O DELÍRIO
Já o sol esconde a
fronte
Por detrás de
altivo monte,
Deixando lá no
horizonte
Vestígios do seu
fulgor;
Já nessas nuvens
douradas,
N essas fitas
abrasadas,
Deixa as ardentes pegadas
Do seu ardente
esplendor.
A noite já se avizinha,
E vem achar-me sozinha
Entregue á saudade
minha,
Que me fadou sorte
ingrata!
Saudade que, mais
se aumenta
Logo que o dia se
ausenta,
E mais profunda e
violenta
Me desespera, me
mata!
Porque dizes, Luso
Vate,
Que da tarde no
remate,
O nosso coração bate
Com doce
melancolia?
Porque ousaste afirmar,
Qu'era belo então cismar
Essa ventura sem
par,
Cheia de terna
poesia?!
Tu não disseste a
verdade;
Não luz a
felicidade
A quem profunda
saudade
Negreja no
coração!
Não! não desfruta
tal dita,
Quem da ventura é
proscrita;
Quem sofre a dor
infinita
De desgraçada
paixão!
Feliz no termo do
dia,
É quem um'alma tem
morna;
Onde essa
melancolia
Doce, o crepúsculo
entorna;
Mas quem no peito
veemente
Palpitar contínuo
sente
Abrasado o
coração,
Quem toca, amando,
á loucura,
No que tu achas
ventura,
Não pode achar-te
razão!!
Quando o sol no
firmamento
Mais brilhante
resplandece,
Diminuir o
tormento
Em nosso peito,
parece;
Esse tumulto do
dia,
Tão despido de
poesia,
Como qu'impede o
pensar;
Do negro fel da
desgraça
Não esgotamos a
taça,
Que o seu calor
faz secar.
Como, pois, grande
Poeta,
Pode fruir doce
calma,
Quem, co'a noite
ervada seta
Penetrar sente em
sua alma?
Sim, como cismar
venturas
Pode, quem mais
amarguras
Sorve no cálix de
amor,
Nessas horas de
ansiedade,
Em que mais punge
a saudade,
Em que mais
recresce a dor?!
Não creias, Vate,
contudo
Que me apraz a luz
do dia
Porque serve-me
d'escudo
Aos assaltos da
agonia;
Não! eu só desejo
e adoro
Estas horas em que
choro
Com tão intenso penar;
Porque amo com delírio
O incessante martírio
Desta loucura de
amar!!
A AURORA BRASILEIRA
Quando tu, luso
cantor,
Na tua lira
dourada
Modulaste com
primor
Uma linda —
madrugada,
Porque dizer não
quiseste,
Que a aurora que
descreveste
No teu hino tão
gentil,
E esse mar de lisa
prata,
Que os arvoredos
retrata,
Eram só do meu
Brasil?
Porque dizer não
havias,
Que esse nascer
prazenteiro
De puros, formosos
dias,
Era do céu
brasileiro?
Deste céu
abençoado,
De belo anil
esmaltado
Pela mão do Criador;
Que ledo nos
apresenta
Na formosura que
ostenta,
Um milagre do
Senhor?!
Que tem noites tão
formosas
De prateado luar?!
Que possui manhãs
de rosas,
E tardes.... de
arrebatar?!
Tu, por acaso,
ignoravas
Que a madrugada
pintavas
Da minha terra natal?
Ou, — cego do pátrio
amor, —
Julgaste que esse
primor
Era do teu
Portugal?
Vem, no céu do meu
país,
Ver bela aurora de
estio
Como se mostra
feliz,
Como se mira no
rio!
Vem vê-la, mimosa
abrindo
O transparente véu
lindo,
Viçosas flores
soltar,
E dos olhos
lacrimantes
Mil per'las, mil
diamantes
Sobre todas
derramar!
Vem ver das
tranças formosas,
Por leve brisa
onduladas,
Descerem cândidas
rosas,
Violetas
delicadas!
Jamais nesse
Portugal
O teu sonho
divinal
Realizado
gozaste...
