sexta-feira, 13 de novembro de 2015

Francisco Rodrigues Lobo: "5 Poemas"

ADEUS DE LERENO AO LIS

Fermoso rio Lis, que de contente
Estais detendo as águas vagarosas,
Por não passar daqui vossa corrente,

Entre essas ondas claras, duvidosas,
Levai ao largo mar, com turva vela,
Tristes queixumes, lágrimas queixosas.

Enquanto descansais na branca areia,
Ouvi um pastor triste e magoado
Que vai perder a vida em terra alheia.

Sua ventura o manda desterrado;
Não se pode saber que culpa teve,
Que amor, que foi juiz, era o culpado.

Se a tanta sem­razão mágoa se deve,
Ouvi a voz de cisne derradeira
Que inda que é grande a dor, há de ser breve.

Vós ninfas que morais nesta ribeira,
Nessas lapas cobertas e escondidas
Do mirto, faias, freixos e aveleira,

Seja de amor sentiste as feridas,
E quando crista um triste apartamento
Que, para dar mil mortes, dá mil vidas,

Agora que se cala o surdo vento
E o rio enternecido com meu prato
Detém seu vagaroso movimento,

Vinde a gozar da terra o verde manto,
Vereis da natureza o mor tesouro
E ouvireis as tristezas de meu canto,

Enquanto Apolo com seus raios de ouro
Enxugando estará com nova inveja
Vosso brando cabelo crespo e louro.

Antes que o descontente espírito seja
Apartado da doce companhia,
Consenti, ninfas belas, que vos veja.

Não vos verei porém como vos via,
Ora fugindo às feras da montanha,
Ora prendendo os peixes na água fria.

Chorando vos verei, pois dor tamanha
Não há como deixar a própria terra
Por ir buscar a morte em terra estranha.

Penedos, que pendeis desta alta serra,
De verde erva e de musgos revestidos,
A que os ventos em vão moverão guerra:

Vós declives outeiros repartidos
Com longes amorosos, ledos portos,
Só pela saudade conhecidos;

Vales, que de mil árvores cobertos
Abris caminha às cristalinas fontes
Que os alvos seixos deixam descobertos;

Vós, ladeiras incultas, e altos montes
Que coroados sois de altos pinheiros
E a cor tomando estais aos horizontes,

Pastos, cabanas, gados, pegureiros,
Pastores deste vale verde; ameno,
Doces amigos, doces companheiros

Aparta­-se de vós, triste, Lereno,
Forçado dos poderes da ventura,
Contra quem seu poder foi tão pequeno.

A Deus o monte, o prado, a espessura,
A Deus o rio, a fonte cristalina,
A Deus as plantas, flores e a verdura.

Já no vale, no monte e na campina
Os pastores tanger me ouvirão
A minha desejada sinfonia.

Já nas ardentes sestas do verão
As ovelhas à sombra do arvoredo
O pasto por me ouvir não deixarão.

Já debaixo do vão deste penedo,
Olhando os cordeirinhos que pastavam,
Não cantarei de amor contente e ledo.

E as pastoras que a ouvir­me se ajuntavam,
Já me não tecerão verdes capelas
Com que por vencedor me coroavam.

Já nem na noite á vista das estrelas,
Nem quando o belo Sol claro aparece
Louvores me ouvirão das ninfas belas.

Já o vento que, ouvindo­te, emudece,
Entre os ecos da doce Filomena
Não levará meus ais donde os ofereço.

Tomai o curso atrás, águas do Lena,
Apesar dessa rocha que ameaça
Vossa clara corrente tão serena.


SONETO

Mil anos há que busco a minha estrela
E os fados dizem que ma têm guardada;
Levantei­me de noite e madrugada,
Por mais que madruguei não pude vê­la.

Já não espero haver alcance dela
Senão depois da vida rematada,
Que deve estar nos céus tão remontada
Que só lá poderei gozá­la e tê­la.

Pensamentos, desejos, esperança,
Não vos canseis em vão, não movais guerra,
Façamos entre os mais uma mudança:

Para me procurar vida segura
Deixemos tudo aquilo que há na terra,
Vamos para onde lemos a ventura.


METEU-ME AMOR EM SEU TRATO

Meteu-me Amor em seu trato,
Pôs-me os seus gostos na praça,
Quanto quis me deu de graça.
Mas é caro o seu barato.

Amor, que quis que tivesse
Os males por seu querer,
Deu menos bem, que escolhesse,
Para que quando os perdesse
Tivesse mais que perder.
Depois que em minha esperança
Me viu contra o tempo ingrato
Viver livre da mudança
Por tão grande confiança
Meteu-me Amor em seu trato.

Vi eu logo que convinha
Dar melhor conta do seu
Do que dei da vida minha:
Deixei perder quanto tinha
Por guardar o que me deu.
O desejo e o temor,
A fé, a vontade, a graça,
Tudo pus na mão de Amor.
Ele que é mais mercador
Pôs-me seus gostos na praça.

Entendeu que não sabia
A valia do interesse
Que eu dele então pretendia:
Perguntou-me o que queria
Antes que nada me desse.
Eu, que não soube o que fiz,
Quis um desprezo e negaça,
Quis uns desdéns senhoris,
E por ser graça o que quis.
Quanto quis me deu de graça.

Triste do que então cuidava,
Que tudo o que ganhou,
O mal com que se enganava,
E vendo a vontade escrava
Conhece o que lhe custou.
Amor vende como avaro
E faz seguro contrato
Com cautelas sem reparo:
Vende o barato e o caro,
Mas é caro o seu barato.


CORAÇÃO, OLHA O QUE QUERES

Coração, olha o que queres:
Que mulheres, são mulheres...

Tão tirana e desigual
Sustenta sempre a vontade,
Que a quem lhes quer de verdade
Confessam que querem mal;
se Amor para elas não val,
Coração, olha o que queres:
Que mulheres, são mulheres...

Se algumas tem afeição
Há-de ser a quem lha nega,
Porque nenhuma se entrega
Fora desta condição;
Não lhe queiras, coração,
E, senão, olha o que queres:
Que mulheres, são mulheres...

São tais, que é melhor partido
Para obrigá-las e tê-las,
Ir sempre fugindo delas,
Que andar por elas perdido;
E pois o tens conhecido,
Coração, que mais lhe queres?
Que, em fim, todas as mulheres!


QUE AMOR SIGO? QUE BUSCO? QUE DESEJO?

Que amor sigo? Que busco? Que desejo?
Que enleio é este vão da fantasia?
Que tive? Que perdi? Quem me queria?
Quem me faz guerra? Contra quem pelejo?

Foi por encantamento o meu desejo,
e por sombra passou minha alegria;
mostrou-me Amor, dormindo, o que não via,
e eu ceguei do que vi, pois já não vejo.

Fez à sua medida o pensamento
aquela estranha e nova fermosura
e aquele parecer quase divino.

Ou imaginação, sombra ou figura,
é certo e verdadeiro meu tormento:
Eu morro do que vi, do que imagino.


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Fonte
"Toda a Poesia: Antologia Poética". Poeteiro Editor Digital. São Paulo, 2015.

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