sexta-feira, 13 de novembro de 2015

Jerônimo Corte-Real: "5 Poemas"

A TEMPESTADE

Cobre-se ó céu de grossas negras nuvens,
Os ventos mais e mais cada hora crescem,
Já se escurece o céu, já. com soberba
Inchadas grossas ondas se levantam.
A nau começa já passar trabalho,
Já começa gemer, e em tal afronta
O apito soa, brada o mestre, acodem
Com presteza varões no mar expertos.
Põe-se o fero Vulturno junto ao cabo,
Levanta lá no céu furiosas ondas;
Austro bramando corre ali com fúria,
Dando um balanço à nau que quase a rende,
Vem com grande furor Bóreas raivoso,
Comete por davante, o passo impide,
Encontra as grandes velas, e, por força,
Ao mastro as pega e a nau atrás empuxa:
Rompe-se por mil partes o céu, e arde
Em ligeiro, apressado, vivo fogo.
Um rugido espantoso vai correndo
Desde o Antártico Pólo ao seu oposto.
Arremessam-se lanças pelos ares
De congelada pedra em água envolta;
Com espantoso ímpeto, e rasgadas
As densas negras nuvens raios cospem:
De um golpe as velas vêm todas abaixo.



MANUEL DE SOUSA ENTERRA D. LEONOR NA PRAIA

Apartando co'as mãos a branca areia
Abre nela uma estreita sepultura
Torna-se atrás alçando nos cansados
Braços aquele corpo lasso e frio.
Ajudam as criadas as funestas
Derradeiras exéquias, com mil gritos.
Ai duro tempo! (dizem),como apartas
Para sempre de nós tal fermosura!
Na perpétua morada tenebrosa
A deixam, levantando alto alarido,
Com salgado licor banhando a terra,
Aquele último vale. todas dizem.
Não fica só Lianor na causa infausta,
Que de um tenro filhinho se acompanha,
Que a luz vital gozou, quatro perfeitos
Anos, ficando o quinto interrompido.
Ali co'a morta mãe o filho morto
Ambos com morto amor em cerra jazem,
Ela lhe nega o branco amado peito,
E ele o doce, materno, amado gosto.
Ambos na solitária praia ficam,
Junto das grossas ondas sepultados,
Deixando ao mundo um triste raro exemplo
De perversa, cruel, ímpia fortuna.



À ESPERA DO SOCORRO

Trabalhos, aflições, grandes angústias,
Desconsolações, males e misérias
Socorre-as Deus então, quando mais clara
L mais certa se mostra a desventura.
Os prenósticos tristes emudeçam
E pasmem com mortal espanto a gente
Ou a cruel fortuna se nos mostre
Com áspero, feroz, bravo semblante.
Firme esperança em Deus tenhamos sempre,
Pois nele certa está misericórdia
L Quando em nossos males, esquecido
Se mostra, então nos dá mor o remédio.
As naus tardavam já em vir do Reino
E a esta causa em Goa se enxergava
Na gente popular uma tristeza
Nascida do temor que o grande cerco
Nos corações vulgares tinha impresso.
Traspassa um grande espanto as tristes almas
Daquelas que na guerra os caros filhos
E seus maridos têm aventurados
A desastrado fim cada momento;
Os templos frequentados eram delas
Com lágrimas pedindo a Deus socorro
E com voz alta e triste à Virgem pia.
Chamavam com fervor que lhe valesse,
Tomando-a por terceira em tal perigo.



COMO OS INIMIGOS BATIAM A FORTALEZA

O Sol ardente em seu fogoso carro
Quase meia jornada já cumpria,
Quando lá pelos ares se levanta
Um alarido horrível, que penetra
As nuvens e alto céu: os vivos gritos
Espalhados nos ares vão buscando
As côncavas cavernas dos mais altos
E solitários montes, e nos vales
Mais fundos e vazios; com ajuda
Da triste e namorada Eco formam
Com ímpeto diversos apelidos.
Das contrárias paredes começaram
Disparar basaliscos, e salvages
Quartaus, espalhafatos, leões grossos
Com que as altas montanhas estremecem.
O principal que ofendem é a distância
Do Apóstolo que a mão meteu no lado
De Cristo, e todo o lanço Que ali dela
Corre até Santiago, porque viram
Ser estes três lugares menos fortes.
Danificados mais e mal seguros
De todas estas partes lhe respondem
Com mui furiosos tiros. Cobre um fumo
Escuro e infernal as fortalezas.
Súpitos e mortais ardentes fogos
Luzem com grande pressa em ambas partes:
O capitão ordena um contramuro
Dentro naquela parte combatida:
De parede tão grossa, que medidos
Tinha dezesseis palmos, e de entulho
Três côvados. Repairos fez mui grandes
Com fortes contracavas no baluarte
São Tomé: porque viu que a ele vinham
Determinados com violenta fúria.
Ferve a gente lá dentro, cresce a obra,
Uns madeira acarretam, outros abrem
Com forças e com ferro a dura terra,
Fazendo contraminas. Outros correm
Com grande pressa ao muro, e as estâncias
Povoam de arcabuzes, lanças, dardos,
De pólvora, pelouros e outras muitas
Proveitosas maneiras de peleja.
Os capitães acodem diligentes
Onde os tiros cruéis fazem mor dano.
Is ali com mil repairos fortificam
Lugares dos pelouros derrubados.
  


RETRATO DE D. LEONOR DE SÁ

Criava-se Lianor, crescendo sempre
Em suma perfeição, suma beleza,
E crescendo só nela as outras graças
Por grandes fermosuras repartidas,
Produziam-se dos seus fermosos olhos
Efeitos mil, e extremos diferentes,
Que olhando davam vida, e outras vezes
Olhando cem mil vidas destruíam.
A branca cor do rosto acompanhada
De uma cor natural honesta e pura,
E a cabeça de crespo ouro coberta,
Lembrança do mais alto céu faziam.
Praxíteles nem Fídias não lavraram
De branquíssimo mármore igual corpo;
Nem aquele, que Zuxis entre tantas
Fermosuras deixou por mais perfeito,
Não se igualava a este, antes ficava
Abatido, e julgado em pouco preço;
Que mal pode igualar-se humano engenho
Co'aquilo, em que Deus tal saber nos mostra.
Da boca o suave riso alegra os ares,
Mostrando entre rubis orientais perlas
E sobre tudo, quanto a natureza
Lhe deu perfeito, a graça se avantaja.
No peito ebúrneo as pomas, que em brancura
Levam da neve o justo preço e a palma,
Apartando-se, deixam de açucena
Alvíssima um florido e fresco vale.
Quem pode (sem perder-se) louvar cousa
Onde não chega humano entendimento?
Oh, fortuna cruel, que fim tão triste

Guardaste para uma obra tão perfeita!

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Fonte
"Toda a Poesia: Antologia Poética". Poeteiro Editor Digital. São Paulo, 2015.

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