A MISSA DO GALO
Repica o
sino da aldeia,
Troa o
foguete no ar!
O rio geme
na areia,
Na areia
brilha o luar.
Quantas
vozes, que alegria!
O povo da
freguesia
Corre em
chusma, folgazão.
No caminho
arcos de flores,
Por toda
parte cantores,
Folguedos
e agitação!
Ali no
largo da ermida
O tambor
toca festeiro,
Se apinha
o povo em redor;
E a
igrejinha garrida,
Tendo
defronte um cruzeiro,
É toda luz
e fulgor!
Vêm do
monte umas devotas,
Trazem o
rosário na mão;
Uns
camponeses janotas,
Calças por
dentro das botas,
Seguindo o
grupo lá vão!
Que
raparigas formosas,
Cheias de
rendas e rosas
A ladeira
vão subir!
Falam
cousas tão suaves,
Parece
gorjeio de aves
O que elas
dizem a sorrir!
A brisa
sopra fagueira,
Brincando
na juçareira
E vai o
rio enrugar;
Chegam de
longe canoas,
Os
barqueiros cessam as loas,
Que
modulavam a remar!
O sino da
freguesia,
Da branca
igreja da aldeia,
Cada vez
repica mais;
O povo
corre à porfia,
A capela
já está cheia,
Soam
trenos festivais!
Porque
produz tanto abalo
Esta festa
sem rival?
É hoje a
missa do galo,
Santa
missa do Natal!
.....................................................
Este
festejo tão lindo
Que grande
mistério encerra!
Poema de
amor infindo
Que o céu
ensinou à terra!
Faz-se
humano o ente divino,
O Eterno
se faz menino,
Vem viver
entre os mortais!
Lei
cristã, santa e formosa,
Salve
crença majestosa,
Que eu recebi
de meus pais!
A MINHA MADONA
Alva, mais
alva do que o branco cisne,
Que além
mergulha e a penugem lava;
Alva como
um vestido de noivado,
Mais alva,
inda mais alva!
Loira,
mais loira do que a nuvem linda
Que o sol
à tarde no poente doira;
Loira como
uma virgem ossianesca,
Mais
loira, inda mais loira!
Bela, mais
bela que o raiar da aurora
Após noite
hibernal, negra procela;
Bela como
a açucena rociada
Mais bela,
inda mais bela!
Doce, mais
doce que o gemer da brisa;
Como se
deste mundo ela não fosse...
Doce como
os cantares dos arcanjos,
Mais doce,
inda mais doce!
Casta,
mais casta que a mimosa folha
Que se
constringe, que da mão se afasta,
Assim como
a Madona imaculada
Ela era
assim tão casta!...
O PRESÉPIO
Na palhoça
iluminada,
Que fica junto da
ermida,
Des'que a missa
foi cantada
Se congrega a
multidão;
Toldo de mirta
florida,
Flores de mágico
aroma
Ornam o presépio,
que toma
Na sala grande
extensão.
Quão lindo
está! Não lhe falta
Nem o astro
milagroso
Que de repente
brilhou;
Nem o galo, que o
repouso
Deixara por noite
alta
E que inspirado
cantou!
Tudo o que a lenda
memora
E consagra a
tradição,
Vê-se ali,
grosseiro embora,
Despido de
perfeição.
Céu de estrelinhas
douradas,
Estrelas de
papelão;
Brancas nuvens
fabricadas
Da plumagem do
algodão!
Anjos soltos pelos
ares,
Peixes saindo dos
mares,
Feras chegando do
além.
Marcha tudo, e vêm
na frente
Os Reis Magos do
Oriente
Em demanda de
Belém.
É esta a lapa; o
Menino
Nas palhas está
deitado,
Com um sorriso de
alegria
Todo doçura e
amor!
Contempla o quadro
divino
São José
ajoelhado,
E a Santíssima
Maria
De Jericó meiga
flor!
Trajando risonhas
cores
Com muitos laços
de fitas,
Rapazes, moças
bonitas
Formam grupos de
pastores.
Que curiosos
bailados,
Com maracás e
pandeiros!
E o ruído dos
cajados
Desses risonhos
romeiros!
Essa quadrilha dançante,
Cantando versos
festivos,
Aos pés do celeste
infante
Vai depor seus
donativos:
Frutas, doces,
sazonadas,
Ramilhetes de
açucenas,
Cera, peles
delicadas,
Pombinhos de
brancas penas.
São as joias que
os pastores
Dão ao Deus
onipotente!
E o povo aplaude
os cantores
E o espetáculo
inocente.
Eis o presepe
singelo
Da devoção
popular;
Oratório alegre e
belo
Sagrado risonho
altar!
DESAFIO A VIOLA
Que festa
estrondosa, na rude cabana
Do pai de Rosinha,
o velho vaqueiro!
Lá geme a viola e
a roda-tirana
Ha muito que
dançam no vasto terreiro!
Faz anos a linda,
gentil rapariga,
Orgulho do pai, a
rosa da aldeia!
Estrondam
roqueiras, não cessa a cantiga,
A casa festiva de
gente está cheia!
Provocam-se
alegres os moços cantores,
As moças aplaudem
os motes e loas.
As trovas mais
ternas, os versos de amores
Promovem sorrisos
e palmas e coroas!...
Lá entra na roda a
flor da ribeira,
Retinem os
pandeiros, o canto enlanguesce...
E a bela Rosinha,
puxaudo a fieira,
Na dança campestre
mais linda parece!
Tira a cantiga,
Cazuza,
Qu'eu nunca estive
na escola...
