CONTA E TEMPO
Deus pede
hoje estrita conta do meu tempo.
E eu vou,
do meu tempo dar-Lhe conta.
Mas como
dar, sem tempo, tanta conta.
Eu, que
gastei, sem conta, tanto tempo?
Para ter
minha conta feita a tempo
O tempo me
foi dado e não fiz conta.
Não quis,
tendo tempo fazer conta,
Hoje quero
fazer conta e não há tempo.
Oh! vós,
que tendes tempo sem ter conta,
Não
gasteis vosso tempo em passa-tempo.
Cuidai,
enquanto é tempo em vossa conta.
Pois
aqueles que sem conta gastam tempo,
Quando o
tempo chegar de prestar conta,
Chorarão,
como eu, o não ter tempo.
AO CAVALO DO CONDE DE SABUGAL QUE FAZIA GRANDES
CURVETAS
Galhardo
bruto, teu bizarro alento
Música é
nova, com que aos olhos cantas,
Pois na
harmonia de cadências tantas
É clave o
freio, é solfa o movimento.
Ao
compasso da rédea, ao instrumento
Do chão,
que tocas, quando a vista encantas,
Já baixas
grave, e agudo já levantas,
Onde o
pisar é som, e o andar concento.
Cantam
teus pés, e o teu meneio pronto,
Nas fugas,
não, nas cláusulas medido,
Mil
consonâncias forma m cada ponto.
Pois em
falsas airosas suspendido,
Ergues em
cada quebro um contraponto,
Fazes em
cada passo um sustenido
ROMANCE DE UMA FREIRA INDO ÀS CALDAS
Belisa, aquela
beldade,
Cujas perfeições
são tais,
Que a formosura e
juízo
Vivem nela muito
em paz;
Aquela Circe das
almas,
Cuja voz sempre
será
Encanto dos
alvedrios
E o pasmo de
Portugal;
Enferma, bem que
sublime,
De uns achaques
mostras dá,
Pois às deidades
também
Os males se
atrevem já.
Por se livrar das
moléstias
Que a costumam
magoar,
Se negou remédio
às vidas,
Por remédio às
Caldas vai.
Aquele sol
escondido
Entre as nuvens de
um saial,
Se ocaso faz de um
convento,
Do campo eclíptica
faz.
Mas, logo que os
campos lustra,
Alento e desmaios
dá
Ao dia para luzir,
Ao Sol para se
eclipsar.
Aos prados, a quem
o Estio
Despe a gala
natural,
Quando os olhos
podem ver,
Flores tornam a
enfeitar.
Dando-lhe a música
os bosques
Com citara de
cristal,
Parece entre os
ramos verdes
Cada rouxinol um
Brás.
A viração que
entre as folhas
Sempre buliçosa
está,
Ou já murmure ou
suspire,
Faz de cada
assopro um ai.
Cuido que, por
festejá-la
Com contentamento
igual,
As fontes querem
tanger
E as plantas
querem bailar.
À VAIDADE DO MUNDO
É a vaidade,
Fábio, desta vida
Rosa que na manhã
lisonjeada
Púrpuras mil com
ambição coroada
Airosa rompe,
arrasta presumida;
É planta que de
Abril favorecida
Por mares de
soberba desatada,
Florida galera
empavezada,
Surca ufana,
navega destemida;
É nau, enfim, que
em breve ligeireza,
Com presunção de
fénix generosa,
Galhardias
apresta, alentos preza.
Mas ser planta,
rosa e nau vistosa
De que importa, se
aguarda sem defesa
Penha a nau, ferro
a planta, tarde a rosa?
A UM PÉ PEQUENO
Instante de
jasmim, concepto breve,
Átomo de azucena
presumido,
Pues os juzgan las
ansias del sentido
Sospecha de
crystal, susto de nieve;
No pié, mentira
sois, pues, como aleve,
Ni verdad en un
punto haveis cumplido,
Antes digo que
escrupulo haveis sido,
Pues de ser o no
ser la duda os mueve.
Como, si idea sois
de ojos tan claros,
Hazeis la vista fe
para creeros,
Y hazeis los ojos
fe para miraros?
Yo me persuado en
fin, que hede perderos,
Porque si el veros
es imaginaros,
Siendo
imaginacion, como hede veros?
---
Fonte
"Toda a Poesia: Antologia Poética". Poeteiro Editor Digital. São Paulo, 2015.
Nenhum comentário:
Postar um comentário