quarta-feira, 18 de novembro de 2015

Francisco Leite de Bittencourt Sampaio: "5 Poemas"

NO MAR

Vem comigo, ó doce amada,
Vem sobre as ondas do mar:
A garça mimosa
Não é tão ligeira,
Que a barca veleira,
Formosa
Levada
Da brisa a voar.

Linda concha — a barca bela
Deixemos solta correr.
Oh! vem comigo, donzela,
No mar de amores viver.

A vida nos corre breve
No mar de belezas mil:
Seus tronos soltando
O cisne de prata,
Seu colo retrata
Vogando
De leve
Nas ondas de anil.

Linda concha — a barca bela
Deixemos solta correr.
Oh! vem comigo, donzela,
No mar de amores viver.

Rainha do dia, a aurora
É doce vê-la no mar,
Deixando o horizonte
Por entre a neblina,
Delgada cortina
Que a fronte
Descora
Das flores do ar.

Linda concha — a barca bela
Deixemos solta correr.
Oh! vem comigo, donzela,
No mar de amores viver.

 —

O céu se anila nas águas,
É oiro o sol à fulgir:
A viva ardentia
Do astro brilhante
Convida o amante,
Que ânsia
De mágoas,
Venturas fruir.

Linda concha — a barca bela
Deixemos solta correr.
Oh! vem comigo, donzela,
No mar de amores viver.

 —

A lua tem sua origem
No seio escuro do mar:
São doces seus raios
Batendo luzentes
Nas vagas trementes,
Desmaios
De virgem
Que vive a cismar.

Linda concha — a barca bela
Deixemos solta correr.
Oh! vem comigo, donzela,
No mar de amores viver.

 —

Voz de Deus, a tempestade
Não te assuste, ó meu amor!
Á suplica cede
O Alto-potente,
O anjo inocente
Que pede
Piedade
Ampara o Senhor.

Linda concha — a barca bela
Deixemos solta correr,
Oh! vem comigo, donzela,
No mar de amores viver.

Sopre o vento, ruja a vaga,
Medonho se torne o mar!
No meio á tormenta
Serás, minha bela,
Estrela que vela,
Que alenta,
Que afaga
Do nauta o cantar!

Linda concha — a barca bela
Deixemos solta correr.
Oh! vem comigo, donzela,
No mar de amores viver.



A CIGANA

Lá corre a morena, levando faceira
Na cinta punhal,
Veloz como a ema saltando ligeira
Por montes e val!

Gentil, engraçada,
Disséreis levada
Por artes de amor!
Agora fugindo,
Sorrindo
Inocente,
Lá vai de repente
Pulando…
Brincando…
Falando…
No prado co’a flor.

A linda trigueira cansada sentou-se
No verde tapiz;
Mas — logo — um momento de pé levantou-se
Contente e feliz.

 — “Travessa menina,
Vem ler minha sina,
Não fujas, vem cá!”
Chegou-se a cigana,
Que engana
Inocente
Com ditos a gente,
Saltando…
Girando…
Cantando…
No seu patuá.

Que vida de louca! Que amores! Que ditos!
Que voz que ela tem!
Seus olhos são grandes, são pretos — bonitos —
Reluzem tão bem!…

Que momo engraçado!
Seu pé delicado
Mal toca no chão!
Arfava-lhe o seio
De enleio
Inocente!
Olhou me de frente,
Parando…
Corando…
Cismando…
Trovou-me da mão.

Medita enleada, — talvez vergonhosa, —
Das graças que fez.
Agora tremendo parece uma rosa
Caindo de vez!

 — “Que sentes, morena?
Acaso tens pena
Que eu morra por ti?
Que sorte, querida!
Que vida,
Inocente!
Viver docemente
Te amando…
Brincando…
Beijando…
Teus lábios — aqui!

Olhou-me raivosa! Seus lábios tremendo
De vivo coral
São mudos, não falam. — Nos ares movendo
Mostrou-me o punhal.

 — “Que gênio tão forte!
Me dás cruel morte
Por beijos, ó flor?!
Crueza de ingrata!
Pois mata,
Inocente!
Qu’eu saiba somente;
Te amando…
Brincando…
Folgando…
Que a morte é de amor!”

A linda cigana tirando do seio
De clícia um balão,
Falou ás folhinhas com susto e receio,
Contando-as na mão.

Agora sem medo
Mansinha do dedo
Tirou-me um anel:
Então já fugindo,
Sorrindo,
Inocente,
Me diz de repente,
Pulando,
Voando…
Cantando…
“Serei-te fiel!”

E foi-se a cigana, levando faceira
Na cinta punhal,
Veloz como a ema saltando ligeira
Por serras e val.



