sexta-feira, 13 de novembro de 2015

João de Deus: "5 Poemas"

AMORES, AMORES

Não sou eu tão tola
Que caia em casar;
Mulher não é rola
Que tenha um só par:
Eu tenho um moreno,
Tenho um de outra cor,
Tenho um mais pequeno,
Tenho outro maior.

Que mal faz um beijo,
Se apenas o dou,
Desfaz-se-me o pejo,
E o gosto ficou?
Um deles por graça
Deu-me um, e, depois,
Gostei da chalaça,
Paguei-lhe com dois.

Abraços, abraços,
Que mal nos farão?
Se Deus me deu braços,
Foi essa a razão:
Um dia que o alto
Me vinha abraçar,
Fiquei-lhe de um salto
Suspensa no ar.

Vivendo e gozando,
Que a morte é fatal,
E a rosa em murchando
Não vale um real:
Eu sou muito amada,
E há muito que sei
Que Deus não fez nada
Sem ser para quê.

Amores, amores,
Deixá-los dizer;
Se Deus me deu flores,
Foi para as colher:
Eu tenho um moreno,
Tenho um de outra cor,
Tenho um mais pequeno,
Tenho outro maior.



A CIGARRA E A FORMIGA

Como a cigarra o seu gosto
É levar a temporada
De Junho, Julho e Agosto
Numa cantiga pegada,
De Inverno também se come,
E então rapa frio e fome!
Um Inverno a infeliz
Chega-se à formiga e diz:
- Venho pedir-lhe o favor
De me emprestar mantimento,
Matar-me a necessidade;
Que em chegando a novidade,
Até faço um juramento,
Pago-lhe seja o que for.
Mas pergunta-lhe a formiga:
"Pois que fez durante o Estio?"
- Eu, cantar ao desafio.
"Ah cantar? Pois, minha amiga,
Quem leva o Estio a cantar,
Leva o Inverno a dançar!"



MILITARÃO

Um valente militar
Ficou tão abarrotado
Num opíparo jantar
A que fora convidado,
Que o que fazia era ímpar,
E estava dando cuidado.

Diz-lhe aflita uma das manas:
“Meta dois dedos na boca,
Provoque as ânsias, a ver!”
-Dois dedos na boca...louca?
Se eu os pudesse meter,
Metia duas bananas.



BEIJO

Beijo na face,
Pede-se e dá-se:
Dá?
Que custa um beijo?
Não tenha pejo:
Vá!
Um beijo é culpa,
Que se desculpa:
Dá?
A borboleta
Beija a violeta:
Vá!

Um beijo é graça,
Que a mais não passa:
Dá?
Teme que a tente?
É inocente...
Vá!

Guardo segredo,
Não tenha medo:
Vê?
Dê-me um beijinho,
Dê de mansinho,
Dê!
(BEIJO...)

Talvez te leve
O vento em breve,
Flor!
A vida foge,
A vida é hoje,
Amor!
Guardo segredo,
Não tenhas medo
Pois!
Um mais na face,
E a mais não passe!
Dois...

Oh! dois? piedade!
Coisas tão boas...
Vês?
Quantas pessoas
Tem a Trindade?
Três!

Três é a conta
Certinha e justa...
Vês?
E que te custa?
Não sejas tonta!
Três!

Três, sim: não cuides
Que te desgraças:
Vês?
Três são as Graças,
Três as Virtudes;
Três.

As folhas santas
Que o lírio fecham,
Vês?
E não o deixam
Manchar, são... quantas?
Três!



GRAMÁTICA RUDIMENTAR

Aquele Manuel do Rego
É rapaz de tanto tino
Que em lírio põe sempre y grego,
E em lira põe i latino!
E como a gente diz ceia
Escreve sempre cear;
Assim como de passeia
Tira o verbo passear!
Nunca diz senão pior
Não só por ser mais bonito,
Mas porque achou num autor
Que deriva de sânscrito.
Escreve razão com s,
E escreve Brasil com z:
Assim ele nos quisesse
Dizer a razão porquê!
Também como diz - eu soube
Julga que eu pôde é correto:
Temo que a morte nos roube
Rapazinho tão discreto!
É um gramático o Rego!
É um purista o finório...
Se Camões falava grego,

E o Vieira latinório!


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Fonte
"Toda a Poesia: Antologia Poética". Poeteiro Editor Digital. São Paulo, 2015.

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