ADEUS DE LERENO AO LIS
Fermoso
rio Lis, que de contente
Estais
detendo as águas vagarosas,
Por não
passar daqui vossa corrente,
Entre
essas ondas claras, duvidosas,
Levai ao
largo mar, com turva vela,
Tristes
queixumes, lágrimas queixosas.
Enquanto
descansais na branca areia,
Ouvi um
pastor triste e magoado
Que vai
perder a vida em terra alheia.
Sua
ventura o manda desterrado;
Não se
pode saber que culpa teve,
Que amor,
que foi juiz, era o culpado.
Se a tanta
semrazão mágoa se deve,
Ouvi a voz
de cisne derradeira
Que inda
que é grande a dor, há de ser breve.
Vós ninfas
que morais nesta ribeira,
Nessas
lapas cobertas e escondidas
Do mirto,
faias, freixos e aveleira,
Seja de
amor sentiste as feridas,
E quando
crista um triste apartamento
Que, para
dar mil mortes, dá mil vidas,
Agora que
se cala o surdo vento
E o rio
enternecido com meu prato
Detém seu
vagaroso movimento,
Vinde a
gozar da terra o verde manto,
Vereis da
natureza o mor tesouro
E ouvireis
as tristezas de meu canto,
Enquanto
Apolo com seus raios de ouro
Enxugando
estará com nova inveja
Vosso
brando cabelo crespo e louro.
Antes que
o descontente espírito seja
Apartado
da doce companhia,
Consenti,
ninfas belas, que vos veja.
Não vos
verei porém como vos via,
Ora
fugindo às feras da montanha,
Ora
prendendo os peixes na água fria.
Chorando
vos verei, pois dor tamanha
Não há
como deixar a própria terra
Por ir
buscar a morte em terra estranha.
Penedos,
que pendeis desta alta serra,
De verde
erva e de musgos revestidos,
A que os
ventos em vão moverão guerra:
Vós
declives outeiros repartidos
Com longes
amorosos, ledos portos,
Só pela
saudade conhecidos;
Vales, que
de mil árvores cobertos
Abris
caminha às cristalinas fontes
Que os
alvos seixos deixam descobertos;
Vós,
ladeiras incultas, e altos montes
Que
coroados sois de altos pinheiros
E a cor
tomando estais aos horizontes,
Pastos,
cabanas, gados, pegureiros,
Pastores
deste vale verde; ameno,
Doces
amigos, doces companheiros
Aparta-se
de vós, triste, Lereno,
Forçado
dos poderes da ventura,
Contra
quem seu poder foi tão pequeno.
A Deus o
monte, o prado, a espessura,
A Deus o
rio, a fonte cristalina,
A Deus as
plantas, flores e a verdura.
Já no
vale, no monte e na campina
Os
pastores tanger me ouvirão
A minha
desejada sinfonia.
Já nas
ardentes sestas do verão
As ovelhas
à sombra do arvoredo
O pasto
por me ouvir não deixarão.
Já debaixo
do vão deste penedo,
Olhando os
cordeirinhos que pastavam,
Não
cantarei de amor contente e ledo.
E as
pastoras que a ouvirme se ajuntavam,
Já me não
tecerão verdes capelas
Com que
por vencedor me coroavam.
Já nem na
noite á vista das estrelas,
Nem quando
o belo Sol claro aparece
Louvores
me ouvirão das ninfas belas.
Já o vento
que, ouvindote, emudece,
Entre os
ecos da doce Filomena
Não levará
meus ais donde os ofereço.
Tomai o
curso atrás, águas do Lena,
Apesar
dessa rocha que ameaça
Vossa
clara corrente tão serena.
SONETO
Mil anos
há que busco a minha estrela
E os fados
dizem que ma têm guardada;
Levanteime
de noite e madrugada,
Por mais
que madruguei não pude vêla.
Já não
espero haver alcance dela
Senão
depois da vida rematada,
Que deve
estar nos céus tão remontada
Que só lá
poderei gozála e têla.
Pensamentos,
desejos, esperança,
Não vos
canseis em vão, não movais guerra,
Façamos
entre os mais uma mudança:
Para me
procurar vida segura
Deixemos
tudo aquilo que há na terra,
Vamos para
onde lemos a ventura.
METEU-ME AMOR EM SEU TRATO
Meteu-me
Amor em seu trato,
Pôs-me os
seus gostos na praça,
Quanto
quis me deu de graça.
Mas é caro
o seu barato.
Amor, que
quis que tivesse
Os males
por seu querer,
Deu menos
bem, que escolhesse,
Para que
quando os perdesse
Tivesse
mais que perder.
Depois que
em minha esperança
Me viu contra
o tempo ingrato
Viver
livre da mudança
Por tão
grande confiança
Meteu-me
Amor em seu trato.
Vi eu logo
que convinha
Dar melhor
conta do seu
Do que dei
da vida minha:
Deixei
perder quanto tinha
Por
guardar o que me deu.
O desejo e
o temor,
A fé, a
vontade, a graça,
Tudo pus
na mão de Amor.
Ele que é
mais mercador
Pôs-me
seus gostos na praça.
Entendeu
que não sabia
A valia do
interesse
Que eu
dele então pretendia:
Perguntou-me
o que queria
Antes que
nada me desse.
Eu, que
não soube o que fiz,
Quis um desprezo
e negaça,
Quis uns
desdéns senhoris,
E por ser
graça o que quis.
Quanto
quis me deu de graça.
Triste do
que então cuidava,
Que tudo o
que ganhou,
O mal com
que se enganava,
E vendo a
vontade escrava
Conhece o
que lhe custou.
Amor vende
como avaro
E faz
seguro contrato
Com
cautelas sem reparo:
Vende o
barato e o caro,
Mas é caro
o seu barato.
CORAÇÃO, OLHA O QUE QUERES
Coração,
olha o que queres:
Que
mulheres, são mulheres...
Tão tirana
e desigual
Sustenta
sempre a vontade,
Que a quem
lhes quer de verdade
Confessam
que querem mal;
se Amor
para elas não val,
Coração,
olha o que queres:
Que
mulheres, são mulheres...
Se algumas
tem afeição
Há-de ser
a quem lha nega,
Porque
nenhuma se entrega
Fora desta
condição;
Não lhe
queiras, coração,
E, senão, olha
o que queres:
Que
mulheres, são mulheres...
São tais,
que é melhor partido
Para
obrigá-las e tê-las,
Ir sempre
fugindo delas,
Que andar
por elas perdido;
E pois o
tens conhecido,
Coração,
que mais lhe queres?
Que, em
fim, todas as mulheres!
QUE AMOR SIGO? QUE BUSCO? QUE DESEJO?
Que amor
sigo? Que busco? Que desejo?
Que enleio
é este vão da fantasia?
Que tive?
Que perdi? Quem me queria?
Quem me
faz guerra? Contra quem pelejo?
Foi por
encantamento o meu desejo,
e por
sombra passou minha alegria;
mostrou-me
Amor, dormindo, o que não via,
e eu
ceguei do que vi, pois já não vejo.
Fez à sua
medida o pensamento
aquela
estranha e nova fermosura
e aquele
parecer quase divino.
Ou
imaginação, sombra ou figura,
é certo e
verdadeiro meu tormento:
Eu morro
do que vi, do que imagino.
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Fonte
"Toda a Poesia: Antologia Poética". Poeteiro Editor Digital. São Paulo, 2015.
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