Respeitai-o
- que amou a heroicidade!
Quis
erguer-se também do raso chão!
Foi
delírio talvez - a eternidade
Teve no
coração!
Oh! que o
Céu era lindo e o sol se erguia,
Como um
incêndio nas brasílias terras;
Da cimeira
da selva a voz surgia,
E o som
dos ventos nas remotas serras!
Adormeceu...
à noite em funda calma
Ouviu ao
longe os ecos da floresta;
Bateu-lhe
o coração - triste sua alma
Sorriu-se
- era uma festa!
Homem -
sentiu na carne desnudada
O açoite
do algoz nodoar a honra,
E o sangue
sobre a face envergonhada
Mudo
escreveu o grito da desonra!
Era
escravo! Deixai-o que combata;
Livre
nunca ele foi - quer sê-lo agora,
Como o
peixe no mar, a ave na mata,
Como no
Céu a aurora!
Oh!
deixai-o morrer - deste martírio!
Não alceis
a calúnia ao grau da história!
Que fique
a lusa mão em seu delírio
- Já que o
corpo manchou, manchar a glória!
Respeitemos
as cinzas do guerreiro
Que no pó
sacudira a alteira fronte!
Quem sabe
esse mistério segredeiro
Do sol lá
no horizonte?!
Não se
vendeu! Infâmia... era um escravo!
Sentiu o
estigma vil, horrendo selo;
Pulsou-lhe
o coração, viu que era um bravo;
Quis
despertar do negro pesadelo!
Tronco sem
folhas, triste e solitário,
Debalde o
vento assoberbar tentou,
Das asas
do tufão ao sopro vário
Estremeceu,
tombou!
Paz ao
sepulcro! Calabar morreu!
Sobre o
topo da cruz fala a verdade!
Quis ser
livre também - ele escolheu,
Entre duas
prisões - quis ter vontade!
E a mão
heróica que susteve a Holanda
A covardia
entrega desarmada!
Vergonha
eterna a Providência manda
À
ingratidão manchada!
Morreu!
Mas lá no marco derradeiro
O coração
de amor bateu-lhe ainda!
Minha mãe!
murmurou... era agoureiro
Esse
queixume de uma dor infinda!
Morreu, o
escravo se desfaz em pó...
Ferros
lançai-lhe agora, se o podeis!
Vinde,
tiranos - ele está bem só,
Ditai-lhe
agora as leis!
ENLEVO
Se invejo
as coroas, os cantos perdidos
Dos bardos
sentidos, que altivos ouvi,
Bem sabes,
donzela, que os loucos desejos,
Que os
vagos almejos, são todos por ti.
Bem sabes
que, às vezes, teu pé sobre o chão,
No meu
coração faz eco, passando;
Que sinto
e respiro teu hálito amado;
E, mesmo
acordado, só vivo sonhando!
Bem sabes,
donzela, na dor ou na calma,
Que é tua
a minha alma, que é meu o teu ser,
Que vivo
em teus olhos; que sigo teus passos;
Que quero
em teus braços viver e morrer.
A luz do
teu rosto - meu sol de ventura,
Saudade,
amargura, não sei o que mais -
Traduz meu
destino, num simples sorriso,
Que é meu
paraíso, num gesto de paz.
Se triste
desmaias, se a cor te falece,
A mim me
parece que foges pro céu,
E eu louco
murmuro, nos amplos espaços,
Voando a
teus braços: - És minhas!... Sou teu!...
Da tarde
no sopro suspira baixinho,
No sopro
mansinho suspira... Quem és?
Suspira...
Hás de ver-me de fronte abatida,
Sem força,
sem vida, curvado a teus pés.
TEU NOME
Teu nome
foi um sonho do passado;
Por um
murmúrio eterno em meus ouvidos;
Foi som de
urna harpa que embalou-me a vida;
Foi um
sorriso d´alma entre gemidos!
Teu nome
foi um eco de soluços
Entre as
minhas canções, entre os meus prantos;
Foi tudo
que eu amei, que eu resumia:
Dores...
prazer... ventura... amor... encantos!
Escrevi-o
nos troncos do arvoredo,
Nas alvas
praias, onde bate o mar;
Das
estrelas fiz letras - soletrei-o,
Por noite
bela, ao mórbido luar!
Escrevi-o
nos prados verdejantes
Com as
folhas da rosa ou da açucena!
Oh!
quantas vezes na asa perfumada
Correu das
brisas em manhã serena!
Mas na
estrela morreu; caiu nos troncos;
Nas praias
se apagou; murchou nas flores;
Só
guardado ficou-me, aqui, no peito
— Saudade
ou maldição dos teus amores.
ÁRVORE
SEGA
Sim, os
tufões da noite te despiram;
O inverno
as folhas tuas requeimou;
Erguida e
só, no tope da montanha,
És a
imagem do tempo que passou.
Ontem,
altiva, os ramos ostentavas;
Hoje,
curvada estás, pobre infeliz!
Quem vê-te
assim, princesa destronada,
Alça uma
prece a Deus, e baixo a diz.
Cada galho
dos teus sabe uma história;
Também a
sabe o tronco escodeado,
Como os
ossos do morto, a cruz das campas,
E as
ruínas do templo derrocado.
Ao som da
tempestade, entre gemidos,
Os
furacões noturnos te adoraram.
És qual
mulher, que o gozo consumira,
Ou mágoas
para a terra debruçaram.
Do monte a
grimpa te serviu de sólio;
Rendeu-te
o sol um preito de homenagem;
Terás por
leito o vai; e o viajante
Há de
buscar em vão tua ramagem.
Quando te
vejo assim, penso que sonhas;
Penso que
tens um'alma, um coração;
Que sentes
como eu sinto; que estremecem
Tuas
raízes, neste fundo chão!
Eras
vistosa e de folhuda copa...
E hoje,
árvore seca e descarnada!
Quem sabe
si, amanhã, dobrando a fronte,
Tombarás
por um raio fulminada ?!...
Também da
vida as tolhas me caíram,
E já
talhei, tão moço, o meu sudário!
Eu
dormirei na vala dos cadáveres,
Tu, no
cimo do monte solitário!
---
Fonte
"Toda a Poesia: Antologia Poética". Poeteiro Editor Digital. São Paulo, 2015.
Nenhum comentário:
Postar um comentário