terça-feira, 17 de novembro de 2015

José da Silva Maia Ferreira: "5 Poemas"

A MINHA FLOR!

Trago no peito uma flor
Nesta amena soledade —
É a flor que nasce d’alma
É a cândida saudade.

Tirei-a de sobre um túmulo
Onde tão bela brilhava —
E de cor tão roxa — roxa
Que o meu peito roxeava.

Tinha o mago sentimento
Qu’em minha alma exp’rimentava —
Ao colhê-la a sós com ela
O meu fado consultava.

Era triste e merencória
Nestes desertos lugares —
Qual peito que geme aflito
Na soidão os seus pesares!

Chorou lagrimas comigo
Tão d’alma e tão pungentes
Que, qual Fada, me dizia
Minhas desgraças pendentes.

E era tão meigo esse som
Que no peito m’ecoava —
Que julgava anjo do céu
Quem nest’hora me falava:

Porque triste, triste sentes
Da existência o dissabor?
Porque choras gemebundo
Teus tormentos, tua dor?

Queres que eu Fada soletre
Tuas magoas — tua dor? —
São apanágios da terra —
É saudade — é desamor!

Descrido assim no mundo
Não sejas — crê e espera;
Pois que o tempo nas saudades
Muitas vezes as tempera!

Eu sou planta e também sinto
Da saudade o cru rigor —
Quanta vez de balde espero
P’ra regar-me o horticultor?

Quanta vez era dias turvos —
Anelo os raios do Sol —
E quais núncios desta vinda
Os cantos do rouxinol? —

Quanta vez d’alma suspiro
No inverno p’la primavera,
Que tanta vida me dá —
Nesse tempo em qu’ela impera?

Infeliz não és tu só
Neste mundo d’ilusão: —
Eu também sofro — e não tenho,
Como tu — um coração.

Cala pois os teus tormentos
Em teu peito amargurado —
Neste teu cruel penar —
Sê crente e resignado!»

E assim a florinha
Tão meiga falou —
Su’alma tão minha
Na minha roçou,
Que os prantos da terra
No peito calando —
Com ela cismando,
Meu pranto findou!

  

UM PEDIDO

Jônia tirana
Fere o meu peito
Que contrafeito
Vive a gemer,

Deixa que prestes
Teu trovador
D’insana dor
Vá a morrer!

Porém se queres
Que ele viva
Chama altiva
Vai-lhe acender

Dá-lhe o amor
Porque delira,
E só suspira
Até morrer! —



O SEU RETRATO!

Miserable destin — Quoi vivre sans son âme
Méconnaître l’amour et toujours le rêver;
Parler sans s’émouvoir un langage de flamme
Peindre un bonheur sans l’éprouver.
Ml.e Dephine Gay.

Ó imagem d’encanto e primor
Ó do mundo o meu único ideal, —
Ó das virgens a — virgem d’amor,
Ó Deidade p’ra mim sem igual,

Recebe o meu canto
Qu’encerra só pranto
Despido do encanto
Do meigo trovar; —
Mas d’alma sentido
Por ela tão qu’rido,
No acento pungido
Que sabe exalar!

És a imagem mais querida
Formada por Deus no mundo —
És o sorriso da vida
Mesmo em báratro profundo —
És a flor mais primorosa
Sempre, sempre tão viçosa
Nesse teu desabrochar; —
Que nunca terás na vida
O nome d’emurchecida
Porque nunca hás de murchar!

Teu rosto exprime a doçura
Do lírio no despontar,
Quando se ostenta vaidoso
Em seu ramo a balouçar: —
E teus olhos quais estrelas
Tem mais fulgor do que elas
No firmamento a brilhar —
Porqu’infiltram em minh’alma
Com transporte e doce calma —
—Quanto vale um casto olhar! —

Teus lábios de rubra cor
São do mais belo carmim
Quando discerram mimosos —
Murmurando um terno — sim! —
Tem a subida magia
Que transporta e m’extasia
Mesmo na vida a carpir —
Porque esmaga esses profanos
Que se tornarem tiranos
Descrendo do teu sorrir!

O teu níveo seio — é belo,
E da mais alta brancura,
Quando meigo arfa constante
A mais cismada ventura: —
Teus cabelos da cor do oiro
São do mundo o meu tesoiro —
Quando soltas a brilhar; —
Pois será sempre o teu rosto
O mais divino composto
Que na terra hei de adorar!


  
TENHO FÉ!

Tenho fé na meiga aurora
No horizonte a despontar —
Quando junto a altivas rochas
Eu contemplo o argênteo mar.

Tenho fé n’uma estrelinha
Lá nos céus só a brilhar —
Quando em noite escura e feia
Vem-me a mente acalentar.

Tenho fé também na lua
Mesmo a pino a fulgurar —
Quando a sós e merencório
Vou na lira a descantar.

Mas quando diviso uns olhos
Negros — negros a mirar
Minha fé inda é mais pura
Porque nunca ha de acabar.

Porque uns olhos negros — negros
De tão doce e mago olhar
Tem mais brilho do que os astros
No firmamento a brilhar!



A UMA JOVEM! 

És perla doirada,
Por Anjo engastada,
De brilho famada
No mundo a luzir;
És alva pombinha,
És meiga estrelinha
Que o céu acarinha,
No céu a fulgir!

És flor primorosa,
No viço radiosa,
No cheiro mimosa
Na terra a florir:
És trova singela,
Tão pura e tão bela
De meiga donzela
De casto sorrir!

És eco sentido
Por Anjos sabido
Por mim tão querido,
No peito a vibrar:
És doce harmonia,
Qu’enleva, extasia
Com forte magia
No teu decantar!

Gemido de serra,
Suspiro da terra,
És tudo qu’encerra
A terra, céu, mar!
És sopro divino
Tão puro e tão dino,
Que sabes n’um hino
O mundo extasiar!


Fonte
"Toda a Poesia: Antologia Poética". Poeteiro Editor Digital. São Paulo, 2015.

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