NÃO TE ENTENDO, CORAÇÃO
Mas se não
amo, nem posso,
Que pode
então isto ser?
Coração,
se já morreste,
Porque te
sinto bater?
Ai,
desconfio que vives
Sem tu nem
eu o saber.
Porque a
olho quando a vejo?
Porque a
vejo sem a olhar?
Porque
longe dos meus olhos
Me andam
os seus a lembrar?
Porque
levo tantas horas
Nela
somente a pensar?
Porque
tímido lhe falo,
E dantes
não era assim?
Porque mal
a voz lhe escuto
Não sei o
que sinto em mim?
Porque
nunca um não me acode
Em tudo
que ela diz sim?
Porque
estremeço contente
Quando ela
me estende a mão,
E se aos
outros faz o mesmo
Porque é
que não gosto então?
Deveras
que não me entendo,
Nem te
entendo, coração.
Ou me
enganas, ou te engano;
Se isto
amor não pode ser,
Não atino,
não conheço
Que outro
nome possa ter;
Ai,
coração, que vivemos
Sem tu nem
eu o saber.
AS ROSAS DE SANTA ISABEL
Onde ides,
correndo asinha,
Onde ides,
bela Rainha,
Onde ides,
correndo assim?
Porque
andais fora dos Paços?
Que peso
levais nos braços?
Oh!
Dizei-mo agora a mim?...
A Santa,
regalos novos,
Frutas,
pão, e carne, e ovos,
No regaço
e braços seus,
Sem cuidar
ser surpreendida,
Ia levar
farta vida
Aos
pobrezinhos de Deus.
Coram-lhe
as faces formosas,
E
responde:- "Levo rosas..."
Dom Dinis
deitou-lhe a mão,
Ao regaço,
de repente;
Mas de
rubra cor vivente
Só rosas
lá viu então!...
Como o
tempo era passado,
Nos
jardins, no monte e prado,
De rosas e
toda a flor,
El-rei,
cheio de piedade,
Nas rosas
da caridade
Viu a
bênção do Senhor!
E daquele
rosal dela
Tirando
uma rosa bela,
Que
guardou no peito seu,
Disse-lhe:-
"Em paz ide agora,
Que eu me
encomendo, Senhora,
À Santa,
ao Anjo do Céu."
A LUA DE LONDRES
É noite. O
astro saudoso
rompe a
custo um plúmbeo céu,
tolda-lhe
o rosto formoso
alvacento,
úmido véu,
traz
perdida a cor de prata,
nas águas
não se retrata,
não beija
no campo a flor,
não traz
cortejo de estrelas,
não fala
de amor às belas,
não fala
aos homens de amor.
Meiga Lua!
Os teus segredos
onde os
deixaste ficar?
Deixaste-os
nos arvoredos
das praias
de além do mar?
Foi na
terra tua amada,
nessa
terra tão banhada
por teu
límpido clarão?
Foi na
terra dos verdores,
na pátria
dos meus amores,
pátria do
meu coração!
Oh! que
foi!... Deixaste o brilho
nos montes
de Portugal,
lá onde
nasce o tomilho,
onde há
fontes de cristal;
lá onde
viceja a rosa,
onde a
leve mariposa
se
espaneja à luz do Sol;
lá onde
Deus concedera
que em
noite de Primavera
se
escutasse o rouxinol.
Tu vens, ó
Lua, tu deixas
talvez há
pouco o país
onde do
bosque as madeixas
já têm um
flóreo matiz;
amaste do
ar a doçura,
do azul e
formosura,
das águas
o suspirar.
Como
hás-de agora entre gelos
dardejar
teus raios belos,
fumo e
névoa aqui amar?
Quem viu
as margens do Lima,
do Mondego
os salgueirais;
quem andou
por Tejo acima,
por cima
dos seus cristais;
quem foi
ao meu pátrio Douro
sobre fina
areia de ouro
raios de
prata esparzir
não pode
amar outra terra
nem sob o
céu de Inglaterra
doces
sorrisos sorrir.
Das
cidades a princesa
tens aqui;
mas Deus igual
não quis
dar-lhe essa lindeza
do teu e
meu Portugal.
Aqui, a
indústria e as artes;
além, de
todas as partes,
a natureza
sem véu;
aqui, ouro
e pedrarias,
ruas mil,
mil arcarias;
além, a
terra e o céu!
Vastas
serras de tijolo,
estátuas,
praças sem fim
retalham,
cobrem o solo,
mas não me
encantam a mim.
Na minha
pátria, uma aldeia,
por noites
de lua cheia,
é tão bela
e tão feliz!...
Amo as
casinhas da serra
c'oa Lua
da minha terra,
nas terras
do meu país.
Eu e tu,
casta deidade,
padecemos
igual dor;
temos a mesma
saudade,
sentimos o
mesmo amor.
Em
Portugal, o teu rosto
de riso e
luz é composto;
aqui,
triste e sem clarão.
Eu, lá,
sinto-me contente;
aqui,
lembrança pungente
faz-me
negro o coração.
Eia, pois,
ó astro amigo,
voltemos
aos puros céus.
Leva-me, ó
Lua, contigo,
preso num
raio dos teus.
Voltemos
ambos, voltemos,
que nem eu
nem tu podemos
aqui ser
quais Deus nos fez;
terás
brilho, eu terei vida,
eu já
livre e tu despida
das nuvens
do céu inglês.
PORTUGAL
Quem
sou... quem fui? Toda a terra
Que o
diga, que o aprendeu;
Diga-o na
paz e na guerra,
Diga-o
ela, que não eu!
Quem fui,
que o digam cem povos,
Que o
digam os climas novos
Por onde
primeiro andei;
Que o
digam cristãos e mouros,
Que o
digam troféus e louros,
Que eu nem
dizê-lo já sei!
INVOCAÇÃO
Arcanjo da
poesia! Vem e pousa na lira
ao
trovador. Vibra-lhe as cordas C'os
róseos
dedos; põe-lhe os sons divinos
Dessa etérea
mansão por onde libras
Nas
cambiantes azas d'oiro e prata,
Com cerúleos
listões de puro esmalte!
Arcanjo!
Ao trovador, teus doces risos,
Nas ilusões
d'amor, banhem seus versos;
Engrinalda-lhe
a lira co'as papoilas
Que nos campos
do céu á noite brotam;
Um beijo
teu, na fronte, venha dar-lhe
Celeste
inspiração aos ardimentos;
Teu halito
co'as brisas lhe cicie
Na grenha
da floresta amenos carmes,
No perfume
da flor canções singelas,
Da rola no
gemer ternas saudades,
Ou, por
fisgas de penha alcantilada,
Um rígido
cantar, na voz do vento.
Arcanjo!
Ao trovador ensina, empresta
As mil
chaves que tens d'abrir mil cofres
Ou da
terra, ou do mar, do céu, do inferno!
Vem, vem,
que o trovador, ousado, enjeita
As cansadas
ficções da velha Grécia,
Quebra
numes d'Ascreu, Musas despreza,
Renega
antigas leis, descrê do Olimpo,
Deixa Elísios,
Parnasos, Hipocrenes,
Bebe do pátrio
amor nas pátrias fontes,
Ama o sol
da sua terra, os montes delia,
E por
Musas te quer, por crença o Eterno,
O mundo
por altar, os céus por templo!
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Fonte
"Toda a Poesia: Antologia Poética". Poeteiro Editor Digital. São Paulo, 2015.
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