sexta-feira, 13 de novembro de 2015

Frei Antônio das Chagas: "5 Poemas"

CONTA E TEMPO

Deus pede hoje estrita conta do meu tempo.
E eu vou, do meu tempo dar-Lhe conta.
Mas como dar, sem tempo, tanta conta.
Eu, que gastei, sem conta, tanto tempo?

Para ter minha conta feita a tempo
O tempo me foi dado e não fiz conta.
Não quis, tendo tempo fazer conta,
Hoje quero fazer conta e não há tempo.

Oh! vós, que tendes tempo sem ter conta,
Não gasteis vosso tempo em passa-tempo.
Cuidai, enquanto é tempo em vossa conta.

Pois aqueles que sem conta gastam tempo,
Quando o tempo chegar de prestar conta,
Chorarão, como eu, o não ter tempo.



AO CAVALO DO CONDE DE SABUGAL QUE FAZIA GRANDES CURVETAS

Galhardo bruto, teu bizarro alento
Música é nova, com que aos olhos cantas,
Pois na harmonia de cadências tantas
É clave o freio, é solfa o movimento.

Ao compasso da rédea, ao instrumento
Do chão, que tocas, quando a vista encantas,
Já baixas grave, e agudo já levantas,
Onde o pisar é som, e o andar concento.

Cantam teus pés, e o teu meneio pronto,
Nas fugas, não, nas cláusulas medido,
Mil consonâncias forma m cada ponto.

Pois em falsas airosas suspendido,
Ergues em cada quebro um contraponto,
Fazes em cada passo um sustenido


ROMANCE DE UMA FREIRA INDO ÀS CALDAS

Belisa, aquela beldade,
Cujas perfeições são tais,
Que a formosura e juízo
Vivem nela muito em paz;
Aquela Circe das almas,
Cuja voz sempre será
Encanto dos alvedrios
E o pasmo de Portugal;
Enferma, bem que sublime,
De uns achaques mostras dá,
Pois às deidades também
Os males se atrevem já.
Por se livrar das moléstias
Que a costumam magoar,
Se negou remédio às vidas,
Por remédio às Caldas vai.
Aquele sol escondido
Entre as nuvens de um saial,
Se ocaso faz de um convento,
Do campo eclíptica faz.


Mas, logo que os campos lustra,
Alento e desmaios dá
Ao dia para luzir,
Ao Sol para se eclipsar.
Aos prados, a quem o Estio
Despe a gala natural,
Quando os olhos podem ver,
Flores tornam a enfeitar.
Dando-lhe a música os bosques
Com citara de cristal,
Parece entre os ramos verdes
Cada rouxinol um Brás.
A viração que entre as folhas
Sempre buliçosa está,
Ou já murmure ou suspire,
Faz de cada assopro um ai.
Cuido que, por festejá-la
Com contentamento igual,
As fontes querem tanger
E as plantas querem bailar.



À VAIDADE DO MUNDO

É a vaidade, Fábio, desta vida
Rosa que na manhã lisonjeada
Púrpuras mil com ambição coroada
Airosa rompe, arrasta presumida;

É planta que de Abril favorecida
Por mares de soberba desatada,
Florida galera empavezada,
Surca ufana, navega destemida;

É nau, enfim, que em breve ligeireza,
Com presunção de fénix generosa,
Galhardias apresta, alentos preza.

Mas ser planta, rosa e nau vistosa
De que importa, se aguarda sem defesa
Penha a nau, ferro a planta, tarde a rosa?


A UM PÉ PEQUENO

Instante de jasmim, concepto breve,
Átomo de azucena presumido,
Pues os juzgan las ansias del sentido
Sospecha de crystal, susto de nieve;

No pié, mentira sois, pues, como aleve,
Ni verdad en un punto haveis cumplido,
Antes digo que escrupulo haveis sido,
Pues de ser o no ser la duda os mueve.

Como, si idea sois de ojos tan claros,
Hazeis la vista fe para creeros,
Y hazeis los ojos fe para miraros?

Yo me persuado en fin, que hede perderos,
Porque si el veros es imaginaros,

Siendo imaginacion, como hede veros?

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Fonte
"Toda a Poesia: Antologia Poética". Poeteiro Editor Digital. São Paulo, 2015.

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