sexta-feira, 13 de novembro de 2015

João de Lemos: "5 Poemas"

NÃO TE ENTENDO, CORAÇÃO

Mas se não amo, nem posso,
Que pode então isto ser?
Coração, se já morreste,
Porque te sinto bater?
Ai, desconfio que vives
Sem tu nem eu o saber.

Porque a olho quando a vejo?
Porque a vejo sem a olhar?
Porque longe dos meus olhos
Me andam os seus a lembrar?
Porque levo tantas horas
Nela somente a pensar?

Porque tímido lhe falo,
E dantes não era assim?
Porque mal a voz lhe escuto
Não sei o que sinto em mim?
Porque nunca um não me acode
Em tudo que ela diz sim?

Porque estremeço contente
Quando ela me estende a mão,
E se aos outros faz o mesmo
Porque é que não gosto então?
Deveras que não me entendo,
Nem te entendo, coração.

Ou me enganas, ou te engano;
Se isto amor não pode ser,
Não atino, não conheço
Que outro nome possa ter;
Ai, coração, que vivemos
Sem tu nem eu o saber.



AS ROSAS DE SANTA ISABEL

Onde ides, correndo asinha,
Onde ides, bela Rainha,
Onde ides, correndo assim?
Porque andais fora dos Paços?
Que peso levais nos braços?
Oh! Dizei-mo agora a mim?...

A Santa, regalos novos,
Frutas, pão, e carne, e ovos,
No regaço e braços seus,
Sem cuidar ser surpreendida,
Ia levar farta vida
Aos pobrezinhos de Deus.

Coram-lhe as faces formosas,
E responde:- "Levo rosas..."
Dom Dinis deitou-lhe a mão,
Ao regaço, de repente;
Mas de rubra cor vivente
Só rosas lá viu então!...

Como o tempo era passado,
Nos jardins, no monte e prado,
De rosas e toda a flor,
El-rei, cheio de piedade,
Nas rosas da caridade
Viu a bênção do Senhor!

E daquele rosal dela
Tirando uma rosa bela,
Que guardou no peito seu,
Disse-lhe:- "Em paz ide agora,
Que eu me encomendo, Senhora,
À Santa, ao Anjo do Céu."



A LUA DE LONDRES

É noite. O astro saudoso
rompe a custo um plúmbeo céu,
tolda-lhe o rosto formoso
alvacento, úmido véu,
traz perdida a cor de prata,
nas águas não se retrata,
não beija no campo a flor,
não traz cortejo de estrelas,
não fala de amor às belas,
não fala aos homens de amor.

Meiga Lua! Os teus segredos
onde os deixaste ficar?
Deixaste-os nos arvoredos
das praias de além do mar?
Foi na terra tua amada,
nessa terra tão banhada
por teu límpido clarão?
Foi na terra dos verdores,
na pátria dos meus amores,
pátria do meu coração!

Oh! que foi!... Deixaste o brilho
nos montes de Portugal,
lá onde nasce o tomilho,
onde há fontes de cristal;
lá onde viceja a rosa,
onde a leve mariposa
se espaneja à luz do Sol;
lá onde Deus concedera
que em noite de Primavera
se escutasse o rouxinol.

Tu vens, ó Lua, tu deixas
talvez há pouco o país
onde do bosque as madeixas
já têm um flóreo matiz;
amaste do ar a doçura,
do azul e formosura,
das águas o suspirar.
Como hás-de agora entre gelos
dardejar teus raios belos,
fumo e névoa aqui amar?

Quem viu as margens do Lima,
do Mondego os salgueirais;
quem andou por Tejo acima,
por cima dos seus cristais;
quem foi ao meu pátrio Douro
sobre fina areia de ouro
raios de prata esparzir
não pode amar outra terra
nem sob o céu de Inglaterra
doces sorrisos sorrir.

Das cidades a princesa
tens aqui; mas Deus igual
não quis dar-lhe essa lindeza
do teu e meu Portugal.
Aqui, a indústria e as artes;
além, de todas as partes,
a natureza sem véu;
aqui, ouro e pedrarias,
ruas mil, mil arcarias;
além, a terra e o céu!

Vastas serras de tijolo,
estátuas, praças sem fim
retalham, cobrem o solo,
mas não me encantam a mim.
Na minha pátria, uma aldeia,
por noites de lua cheia,
é tão bela e tão feliz!...
Amo as casinhas da serra
c'oa Lua da minha terra,
nas terras do meu país.

Eu e tu, casta deidade,
padecemos igual dor;
temos a mesma saudade,
sentimos o mesmo amor.
Em Portugal, o teu rosto
de riso e luz é composto;
aqui, triste e sem clarão.
Eu, lá, sinto-me contente;
aqui, lembrança pungente
faz-me negro o coração.

Eia, pois, ó astro amigo,
voltemos aos puros céus.
Leva-me, ó Lua, contigo,
preso num raio dos teus.
Voltemos ambos, voltemos,
que nem eu nem tu podemos
aqui ser quais Deus nos fez;
terás brilho, eu terei vida,
eu já livre e tu despida
das nuvens do céu inglês.



PORTUGAL

Quem sou... quem fui? Toda a terra
Que o diga, que o aprendeu;
Diga-o na paz e na guerra,
Diga-o ela, que não eu!
Quem fui, que o digam cem povos,
Que o digam os climas novos
Por onde primeiro andei;
Que o digam cristãos e mouros,
Que o digam troféus e louros,
Que eu nem dizê-lo já sei!



INVOCAÇÃO

Arcanjo da poesia! Vem e pousa na lira
ao trovador. Vibra-lhe as cordas C'os
róseos dedos; põe-lhe os sons divinos
Dessa etérea mansão por onde libras
Nas cambiantes azas d'oiro e prata,
Com cerúleos listões de puro esmalte!
Arcanjo! Ao trovador, teus doces risos,
Nas ilusões d'amor, banhem seus versos;
Engrinalda-lhe a lira co'as papoilas
Que nos campos do céu á noite brotam;
Um beijo teu, na fronte, venha dar-lhe
Celeste inspiração aos ardimentos;
Teu halito co'as brisas lhe cicie
Na grenha da floresta amenos carmes,
No perfume da flor canções singelas,
Da rola no gemer ternas saudades,
Ou, por fisgas de penha alcantilada,
Um rígido cantar, na voz do vento.
Arcanjo! Ao trovador ensina, empresta
As mil chaves que tens d'abrir mil cofres
Ou da terra, ou do mar, do céu, do inferno!
Vem, vem, que o trovador, ousado, enjeita
As cansadas ficções da velha Grécia,
Quebra numes d'Ascreu, Musas despreza,
Renega antigas leis, descrê do Olimpo,
Deixa Elísios, Parnasos, Hipocrenes,
Bebe do pátrio amor nas pátrias fontes,
Ama o sol da sua terra, os montes delia,
E por Musas te quer, por crença o Eterno,

O mundo por altar, os céus por templo!


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Fonte
"Toda a Poesia: Antologia Poética". Poeteiro Editor Digital. São Paulo, 2015.

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