NO MAR
Vem comigo, ó doce
amada,
Vem sobre as ondas
do mar:
A garça mimosa
Não é tão ligeira,
Que a barca
veleira,
Formosa
Levada
Da brisa a voar.
Linda concha — a
barca bela
Deixemos solta
correr.
Oh! vem comigo,
donzela,
No mar de amores
viver.
A vida nos corre
breve
No mar de belezas
mil:
Seus tronos
soltando
O cisne de prata,
Seu colo retrata
Vogando
De leve
Nas ondas de anil.
Linda concha — a
barca bela
Deixemos solta
correr.
Oh! vem comigo,
donzela,
No mar de amores
viver.
Rainha do dia, a
aurora
É doce vê-la no
mar,
Deixando o
horizonte
Por entre a
neblina,
Delgada cortina
Que a fronte
Descora
Das flores do ar.
Linda concha — a
barca bela
Deixemos solta
correr.
Oh! vem comigo,
donzela,
No mar de amores
viver.
—
O céu se anila nas
águas,
É oiro o sol à
fulgir:
A viva ardentia
Do astro brilhante
Convida o amante,
Que ânsia
De mágoas,
Venturas fruir.
Linda concha — a
barca bela
Deixemos solta
correr.
Oh! vem comigo,
donzela,
No mar de amores
viver.
—
A lua tem sua
origem
No seio escuro do
mar:
São doces seus
raios
Batendo luzentes
Nas vagas
trementes,
Desmaios
De virgem
Que vive a cismar.
Linda concha — a
barca bela
Deixemos solta
correr.
Oh! vem comigo,
donzela,
No mar de amores
viver.
—
Voz de Deus, a
tempestade
Não te assuste, ó
meu amor!
Á suplica cede
O Alto-potente,
O anjo inocente
Que pede
Piedade
Ampara o Senhor.
Linda concha — a
barca bela
Deixemos solta
correr,
Oh! vem comigo,
donzela,
No mar de amores
viver.
Sopre o vento,
ruja a vaga,
Medonho se torne o
mar!
No meio á tormenta
Serás, minha bela,
Estrela que vela,
Que alenta,
Que afaga
Do nauta o cantar!
Linda concha — a
barca bela
Deixemos solta
correr.
Oh! vem comigo,
donzela,
No mar de amores
viver.
A CIGANA
Lá corre a morena,
levando faceira
Na cinta punhal,
Veloz como a ema
saltando ligeira
Por montes e val!
Gentil, engraçada,
Disséreis levada
Por artes de amor!
Agora fugindo,
Sorrindo
Inocente,
Lá vai de repente
Pulando…
Brincando…
Falando…
No prado co’a
flor.
A linda trigueira
cansada sentou-se
No verde tapiz;
Mas — logo — um
momento de pé levantou-se
Contente e feliz.
— “Travessa menina,
Vem ler minha
sina,
Não fujas, vem cá!”
Chegou-se a
cigana,
Que engana
Inocente
Com ditos a gente,
Saltando…
Girando…
Cantando…
No seu patuá.
Que vida de louca!
Que amores! Que ditos!
Que voz que ela
tem!
Seus olhos são
grandes, são pretos — bonitos —
Reluzem tão bem!…
Que momo
engraçado!
Seu pé delicado
Mal toca no chão!
Arfava-lhe o seio
De enleio
Inocente!
Olhou me de
frente,
Parando…
Corando…
Cismando…
Trovou-me da mão.
Medita enleada, — talvez
vergonhosa, —
Das graças que
fez.
Agora tremendo
parece uma rosa
Caindo de vez!
— “Que sentes, morena?
Acaso tens pena
Que eu morra por
ti?
Que sorte, querida!
Que vida,
Inocente!
Viver docemente
Te amando…
Brincando…
Beijando…
Teus lábios — aqui!
Olhou-me raivosa!
Seus lábios tremendo
De vivo coral
São mudos, não falam.
— Nos ares movendo
Mostrou-me o
punhal.
— “Que gênio tão forte!
Me dás cruel morte
Por beijos, ó flor?!
Crueza de ingrata!
Pois mata,
Inocente!
Qu’eu saiba
somente;
Te amando…
Brincando…
Folgando…
Que a morte é de
amor!”
