DA EMENDA
Concluído me tendo
a mi comigo
De deixar o
caminho que levava,
Vendo com razões
claras quanto errava
Em não me desviar
do mais antigo.
Pois no trabalho
seu, no mor perigo,
Meu amigo consigo a
mi me achava;
E quando no meu
mal algum buscava,
Achava-me comigo
sem amigo.
Agora dei a volta
por caminhos
De solitários
bosques enramados,
De feras bravas
mansos passarinhos;
Que ainda que
entre espinhos conversados,
Mais quero pé
descalço entre espinhos,
Que dos homens
humanos espinhados.
AO PECADO ORIGINAL
Se sendo, meu
Senhor, por vós formado
Adão, antes de ser
o mal nascido,
Pecou, que fará
quem foi concebido
Nas entranhas, que
já tinham pecado?
Comer de um fruto
só lhe foi vedado,
Tudo o mais a seu
gosto concedido,
E por uma só vez
haver caído,
Por muitas ser não
posso levantado.
Tão fraca ficou
minha natureza,
Que levantar não
deixa o pensamento
Da terra, a que
está atada e presa,
Tão imiga do meu
merecimento,
Que se morder não
pode na pureza,
Não deixa de
ladrar um só momento.
À MORTE
Os correos da
morte são chegados,
Por caminhos
antigos, impedidos,
Mal com meus
olhos, mal com meus ouvidos,
Mal com meus pés,
do chão mal levantados.
E mal, por não
chorar bem meus pecados,
Que sendo sete, e
cinco, meus sentidos,
Por serem tantas
vezes repetidos,
Impossível será
serem contados.
Se não viera a
morte acompanhada
Da conta, que dar
devo tão estreita,
Não fora tão
penosa imaginada.
Mas a que vivo ou
morto tenho feita,
Tenho com meu
Senhor na cruz pregada,
Onde o ladrão
contrito não se enjeita.
PERDI-ME DENTRO EM MIM
Perdi-me dentro em
mim, como em deserto,
Minha alma está
metida em labirinto,
Contino contradigo
o que consinto,
Cem mil discursos
faço, em nada acerto.
Vejo seguro o
dano, o bem incerto;
Comigo porfiando
me desminto,
O que mais
atormenta, menos sinto,
O que me foge,
quando está mais certo.
E se as asas
levanta o pensamento
Àquela parte, onde
está escondida
A causa deste
vario movimento,
Transforma-se por
não ser conhecida,
Porque quer a
pesar do sofrimento
Pôr as armas da
morte em mão da vida.
OS OLHOS MEUS DALI DEPENDURADOS
Os olhos meus dali
dependurados,
Pergunto ao mar,
às ondas, aos penedos
Como, quando, por
quem foram criados?
Respondem-me em
segredo, mil segredos,
Cujas letras
primeiras vou cortando
Nos pés de outros
mais verdes arvoredos.
Assi com cousas
mudas conversando,
Com mais quietação
delas aprendo,
Que de outras, que
ensinar querem falando.
Se pelejo, se
grito, se contendo
Com armas, com
razões com argumentos,
Elas só com calar
ficam vencendo.
Ferido de tamanhos
sentimentos
Fico fora de mim,
fico corrido
De ver sobre que
fiz meus fundamentos.
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