quarta-feira, 18 de novembro de 2015

Adélia Fonseca: "5 Poemas"

O DELÍRIO

Já o sol esconde a fronte
Por detrás de altivo monte,
Deixando lá no horizonte
Vestígios do seu fulgor;
Já nessas nuvens douradas,
N essas fitas abrasadas,
Deixa as ardentes pegadas
Do seu ardente esplendor.

A noite já se avizinha,
E vem achar-me sozinha
Entregue á saudade minha,
Que me fadou sorte ingrata!
Saudade que, mais se aumenta
Logo que o dia se ausenta,
E mais profunda e violenta
Me desespera, me mata!

Porque dizes, Luso Vate,
Que da tarde no remate,
O nosso coração bate
Com doce melancolia?
Porque ousaste afirmar,
Qu'era belo então cismar
Essa ventura sem par,
Cheia de terna poesia?!

Tu não disseste a verdade;
Não luz a felicidade
A quem profunda saudade
Negreja no coração!
Não! não desfruta tal dita,
Quem da ventura é proscrita;
Quem sofre a dor infinita
De desgraçada paixão!

Feliz no termo do dia,
É quem um'alma tem morna;
Onde essa melancolia
Doce, o crepúsculo entorna;
Mas quem no peito veemente
Palpitar contínuo sente
Abrasado o coração,
Quem toca, amando, á loucura,
No que tu achas ventura,
Não pode achar-te razão!!

Quando o sol no firmamento
Mais brilhante resplandece,
Diminuir o tormento
Em nosso peito, parece;
Esse tumulto do dia,
Tão despido de poesia,
Como qu'impede o pensar;
Do negro fel da desgraça
Não esgotamos a taça,
Que o seu calor faz secar.

Como, pois, grande Poeta,
Pode fruir doce calma,
Quem, co'a noite ervada seta
Penetrar sente em sua alma?
Sim, como cismar venturas
Pode, quem mais amarguras
Sorve no cálix de amor,
Nessas horas de ansiedade,
Em que mais punge a saudade,
Em que mais recresce a dor?!

Não creias, Vate, contudo
Que me apraz a luz do dia
Porque serve-me d'escudo
Aos assaltos da agonia;
Não! eu só desejo e adoro
Estas horas em que choro
Com tão intenso penar;
Porque amo com delírio
O incessante martírio
Desta loucura de amar!!



A AURORA BRASILEIRA

Quando tu, luso cantor,
Na tua lira dourada
Modulaste com primor
Uma linda — madrugada,
Porque dizer não quiseste,
Que a aurora que descreveste
No teu hino tão gentil,
E esse mar de lisa prata,
Que os arvoredos retrata,
Eram só do meu Brasil?

Porque dizer não havias,
Que esse nascer prazenteiro
De puros, formosos dias,
Era do céu brasileiro?
Deste céu abençoado,
De belo anil esmaltado
Pela mão do Criador;
Que ledo nos apresenta
Na formosura que ostenta,
Um milagre do Senhor?!

Que tem noites tão formosas
De prateado luar?!
Que possui manhãs de rosas,
E tardes.... de arrebatar?!
Tu, por acaso, ignoravas
Que a madrugada pintavas
Da minha terra natal?
Ou, — cego do pátrio amor, —
Julgaste que esse primor
Era do teu Portugal?

Vem, no céu do meu país,
Ver bela aurora de estio
Como se mostra feliz,
Como se mira no rio!
Vem vê-la, mimosa abrindo
O transparente véu lindo,
Viçosas flores soltar,
E dos olhos lacrimantes
Mil per'las, mil diamantes
Sobre todas derramar!

Vem ver das tranças formosas,
Por leve brisa onduladas,
Descerem cândidas rosas,
Violetas delicadas!
Jamais nesse Portugal
O teu sonho divinal
Realizado gozaste...
Vem; porque só minha terra
As maravilhas encerra
Do quadro, que debuxaste.

Vem ouvir o harmonioso,
O doce canto aflautado
Do sabiá mavioso,
Sobre o raminho pousado.
Vem ver os voláteis todos
Festejarem de mil modos,
Com folguedos e cantares,
A fagueira madrugada,
Que, de flores adornada,
Perfuma os límpidos ares.

Vem contemplar a lindeza
Deste Brasil tão jucundo;
Vem ver sua natureza,
Que é a mais bela do mundo;
Vem ver seu sol descoberto,
Num céu de nuvens deserto,
Deslumbrante de fulgores;
Vem aqui ver como o Eterno,
Até nos dias de inverno,
Veste o campo de verdores!

Diz-me, vate lusitano,
O céu do Portugal teu
E como o americano
Anilado, puro céu?
Diz-me, si na plaga tua
É tão diáfana a lua,
Si é tão meiga, tão gentil?
Si brilha em noites tão belas,
Tão opulentas de estrelas,
Como as do rico Brasil?

Si o seu raio iluminado,
Por sobre um mar transparente,
Pelas águas embalado
Se estende tão docemente?
Si doura o cume dos montes;
Si beija o cristal das fontes
Com tanto enlevo e doçura;
Si do templo na vidraça
Reflete com tanta graça
A face de luz tão pura?

Tens nos prados tanto viço?
Nos frutos tanto sabor?
Na vida tanto feitiço?...
No coração tanto amor?...
Vem, ó Bardo, vem asinha
Na mimosa pátria minha
A tu'alma extasiar;
Neste clima brasileiro,
Vem sob um céu prazenteiro
Nova existência gozar.

Oh! vem, sublime Poeta,
Ver o meu solo natal;
Que de Deus a mais dileta
É a terra de Cabral!
Vem da minha terra amada
Ver a linda madrugada,
Ver do céu a perfeição!
Vem contemplar uma lua,
Que sabe, mais do que a tua,
Responder ao coração!



