O POETA DESCREVE O QUE ERA NAQUELE TEMPO A CIDADE DA BAHIA
A cada
canto um grande conselheiro,
Que nos
quer governar cabana e vinha;
Não sabem
governar sua cozinha,
E podem
governar o mundo inteiro.
Em cada
porta um bem frequente olheiro,
Que a vida
do vizinho e da vizinha
Pesquisa,
escuta, espreita e esquadrinha,
Para o
levar à praça e ao terreiro.
Muitos
mulatos desavergonhados,
Trazidos
sob os pés os homens nobres,
Posta nas
palmas toda a picardia,
Estupendas
usuras nos mercados,
Todos os
que não furtam muito pobres:
E eis aqui
a cidade da Bahia.
BUSCANDO A CRISTO
A vós
correndo vou, braços sagrados,
Nessa cruz
sacrossanta descobertos
Que, para
receber-me, estais abertos,
E, por não
castigar-me, estais cravados.
A vós,
divinos olhos, eclipsados
De tanto
sangue e lágrimas cobertos,
Pois, para
perdoar-me, estais despertos,
E, por não
condenar-me, estais fechados.
A vós,
pregados pés, por não deixar-me,
A vós,
sangue vertido, para ungir-me,
A vós,
cabeça baixa, p’ra chamar-me,
A vós,
lado patente, quero unir-me,
A vós,
cravos preciosos, quero atar-me,
Para ficar
unido, atado e firme.
A UMA DAMA
Dama cruel, quem quer que vós sejais,
Que não
quero por hora descobrir-vos,
Dai-me
licença agora para arguir-vos,
Pois para
amar-vos sempre ma negais:
Por que
razão de ingrata vos prezais,
Não me
pagando o zelo de servir-vos?
Sem dúvida
deveis de persuadir-vos,
Que a
ingratidão aformoseia mais.
Não há
cousa mais feia na verdade:
Se a
ingratidão aos nobres envilece,
Que beleza
fará, o que é fealdade?
Depois, que
sois ingrata me parece,
Que hoje é
torpeza o que era então beldade,
Que é flor
a ingratidão que em flor fenece.
POR CONSOANTES QUE ME DERAM FORÇADOS
Neste
mundo é mais rico o que mais rapa:
Quem mais
limpo se faz, tem mais carepa;
Com sua
língua, ao nobre o vil decepa:
O velhaco
maior sempre tem capa.
Mostra o
patife da nobreza o mapa:
Quem tem
mão de agarrar, ligeiro trepa:
Quem menos
falar pode, mais increpa:
Quem
dinheiro tiver, pode ser papa.
A flor
baixa, se inculca por tulipa:
Bengala
hoje na mão, ontem garlopa:
Mais
isento se mostra o que mais chupa:
Para a
tropa do trapo vazo a tripa:
E mais não
digo; porque a Musa topa
Em apa, em
epa, em ipa, em opa, em upa.
EFEITOS CONTRÁRIOS DO AMOR
Ó que cansado trago o sofrimento
Ó que
injusta pensão da humana vida,
Que
dando-me o tormento sem medida,
Me encurta
o desafogo de um contento!
Nasceu
para oficina do tormento
Minha
alma, a seus desgostos tão unida,
Que por
manter-se em posse de afligida
Me concede
os pesares de alimento.
Em mim não
são as lágrimas bastantes
Contra
incêndios, que ardentes me maltratam,
Nem estes
contra aqueles são possantes:
Contrários
contra mim em paz se tratam,
E estão em
ódio meu tão conspirantes,
Que só por
me matarem não se matam.
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Fonte
"Toda a Poesia: Antologia Poética". Poeteiro Editor Digital. São Paulo, 2015.
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