sexta-feira, 13 de novembro de 2015

João Xavier de Matos: "5 Poemas"

PÔS-SE O SOL

Pôs-se o sol... Como já, na sombra feia
Do dia, pouco a pouco, a luz desmaia!
E a parda mão da Noite, antes que caia,
De grossas nuvens todo o ar semeia!

Apenas já diviso a minha Aldeia;
Já do cipreste não distingo a faia:
Tudo em silêncio está. Só, lá na praia,
Se ouvem quebrar as ondas pela areia.

Com a mão na face, a vista ao Céu levanto,
E cheio de mortal melancolia,
Nos tristes olhos mal sustenho o pranto;

E se inda algum alívio ter podia
Era ver esta Noite durar tanto,
Que nunca mais amanhecesse o dia!



EU VI UMA PASTORA

Eu vi uma Pastora em certo dia
Pelas praias do Tejo andar brincando,
Os redondos seixinhos apanhando,
Que no puro regaço recolhia.

Eu vi nela tal graça, que faria
Inveja a quantas há; e o gesto brando,
Com o sereno rosto levantado,
Parece namorava quanto via.

Eu vi o passo airoso, a compostura,
Com que depois me pareceu mais bela,
Guiando os cordeirinhos na espessura.

Eu o digo de todo; vi a Estélia:
De graça, de candor, de formosura
Só poderei ver mais, tornando a vê-la.

  

SONETO

Nesta Aldeia, onde estou meu bom Fileno,
Graças Deus, alegremente passo;
Pesco umas vezes, outras vezes caço:
ar é são, é fértil terreno.

Não bebo aqui de amor cruel veneno,
Nem ouço as vis escusas de hum escasso;
Não ando as cortesias; se as faço,
É aquém me não tem por mais pequeno.

Os homens são fieis; há temperança
No vestir, comer; paz, alegria
Viverão sempre nesta vizinhança,

idade de ouro pouco mais seria;
Só me falta uma bem-aventurança,
Que era ter-vos na minha companhia.



SONETO

Depois que linda Altéia destes prados
Ditosa foi fazer outra espessura,
Já não vemos correr fonte pura
Só se for dos olhos magoados.

Tudo nestes contornos são cuidados
Nascidos de tamanha desventura,
Pisa sem dono gado semeadura,
Já se não ver na Aldeia entrar cajados,

As pastoras deixarão de irão rio,
As abelhas fugirão da colmeia
rebanho se fez magro bravio

Andam todos dizendo: Altéia, Altéia,
Onde estás? Torna vir, que teu desvio
Tem-nos feito mais perda que uma cheia.



SONETO

Passa o frio Janeiro, o ardente Agosto,
Torna Janeiro vir, e Agosto passa,
Lança-se, cresce arranca-se a linhaça,
E tu maltratar-me por teu gosto.

Se te falo em amor voltas-me o rosto,
Fazes-me quando muito uma negaça
Sem ser possível que te caia em graça,
Por mais forças que nisto tenha posto.

Até os mais pastores, que vem isto,
Dizem fazendo mofa do meu trato:
Bem tem zombado Brazia de Calisto,

E se ateima teu gênio ser-me ingrato,
Olha Brazia, eu então deixo-me disto,
Que não quero passar por insensato.


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Fonte
"Toda a Poesia: Antologia Poética". Poeteiro Editor Digital. São Paulo, 2015.

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