Anda, puxa pela
musa,
Qu'está gemendo a
viola!
Canta os olhos da
Rosinha,
Esses diamantes
azuis!
Nunca vi, por vida
minha,
Olhos que vibrem
mais luz!
Respondam, qu'eu
já não posso
Com os baques do
coração!...
Ai, Chico, esse
anjinho vosso,
É anjo de
tentação!
Calou-se o poeta,
o vate selvagem;
Aceita risonho um
outro o duelo...
Qual canta melhor?
qual leva vantagem?
É o rude bailado
prossegue mais belo!
Menina, que me
prendeste,
Eu quero seguir
viagem...
Que feitiço será
este
Que me atem nesta
paragem?
Esse teu rosto
divino
Dos olhos tirou-me
a luz...
Co’o caminho não
atino,
Se p'ra longe me
conduz!
Dizem que teme a
esmeralda
A cobra lá no
Oriente,
Pois se a fita
demorada
Fica cega de
repente!
Deus fundiu o
Armamento
Numa noite de
luar,
E sem mais outro
elemento
Ele fez o teu
olhar!
Lá vem a cruel
dançando...
Parece, meu Deus,
que voa!
Que talhe
flexível, brando,
Como a junça da
lagoa!
Nunca vi tanta
lindeza
Entre as moças da
cidade!
A mais formosa
princesa
Não tem esta
majestade!
Na cidade o que me
resta,
Uma vez qu'eu te
não veja?
Quero viver na
floresta,
Onde vive a
sertaneja!
As palmas soaram,
o jovem estudante
Recebe ovações,
sorrisos e flores!
Porem lá no fundo
do grupo, distante,
Uns olhos o fitam
ardendo em furores!
Que dizem esses
olhos de tétrico lume,
E os lábios
crispados do moço que fita
O jovem poeta?
Acaso o ciúme
Referve-lhe o
sangue, o peito lhe agita?
Quem sabe? No
entanto começa de novo
Ao som da viola
canto e a dança;
Um velho patusco,
querido do povo,
Vem pela beleza
romper uma lança:
Aonde escondeu-se
o Chico,
O noivo de
rapariga?
Ardor de zelos,
meu rico,
É pior do que de
urtiga!
Salte o noivo para
frente,
Venha dançar a
tirana!...
Não 'steja
assustando a gente
Com olhos de
suçuarana!
Haja verso ou haja
prosa,
Ninguém furta o
teu tesouro!
Libe a abelha a
fresca rosa,
Deixe zumbir o
besouro!
Ó Chico, deixa-te
disso,
Qu’o ciúme é cousa
feia...
Olha a Rosa, o teu
feitiço
Como dança e
sapateia!
As vozes amigas do
velho Narciso
Um pouco acalmaram
do noivo os furores!
Se achega do
grupo, ensaia um sorriso,
E finge cantar
co’os outros cantores.
Rosinha abeirou-se
do amante arrufado
E trouxe-o faceira
p'ra o meio do bando.
Adeus nuvens
negras! É tudo acabado,
Os noivos se
enlaçam e fogem bailando!
E o sol
escondeu-se por traz da cabana,
Lançou sobre a
várzea fulgor derradeiro;
Não cessa no
entanto a roda-tirana
Que dançam os
convivas no vasto terreno!
ALMAS PENADAS
Já todos dormem na
aldeia,
Somente o velho
vigário,
Sentado junto á
candeia,
Inda lê o
breviário.
A noite corre
silente,
As aves estão
caladas,
Mas na janela da
frente
Bateram leves
pancadas...
O velho sem mais
demora
Abre a porta
caridoso,
Porém recua... lá
fora
Viu um quadro
pavoroso!
Muitos fantasmas,
um cento,
Ocupam inteira a
rua,
E o sinistro
ajuntamento
Alveja ao clarão
da lua!
Cada medonha
figura
Traz na mão um
círio aceso...
Quis gritar o
velho cura,
Mas o grito ficou
preso!
Benzeu-se afinal e
brando
Perguntou: — O que
vos falta?
Porque andais
divagando
Pelo mundo em
noite alta?
Os fantasmas,
co’as mãos postas,
Apontaram para a
ermida,
E caminharam de
costas,
Seguindo a longa
avenida...
O velho cura, sem
medo,
Devagar os foi
seguindo;
Passaram o escuro
arvoredo,
Vão a montanha
subindo...
Entraram na
freguesia;
Ardem brandões nos
altares,
Foi o padre á
sacristia,
Volta com as
vestes talares.
Mal começa a
ladainha,
Contritos e
reverentes,
Se prostram todos
em linha
Os estranhos
penitentes!
Quando findo o
responsório
O cura voltou o
rosto,
Teve medo do
auditório,
E quase abandona o
posto!
Era um grupo de
caveiras
Que ali estava
enfileirado,
E as mortalhas
inteiras
Dobradas jaziam ao
lado...
Aquele congresso
horrendo
Produzia-lhe
vertigem!
Voltou-se o cura
tremendo
E cravou olhos na
Virgem!
Rezou muito,
finalmente
Ergueu-se com
alegria,
Não viu mais um
assistente,
Estava a igreja
vazia!
Uma trilha
luminosa,
Que se perdia nos
ares,
Mais um perfume de
rosa
E maviosos
cantares,
Só eram os
denunciantes
Do fantástico
auditório;
Aquelas almas
errantes
Saíram do
purgatório!
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Fonte
"Toda a Poesia: Antologia Poética". Poeteiro Editor Digital. São Paulo, 2015.
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