sábado, 21 de novembro de 2015

Goulart de Andrade: "5 Poemas"

DESTINOS

Traçou entre nós dois o Nume Eterno
Uma linha, que, apenas, se revela:
Nem a passa a vaidade - menos bela,
Nem a transpõe o orgulho - alto e superno

Envelhecemos!... A lareira o inverno
Já de neve cobriu; e, agora, nela
A cinza fria da saudade vela
Os resplendores do braseiro interno...

Mágoas calaste; humilhações calei-as;
Se, hoje, temo passados desatinos,
Tu de antigas loucuras te arreceias...

Cumpriremos, assim, nossos destinos:
Tais duas torres, que ruíssem, cheias
Do repique festivo dos seus sinos!



SAGRADA PAIXÃO

Por teu querer, tão só, foi que seguiste
Desse amor toda a rua da amargura;
E, três vezes caindo, a face pura
Aos céus ergueste, cada vez mais triste!

Mas, por essa paixão, a que, ora, assiste
A turba, e que teu rosto desfigura;
Pelo beijo traidor, pela tortura
Foi que a imortalidade conseguiste!

Essa agonia é tua Glória! E quando
Estrugir a blasfêmia dos perversos,
Que se te cale o corpo miserando:

Fica-te assim - olhos nos meus imersos,
De espinhos coroada, ao sol, sangrando,
Nua, crucificada nos meus versos!



FORTE ABANDONADO

(Obrigada a consoante de apoio)

De pé, no promontório, encravado na bronca
Penedia, onde o mar atropelado ronca,
Ribomba, estoura, estruge, espoca, estronda, esbarra,
Abandonado avulta o vigia da barra!
Ó naus, podeis entrar! Podeis vir, exilados,
Peixes, que íeis buscar abrigo em outros lados,
Quando o bruto estridor dos canhões sacudia
O fraguedo; e a fumaça o almo esplendor do dia
No firmamento azul, empanava de chofre,
Saturando todo o ar de salitre e de enxofre!
Pássaros, volitai! Nada aqui vos aterra:
As máquinas de morte estendem-se por terra,
Frias, mudas, sem mais aquele brilho antigo
Que era para a pupila um ríspido castigo!
No muro, em cada frincha, a grama brota inculta,
Cobre as trincheiras, enche as guaritas, oculta
As arestas, contorna as ameias, procura
Tapar a barbacã com a trama verde-escura!
Agora o rubro aqui, aparece ridente,
Não em funda ferida estuando um sangue ardente
E impetuoso de heróis varado nas batalhas,
Mas em flores gentis desbrochando nas talhas
Do molhe de granito! Os rumores de passos
E toques de clarins não enchem os espaços
Agora! E que contraste estes ruídos, maninhos,
Mortíferos canhões, guardam ninhos e ninhos,
Paz e Amor!... Pode a abelha as melífluas colmeias
Fabricar sem temor, ao longo das ameias!
Pode aqui vicejar a tímida violeta!
Pode adejar a iriante e inquieta borboleta!
Sempre azul seja o céu! A liana filiforme
Medre e floresça! A brisa em fruto a flor transforme!
Venha o rijo Aquilão soprar a pulmão pleno!
Venha a Lua banhar de luz o terra-pleno
Venha aqui dentro o Sol e esta terra fecunde!
Venha o musgo crescendo e a muralha circunde!
Venha gemer o mar, que espumarento, esbarra
No rochedo em que dorme o vigia da barra!



POR QUÊ?

Ris, se digo que és boa; e se te digo
Que és má, tomas um ar de indiferença...
Fazes um gesto vago de descrença,
Quando afirmo serei teu muito amigo...

Se de tuas promessas te desligo,
Amuas-te; e é fatal a desavença,
Ao te falar da gratidão imensa
E do respeito meu para contigo...

Se as mãos te beijo, cedes; mas, fremente,
Se a procuro, essa boca me resiste!...
Enfado-me, gargalha loucamente!

Não sei, porém, se alta razão te assiste,
Se a atitude é de sábio ou de demente,
Quando, ao jurar que te amo, ficas triste!



MEU JARDIM

Nessa alongada infância, à luz serena
Do luar da prece, em vago odor delida,
Florescia o jardim da minha vida,
Alvejante de lírio e de açucena.

Depois, na adolescência, manhã plena
De rubores e cantos, sem medida,
Ao abrir da corola apetecida,
A rosa do desejo o ar envenena...

Depois... volúpia louca e amor conforto...
Desentranhou-se, ao sol da mocidade,
Em papoulas e cravos o meu horto...

Enfim, velhice!... Já com a sombra invade
O canteiro, onde jaz meu sonho morto,
Floração de perpétua e de saudade!...

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