A DESPEDIDA
À Elisa

Tu, Elisa, te vais e me deixas,
E me deixas profunda saudade;
Sem querer, despedaças o peito,
Que te vota a mais santa amizade.

Quando penso que vais, minha Elisa,
Habitar tão distante de mim,
Eu pergunto ao meu Deus: Que te hei feito
Para iroso punires-me assim?

Tu, Senhor, qu’és tão bom, porque roubas
O consolo de minha existência?
Porque fazes que misera eu sofra
O terrível martírio da ausência?

Não me leves a amiga sincera,
Que me tem extremosa afeição;
Esta amiga, que irmã considero,
Bem querida, do meu coração.

Ah! consente, Senhor, que ela fique,
E que viva p’ra sempre a meu lado;
Que de perto eu adore as virtudes
De que tens a su’alma adornado.

Eis, Elisa adorada, as palavras,
Que dirijo incessante ao Senhor,
Tendo o rosto de pranto inundado,
Tendo o peito partido de dor.

Mas ainda me anima a esperança
De que Deus minha prece ouvirá,
E das lagrimas tristes que verte
Meu amor, piedade terá.

E si a minha oração fervorosa
Pelo Eterno não fôr atendida;
Si, apesar d'implorá-lo, chorando,
Ordenar tua dura partida;

Eu te juro que sempre hei de amar-te
Co'a mais terna e profunda afeição;
Eu te juro, fiel, tua imagem
Guardar sempre no meu coração.

  

UMA QUEIXA

É um dos milagres de amor o fazer que
achemos prazer no sofrimento, e olharíamos
como a maior desgraça, um estado de indiferença
e de esquecimento, que nos tirasse
todo o sentimento de nossas penas.
J. J. Rosseau.

Meu Deus! porque derramaste
Dor tamanha em minha vida?
Porque afagar me deixaste
Uma esperança querida,
Que havia ser-me arrancada,
Que tinha de ver perdida?

O porvir, que, lisonjeira,
Me prometia risonho,
Porque tu me não consentes
Gozar ao menos n um sonho?
Porque o envolves em trevas,
Porque o fazes tão medonho?!

Ah! Senhor! dá-me de novo
Esses anos tão gentis,
Esses dias tão viçosos
De meus brincos infantis,
Em que eu tinha uma esperança,
Que me tornava feliz;

Que, de flores esmaltado,
Um caminho me apontava,
O qual percorrer comigo
Fagueira me assegurava,
E conduzir-me á ventura,
Que dele no fim raiava!

Então eu supunha lenta
Do tempo a fugaz carreira,
Que eu bem quisera tão rápida
Qual fantasia ligeira,
Más que tanto me afastava
Dessa ventura fagueira.

Como anelante aguardava
O termo dessa tardança,
Animada de continuo
Por enganosa esperança,
Em que minh’alma depunha,
Cega, inteira confiança!

E que, então, mal suspeitava
Que saudades sentiria
Desse tempo de folguedos,
Que tão lento parecia;
Tempo que a meiga inocência
De prazeres me tecia.

Hoje recordo saudosa
Esses anos tão gentis,
Esses dias tão viçosos
De meus brincos infantis,
Em qu’eu tinha uma esperança,
Que me tornava feliz.

Ai! da ventura o caminho,
Que me sorria tão perto,
Vi sem flores, sem aromas,
E só d’espinhos coberto!...
Abandonou-me a esperança,
Que p’ra mim o tinha aberto!

Esta ideia do passado
A dor me torna mais forte;
Angustiada pranteio
Os tratos da dura sorte;
Mas, para findar meus males,
Ao Senhor não peço a morte.

Não peço; que não na quero;
A morte é — tudo olvidar; —
Gelo, que o peito entorpece,
Que o priva de palpitar;
É — termo de sofrimentos; —
Mas também é — não amar. —

Não, não peço; que prefiro
Tudo no mundo sofrer—
A origem de meus males
No peito apagada ter;
Quero, embora me atormente,
Este penado viver.

Sorte! sorte! si desejas
Ferir-me com mais rigor,
Contra mim teus golpes vibra,
Multiplica a minha dor;
Priva-me embora de tudo,
Deixa-me só meu amor!



AO AMOR

Amor! teu nome querido
Quanto é doce proferir!
Mas quanto não é mais doce
No coração te sentir!

Nume, que as almas abrasas
Co'a chama dos fogos teus
Imensa como o oceano,
Infinita como Deus!

Não seres ilimitado,
Fora loucura pensar;
Ao teu despótico império
Quem pode um termo assinar?

Nos corações onde reinas,
Tens poder misterioso;
Ao bom, as vezes, mau tornas ;
Tornas ao mau, virtuoso!

Ou feliz, ou desgraçado
Possuir-te é bem superno,
Quer ao céu nos arrebates,
Quer nos despenhes no inferno!!

Inferno?!... ao seio onde existas
Pode tal nome caber?
Pode sofrer dele as penas
Quem n'alma altares te erguer?!

De tuas magas virtudes
A mais celeste, a mais pura,
É permitires que achemos
No sofrimento a doçura!

É fazeres que teus golpes
Queiramos antes sofrer,
Que sentir no peito um vácuo
Que mais nada pode encher!

Do mundo as realidades,
Que mais cobiçadas são,
Amor! amor! eu não troco
Por uma tua ilusão!

Amor! qual eu te imagino
Nos dourados sonhos meus,
És um resumo das glorias,
Das harmonias de Deus!

Fonte
"Toda a Poesia: Antologia Poética". Poeteiro Editor Digital. São Paulo, 2015.

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