Vem; porque só minha
terra
As maravilhas
encerra
Do quadro, que
debuxaste.
Vem ouvir o
harmonioso,
O doce canto
aflautado
Do sabiá mavioso,
Sobre o raminho
pousado.
Vem ver os voláteis
todos
Festejarem de mil
modos,
Com folguedos e
cantares,
A fagueira
madrugada,
Que, de flores
adornada,
Perfuma os límpidos
ares.
Vem contemplar a
lindeza
Deste Brasil tão
jucundo;
Vem ver sua
natureza,
Que é a mais bela
do mundo;
Vem ver seu sol
descoberto,
Num céu de nuvens
deserto,
Deslumbrante de
fulgores;
Vem aqui ver como
o Eterno,
Até nos dias de
inverno,
Veste o campo de
verdores!
Diz-me, vate
lusitano,
O céu do Portugal
teu
E como o americano
Anilado, puro céu?
Diz-me, si na
plaga tua
É tão diáfana a
lua,
Si é tão meiga,
tão gentil?
Si brilha em
noites tão belas,
Tão opulentas de
estrelas,
Como as do rico
Brasil?
Si o seu raio iluminado,
Por sobre um mar
transparente,
Pelas águas
embalado
Se estende tão
docemente?
Si doura o cume
dos montes;
Si beija o cristal
das fontes
Com tanto enlevo e
doçura;
Si do templo na
vidraça
Reflete com tanta
graça
A face de luz tão
pura?
Tens nos prados
tanto viço?
Nos frutos tanto
sabor?
Na vida tanto
feitiço?...
No coração tanto
amor?...
Vem, ó Bardo, vem
asinha
Na mimosa pátria
minha
A tu'alma
extasiar;
Neste clima
brasileiro,
Vem sob um céu
prazenteiro
Nova existência
gozar.
Oh! vem, sublime
Poeta,
Ver o meu solo
natal;
Que de Deus a mais
dileta
É a terra de
Cabral!
Vem da minha terra
amada
Ver a linda
madrugada,
Ver do céu a
perfeição!
Vem contemplar uma
lua,
Que sabe, mais do
que a tua,
Responder ao
coração!
A DESPEDIDA
À Elisa
Tu, Elisa, te vais
e me deixas,
E me deixas
profunda saudade;
Sem querer,
despedaças o peito,
Que te vota a mais
santa amizade.
Quando penso que
vais, minha Elisa,
Habitar tão
distante de mim,
Eu pergunto ao meu
Deus: Que te hei feito
Para iroso
punires-me assim?
Tu, Senhor, qu’és
tão bom, porque roubas
O consolo de minha
existência?
Porque fazes que
misera eu sofra
O terrível martírio
da ausência?
Não me leves a
amiga sincera,
Que me tem
extremosa afeição;
Esta amiga, que
irmã considero,
Bem querida, do
meu coração.
Ah! consente,
Senhor, que ela fique,
E que viva p’ra
sempre a meu lado;
Que de perto eu
adore as virtudes
De que tens a
su’alma adornado.
Eis, Elisa
adorada, as palavras,
Que dirijo
incessante ao Senhor,
Tendo o rosto de
pranto inundado,
Tendo o peito
partido de dor.
Mas ainda me anima
a esperança
De que Deus minha
prece ouvirá,
E das lagrimas
tristes que verte
Meu amor, piedade
terá.
E si a minha
oração fervorosa
Pelo Eterno não
fôr atendida;
Si, apesar
d'implorá-lo, chorando,
Ordenar tua dura
partida;
Eu te juro que
sempre hei de amar-te
Co'a mais terna e
profunda afeição;
Eu te juro, fiel,
tua imagem
Guardar sempre no
meu coração.
UMA QUEIXA
É um dos milagres de amor o fazer que
achemos prazer no sofrimento, e olharíamos
como a maior desgraça, um estado de indiferença
e de esquecimento, que nos tirasse
todo o sentimento de nossas penas.
J. J. Rosseau.
Meu Deus! porque
derramaste
Dor tamanha em
minha vida?
