A TEMPESTADE
Cobre-se ó
céu de grossas negras nuvens,
Os ventos mais
e mais cada hora crescem,
Já se
escurece o céu, já. com soberba
Inchadas
grossas ondas se levantam.
A nau
começa já passar trabalho,
Já começa
gemer, e em tal afronta
O apito
soa, brada o mestre, acodem
Com
presteza varões no mar expertos.
Põe-se o
fero Vulturno junto ao cabo,
Levanta lá
no céu furiosas ondas;
Austro
bramando corre ali com fúria,
Dando um
balanço à nau que quase a rende,
Vem com
grande furor Bóreas raivoso,
Comete por
davante, o passo impide,
Encontra
as grandes velas, e, por força,
Ao mastro
as pega e a nau atrás empuxa:
Rompe-se
por mil partes o céu, e arde
Em
ligeiro, apressado, vivo fogo.
Um rugido
espantoso vai correndo
Desde o
Antártico Pólo ao seu oposto.
Arremessam-se
lanças pelos ares
De
congelada pedra em água envolta;
Com espantoso
ímpeto, e rasgadas
As densas
negras nuvens raios cospem:
De um
golpe as velas vêm todas abaixo.
MANUEL DE SOUSA ENTERRA D. LEONOR NA PRAIA
Apartando
co'as mãos a branca areia
Abre nela
uma estreita sepultura
Torna-se
atrás alçando nos cansados
Braços
aquele corpo lasso e frio.
Ajudam as
criadas as funestas
Derradeiras
exéquias, com mil gritos.
Ai duro
tempo! (dizem),como apartas
Para
sempre de nós tal fermosura!
Na
perpétua morada tenebrosa
A deixam,
levantando alto alarido,
Com
salgado licor banhando a terra,
Aquele
último vale. todas dizem.
Não fica
só Lianor na causa infausta,
Que de um
tenro filhinho se acompanha,
Que a luz
vital gozou, quatro perfeitos
Anos,
ficando o quinto interrompido.
Ali co'a
morta mãe o filho morto
Ambos com
morto amor em cerra jazem,
Ela lhe
nega o branco amado peito,
E ele o
doce, materno, amado gosto.
Ambos na
solitária praia ficam,
Junto das
grossas ondas sepultados,
Deixando
ao mundo um triste raro exemplo
De
perversa, cruel, ímpia fortuna.
À ESPERA DO SOCORRO
Trabalhos,
aflições, grandes angústias,
Desconsolações,
males e misérias
Socorre-as
Deus então, quando mais clara
L mais
certa se mostra a desventura.
Os
prenósticos tristes emudeçam
E pasmem
com mortal espanto a gente
Ou a cruel
fortuna se nos mostre
Com áspero,
feroz, bravo semblante.
Firme
esperança em Deus tenhamos sempre,
Pois nele
certa está misericórdia
L Quando
em nossos males, esquecido
Se mostra,
então nos dá mor o remédio.
As naus
tardavam já em vir do Reino
E a esta
causa em Goa se enxergava
Na gente
popular uma tristeza
Nascida do
temor que o grande cerco
Nos
corações vulgares tinha impresso.
Traspassa
um grande espanto as tristes almas
Daquelas
que na guerra os caros filhos
E seus
maridos têm aventurados
A
desastrado fim cada momento;
Os templos
frequentados eram delas
Com
lágrimas pedindo a Deus socorro
E com voz
alta e triste à Virgem pia.
Chamavam
com fervor que lhe valesse,
Tomando-a
por terceira em tal perigo.
COMO OS INIMIGOS BATIAM A FORTALEZA
O Sol
ardente em seu fogoso carro
Quase meia
jornada já cumpria,
Quando lá
pelos ares se levanta
Um alarido
horrível, que penetra
As nuvens
e alto céu: os vivos gritos
Espalhados
nos ares vão buscando
As
côncavas cavernas dos mais altos
E
solitários montes, e nos vales
Mais
fundos e vazios; com ajuda
Da triste
e namorada Eco formam
Com ímpeto
diversos apelidos.
Das
contrárias paredes começaram
Disparar
basaliscos, e salvages
Quartaus,
espalhafatos, leões grossos
Com que as
altas montanhas estremecem.
O
principal que ofendem é a distância
Do
Apóstolo que a mão meteu no lado
De Cristo,
e todo o lanço Que ali dela
Corre até
Santiago, porque viram
Ser estes
três lugares menos fortes.
Danificados
mais e mal seguros
De todas
estas partes lhe respondem
Com mui
furiosos tiros. Cobre um fumo
Escuro e
infernal as fortalezas.
Súpitos e
mortais ardentes fogos
Luzem com
grande pressa em ambas partes:
O capitão
ordena um contramuro
Dentro
naquela parte combatida:
De parede
tão grossa, que medidos
Tinha
dezesseis palmos, e de entulho
Três
côvados. Repairos fez mui grandes
Com fortes
contracavas no baluarte
São Tomé:
porque viu que a ele vinham
Determinados
com violenta fúria.
Ferve a
gente lá dentro, cresce a obra,
Uns
madeira acarretam, outros abrem
Com forças
e com ferro a dura terra,
Fazendo
contraminas. Outros correm
Com grande
pressa ao muro, e as estâncias
Povoam de
arcabuzes, lanças, dardos,
De
pólvora, pelouros e outras muitas
Proveitosas
maneiras de peleja.
Os
capitães acodem diligentes
Onde os
tiros cruéis fazem mor dano.
Is ali com
mil repairos fortificam
Lugares
dos pelouros derrubados.
RETRATO DE D.
LEONOR DE SÁ
Criava-se Lianor,
crescendo sempre
Em suma perfeição,
suma beleza,
E crescendo só
nela as outras graças
Por grandes
fermosuras repartidas,
Produziam-se dos
seus fermosos olhos
Efeitos mil, e
extremos diferentes,
Que olhando davam
vida, e outras vezes
Olhando cem mil
vidas destruíam.
A branca cor do
rosto acompanhada
De uma cor natural
honesta e pura,
E a cabeça de
crespo ouro coberta,
Lembrança do mais
alto céu faziam.
Praxíteles nem
Fídias não lavraram
De branquíssimo
mármore igual corpo;
Nem aquele, que
Zuxis entre tantas
Fermosuras deixou
por mais perfeito,
Não se igualava a
este, antes ficava
Abatido, e julgado
em pouco preço;
Que mal pode
igualar-se humano engenho
Co'aquilo, em que
Deus tal saber nos mostra.
Da boca o suave
riso alegra os ares,
Mostrando entre
rubis orientais perlas
E sobre tudo,
quanto a natureza
Lhe deu perfeito,
a graça se avantaja.
No peito ebúrneo
as pomas, que em brancura
Levam da neve o
justo preço e a palma,
Apartando-se,
deixam de açucena
Alvíssima um
florido e fresco vale.
Quem pode (sem
perder-se) louvar cousa
Onde não chega
humano entendimento?
Oh, fortuna cruel,
que fim tão triste
Guardaste para uma
obra tão perfeita!
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Fonte
"Toda a Poesia: Antologia Poética". Poeteiro Editor Digital. São Paulo, 2015.
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