BEM TE VI!

Debaixo deste arvoredo
Para te olhar me escondi.
Tu passavas; — em segredo
Cantei baixinho com medo:
Bem te vi!

Quis dizer-te atrás correndo:
“Morro de amores por ti!
Mas não sei porque tremendo
Fiquei parado, dizendo:
Bem te vi!

Junto á fonte cristalina
Cismando chegaste ali.
Sopra a brisa á casuarina
Doce nome — Cipladina —
Bem te vi!

E tu voltaste cantando,
 — Que voz tão meiga que ouvi!
Fui então te acompanhando:
Foste andando… foste andando…
Bem te vi!



A ROSA DOS BOSQUES

Andava um caçador, ao sol do meio dia,
Alva corsa á seguir, que rápida fugia
Por entre um matagal;
Ao longe ele avistou vermelha e linda rosa,
Que excedendo a manhã na rubra cor mimosa
Sorria festival.

“Serás minha!” bradou, e já largando
Arco e flecha no chão,
Vai em busca da flor; — ela corando
Fez-se então mais vermelha,
Como se acaso abelha
O caçador lhe fosse, ou um zangão.

Eis passa-lhe perto
A corça á correr;
E o moço inexperto
Ali no deserto
Deixou de acolher.

Mas voltando atrás agora
Seu arco e flecha apanhou;
Procura a flor que o enamora,
E de longe assim falou:

“Já que perdi minha corça,
Uma rosa hei de apanhar;
Levar-te-ei mesmo a força,
Que bem sei me hás de picar.”

E para a flor se encaminha,
Correndo alegre e infantil:
“Rosa! rosa! serás minha!”
Era a rosa Índia gentil.



A SONÂMBULA

Alta noite nas trevas perdida
Branca sombra de um’alma sentida
Aérea caminha… caminha á voar!…
Parece a neblina levada do vento,
Da noite ao relento
Fantasma que a mente costuma sonhar!

Lá corre ligeira…
Talvez feiticeira
Quem sabe si o é?
Mas ei-la cansada, que agora parando,
Medita cismando
Ao longe — de pé!

Das estrelas á luz frouxa, escassa
Mais se eleva e medonha se exalça
Nas trevas a sombra que surge acolá!
Cheguemos ao perto… — Meu Deus que mistério!
Emblema funéreo
De negros pesares acaso será?!

Ai! pobre menina!
Gentil peregrina
Desprende o teu véu!
Estatua não fala: seus lábios abertos
Murmuram concertos
Dos anjos do céu!

Tem a face sem cor desmaiada,
Meiga rosa talvez desbotada
Em lúbricos gozos de imundo prazer!
Dos olhos o lume tão languido, escasso,
Vagueia no espaço
Buscando as estrelas que avista sem ver!

Coitada! que vida!
Tão moça perdida
Dos anos na flor!
Oh pálida sombra de virgem serena!
Incauta açucena,
Tu morres de amor?…
Não responde: nos lábios o riso
Da donzela bem mostra que o siso
Perdera-se em norte de orgia infernal!
Um anjo disséreis da graça caído,
De todo perdido,
Perdido nas trevas chorando o seu mal!

Oh louca amorosa!
Gentil mariposa,
Não fujas de mim!
Eu quero em teus braços a vida de amante
Passar um instante
Beijando-te assim!

Frio vento soprou-lhe os cabelos,
Desprendidos e soltos e belos,
Quais harpas celestes dos anjos de Deus!
São notas aéreas o canto da brisa.
Que assim se desliza
Nas cordas sonoras, voando p’ra os céus!

Que doce beleza!
Si d’alma a pureza
Não desses de mão,
Serias, ó bela, de Deus invejada,
Dos anjos amada
Com louca paixão!

Não importa! ha de amar-te minh’alma
Co’este fogo que nunca se acalma
Na torva existência do meu padecer!
Contigo abraçado no riso e nas dores,
Morrendo de amores
Farei a ventura do nosso viver!

Ai! tremes, suspiras?
Amante deliras
De amor que seduz?!
Oh pálida sombra de virgem perdida!
Procura na vida
Um astro uma luz!

E olhou-me calada chorando,
E convulsa sorriu soluçando,
Que o sangue gelar-se no peito senti!
Ideia de mortos a mente me assalta,
Eis cresce e se exalta…
Até que por teria tremendo cai!…

Que sina! — dormia
Em noite tão fria
Correndo a sonhar!
Estrela nas trevas tremendo, luzindo,
A pobre sorrindo
Fugiu-me a voar…


Fonte
"Toda a Poesia: Antologia Poética". Poeteiro Editor Digital. São Paulo, 2015.

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