Porque afagar me
deixaste
Uma esperança
querida,
Que havia ser-me
arrancada,
Que tinha de ver
perdida?
O porvir, que, lisonjeira,
Me prometia
risonho,
Porque tu me não
consentes
Gozar ao menos n
um sonho?
Porque o envolves
em trevas,
Porque o fazes tão
medonho?!
Ah! Senhor! dá-me
de novo
Esses anos tão
gentis,
Esses dias tão
viçosos
De meus brincos
infantis,
Em que eu tinha
uma esperança,
Que me tornava
feliz;
Que, de flores
esmaltado,
Um caminho me
apontava,
O qual percorrer
comigo
Fagueira me
assegurava,
E conduzir-me á
ventura,
Que dele no fim
raiava!
Então eu supunha
lenta
Do tempo a fugaz
carreira,
Que eu bem quisera
tão rápida
Qual fantasia
ligeira,
Más que tanto me
afastava
Dessa ventura
fagueira.
Como anelante
aguardava
O termo dessa
tardança,
Animada de
continuo
Por enganosa
esperança,
Em que minh’alma
depunha,
Cega, inteira
confiança!
E que, então, mal
suspeitava
Que saudades
sentiria
Desse tempo de folguedos,
Que tão lento
parecia;
Tempo que a meiga inocência
De prazeres me
tecia.
Hoje recordo
saudosa
Esses anos tão
gentis,
Esses dias tão
viçosos
De meus brincos
infantis,
Em qu’eu tinha uma
esperança,
Que me tornava
feliz.
Ai! da ventura o
caminho,
Que me sorria tão
perto,
Vi sem flores, sem
aromas,
E só d’espinhos
coberto!...
Abandonou-me a
esperança,
Que p’ra mim o
tinha aberto!
Esta ideia do
passado
A dor me torna
mais forte;
Angustiada pranteio
Os tratos da dura
sorte;
Mas, para findar
meus males,
Ao Senhor não peço
a morte.
Não peço; que não
na quero;
A morte é — tudo
olvidar; —
Gelo, que o peito
entorpece,
Que o priva de
palpitar;
É — termo de sofrimentos;
—
Mas também é — não
amar. —
Não, não peço; que
prefiro
Tudo no mundo sofrer—
A origem de meus
males
No peito apagada
ter;
Quero, embora me
atormente,
Este penado viver.
Sorte! sorte! si
desejas
Ferir-me com mais
rigor,
Contra mim teus
golpes vibra,
Multiplica a minha
dor;
Priva-me embora de
tudo,
Deixa-me só meu
amor!
AO AMOR
Amor! teu nome
querido
Quanto é doce
proferir!
Mas quanto não é
mais doce
No coração te
sentir!
Nume, que as almas
abrasas
Co'a chama dos
fogos teus
Imensa como o
oceano,
Infinita como
Deus!
Não seres ilimitado,
Fora loucura
pensar;
Ao teu despótico
império
Quem pode um termo
assinar?
Nos corações onde
reinas,
Tens poder misterioso;
Ao bom, as vezes, mau
tornas ;
Tornas ao mau,
virtuoso!
Ou feliz, ou
desgraçado
Possuir-te é bem
superno,
Quer ao céu nos
arrebates,
Quer nos despenhes
no inferno!!
Inferno?!... ao
seio onde existas
Pode tal nome
caber?
Pode sofrer dele
as penas
Quem n'alma
altares te erguer?!
De tuas magas
virtudes
A mais celeste, a
mais pura,
É permitires que
achemos
No sofrimento a
doçura!
É fazeres que teus
golpes
Queiramos antes sofrer,
Que sentir no
peito um vácuo
Que mais nada pode
encher!
Do mundo as
realidades,
Que mais cobiçadas
são,
Amor! amor! eu não
troco
Por uma tua ilusão!
Amor! qual eu te
imagino
Nos dourados
sonhos meus,
És um resumo das
glorias,
Das harmonias de
Deus!
Fonte
"Toda a Poesia: Antologia Poética". Poeteiro Editor Digital. São Paulo, 2015.
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