domingo, 22 de novembro de 2015

Américo Durão: "5 Poemas"

A ÁGUA

Eu fui a sombra a converter-se em luz,
E fui a névoa a transformar-se em cor,
E fui o pranto a consagrar a dor,
Quando brilhei nos olhos de Jesus.

E fui a nuvem a buscar a altura,
E recebi do Sol a cor da chama.
Caí na terra e converti-me em lama
Para a tornar melhor e menos dura!

Fui pranto de perdão e de humildade...
E foi nuns olhos cheios de saudade
Que mais linda me fiz e desejei!...

E fui rio... e fui mar... e onda... e espuma...
E, em sonho de Poetas, fui à bruma...
O vago... o indeciso... o que não sei....



DIFERENTE

Buscando o vão Ideal que me seduz,
Sem que o atinja me disperso e gasto,
E ansiosamente aos braços duma cruz
Ergo o perfil de iluminado e casto.

Já tristemente desdenhoso afasto
O manto de burel dos ombros nus;
E a noite pisa a forma do meu rasto,
Se deixo atrás de mim passos de luz.

Na minha tez suave e nazarena,
Transparecem vislumbres dessa pena
Que Deus pelos estranhos há sentido...

E frio e calmo, a divergir da Raça,
Mal poiso os lábios no cristal da taça
Por onde as outras almas têm bebido!



A MINHA MÃE

Lembra alvuras de cisne sobre um lago
A minha vida imaculada e honesta...
Ouço bater meu coração em festa,
Pela bondade e amor que nele trago!

Do meu orgulho olímpico de mago
Só o desdém aos inimigos resta,
Maior que às folhas mortas da floresta,
Que nos meus dedos pálidos esmago.

Mas a piedade enche o meu peito, e vem,
Em vez de tão humano e vil desdém,
Ungir meus lábios de um perdão divino...

Julguei ser Deus! E choro de cansaço...
Oh, mãe piedosa, embala no regaço
Meu coração exausto de menino!...

  

A JESUS CRUCIFICADO

Volta de novo à Terra,
Alvo e manso Cordeiro,
Vem resgatar os homens
De pecados sem fim.

O preço do resgate
Só o teu corpo e o teu sangue
O poderão pagar.

Nesta hora de fé,
Eu te prometo e juro
Que hás de tornar a ser
Por nós crucificado.

Ao cimo do Calvário,
Maria nossa Mãe,
A açucena da Terra
E o arco-íris do Céu,
Há de estar a teu lado.

E o azul do seu manto,
Ao pé de ti, será
O luar refletido
Sobre o esplendor do Sol.



EXISTO?

Cingindo esta mortalha de estamenha
Fiz voto e penitência de morrer,
Sem que os meus braços numa cruz sustenha,
Quando não baste a Fé para os suster!

Sigo, pálido asceta da montanha,
Na bíblia da Minha Alma absorto a ler
Meditações, sobre a tragédia estranha
Dos que passam na vida sem viver…

No meu convento desolado e frio,
Ecoa pelo claustro um som vazio:
Apalpo-me…procuro-me…tateio…

Alongo os olhos pela sombra fora…
- São os passos de Alguém que Se ignora,
É sempre o mesmo nada, o mesmo anseio!

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