sexta-feira, 13 de novembro de 2015

João Penha: "5 Poemas"

CONSOLAÇÃO
A um poeta lírico

Não sucumbas assim. A noite escura
Sucede a luz da aurora e o sol radioso:
Suspende as mágoas do violão choroso,
O lamento dos tristes sem ventura.

Limpa as fezes do cálix da amargura,
E, com vinho dum pâmpano gostoso,
Ergue um brinde ao amante venturoso
Da mulher que adoravas com loucura.

Nem outra vez me digas que na munda,
Ou na voragem das perdidas gentes,
Não há sofrer maior, nem mais profundo.

A terra é o grande val dos descontentes!
Oh! se tu visses num festim jucundo
A mágoa dum gastrônomo... sem dentes!


SERMÃO NA MONTANHA

Frei Bernardo, de pé sobre uma dorna
Empina a canjirão, que o desafia,
E sobre o povo, que o admira, entorna
O mar enorme da oratória pia.

Prega, sinistra: textos mil aponta;
Aos abismos descendo do profundo,
Agarra Belzebu, por uma ponta
E com ele verbera o dorso ao mundo.

Chega à peroração, que a povo chora:
Vem ao trono buscá-lo a confraria;
Lança a benção final, e, sem demora
Empina o canjirão que o desafia.


AS GRANDES MANOBRAS
A Trindade Coelho

Quando eu fazia trovas, nessa idade
Em que a vida é sonho de poesia,
Fiz-lhe versos de amar, em que a dizia
Um lírio branco, a flor da castidade.

Era junto ao Penedo da Saudade
Que eu muitas vezes, perpassando, a via:
Lá era o ninho. Assim a cotovia
O faz longe, bem longe da cidade.

Quanto eu a amava então! Em ânsia ardente
Eu só tinha um desejo: o da conquista
Daquela virgem pura, anjo inocente!

Certo dia, em que a vi, fui-lhe na pista,
E logo, aproximando-me tremente:
– “Onde vai?” – perguntei. – “Vou à revista”.


A CARNE
A Cândido de Figueiredo

Carne mimosa, carne cor de rosa
Nada mais sois, oh anjos, na poesia
Dos vates dissolutos de hoje em dia,
Nos romances de amor, hedionda prosa.

A vossa alma gentil, ideal, mimosa,
Nestas idades de descrença ímpia,
Como escondida, numa estátua fria
Sonha e não voa, de voar medrosa!

Anjos chorai o Amor! Com voz dolente
Dizei-lhe adeus! Bronco recife
Se apruma entre ele e vós, cruel, ingente:

Que par mais que de vinhos o borrife,
Ninguém gosta de ver, continuadamente,
Diante de si, fatal, o mesmo bife!


CENA DE TABERNA
A Guimarães Fonseca

Vede-o, além, no esconso, à luz mortiça
Do velho lampadário que vacila!
No lábio tem o insulto, e na pupila
O raio ardente que as paixões atiça.

Vede-os, que são rivais! Fatal cobiça
Violenta os arrancou à paz tranquila,
E no rude brigar, que os aniquila,
Já tingem de vermelho o chão e a liça!

– “Acima o canjirão!” – com voz acesa
Diz a mais fera na tremenda luta,
“Acima!” – e pousa-o sobre a mesa.

Mas, vendo soçobrar a massa bruta
Do insolente rival, dos vinhos presa:
– “Venci! diz vomitando; é minha a truta!”


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Fonte
"Toda a Poesia: Antologia Poética". Poeteiro Editor Digital. São Paulo, 2015.

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