A linda cigana
tirando do seio
De clícia um
balão,
Falou ás folhinhas
com susto e receio,
Contando-as na
mão.
Agora sem medo
Mansinha do dedo
Tirou-me um anel:
Então já fugindo,
Sorrindo,
Inocente,
Me diz de repente,
Pulando,
Voando…
Cantando…
“Serei-te fiel!”
E foi-se a cigana,
levando faceira
Na cinta punhal,
Veloz como a ema
saltando ligeira
Por serras e val.
BEM TE VI!
Debaixo deste
arvoredo
Para te olhar me
escondi.
Tu passavas; — em
segredo
Cantei baixinho
com medo:
Bem te vi!
Quis dizer-te atrás
correndo:
“Morro de amores
por ti!
Mas não sei porque
tremendo
Fiquei parado,
dizendo:
Bem te vi!
Junto á fonte cristalina
Cismando chegaste
ali.
Sopra a brisa á
casuarina
Doce nome — Cipladina
—
Bem te vi!
E tu voltaste
cantando,
— Que voz tão meiga que ouvi!
Fui então te
acompanhando:
Foste andando…
foste andando…
Bem te vi!
A ROSA DOS BOSQUES
Andava um caçador,
ao sol do meio dia,
Alva corsa á
seguir, que rápida fugia
Por entre um
matagal;
Ao longe ele
avistou vermelha e linda rosa,
Que excedendo a
manhã na rubra cor mimosa
Sorria festival.
“Serás minha!”
bradou, e já largando
Arco e flecha no
chão,
Vai em busca da
flor; — ela corando
Fez-se então mais
vermelha,
Como se acaso
abelha
O caçador lhe
fosse, ou um zangão.
Eis passa-lhe
perto
A corça á correr;
E o moço inexperto
Ali no deserto
Deixou de acolher.
Mas voltando atrás
agora
Seu arco e flecha
apanhou;
Procura a flor que
o enamora,
E de longe assim
falou:
“Já que perdi
minha corça,
Uma rosa hei de
apanhar;
Levar-te-ei mesmo
a força,
Que bem sei me hás
de picar.”
E para a flor se
encaminha,
Correndo alegre e
infantil:
“Rosa! rosa! serás
minha!”
Era a rosa Índia
gentil.
A SONÂMBULA
Alta noite nas
trevas perdida
Branca sombra de
um’alma sentida
Aérea caminha…
caminha á voar!…
Parece a neblina
levada do vento,
Da noite ao
relento
Fantasma que a
mente costuma sonhar!
Lá corre ligeira…
Talvez feiticeira
Quem sabe si o é?
Mas ei-la cansada,
que agora parando,
Medita cismando
Ao longe — de pé!
Das estrelas á luz
frouxa, escassa
Mais se eleva e
medonha se exalça
Nas trevas a
sombra que surge acolá!
Cheguemos ao
perto… — Meu Deus que mistério!
Emblema funéreo
De negros pesares
acaso será?!
Ai! pobre menina!
Gentil peregrina
Desprende o teu véu!
Estatua não fala:
seus lábios abertos
Murmuram concertos
Dos anjos do céu!
Tem a face sem cor
desmaiada,
Meiga rosa talvez
desbotada
Em lúbricos gozos
de imundo prazer!
Dos olhos o lume
tão languido, escasso,
Vagueia no espaço
Buscando as estrelas
que avista sem ver!
Coitada! que vida!
Tão moça perdida
Dos anos na flor!
Oh pálida sombra
de virgem serena!
Incauta açucena,
Tu morres de amor?…
Não responde: nos lábios
o riso
Da donzela bem
mostra que o siso
Perdera-se em
norte de orgia infernal!
Um anjo disséreis
da graça caído,
De todo perdido,
Perdido nas trevas
chorando o seu mal!
Oh louca amorosa!
Gentil mariposa,
Não fujas de mim!
Eu quero em teus
braços a vida de amante
Passar um instante
Beijando-te assim!
Frio vento
soprou-lhe os cabelos,
Desprendidos e
soltos e belos,
Quais harpas
celestes dos anjos de Deus!
São notas aéreas o
canto da brisa.
Que assim se
desliza
Nas cordas
sonoras, voando p’ra os céus!
Que doce beleza!
Si d’alma a pureza
Não desses de mão,
Serias, ó bela, de
Deus invejada,
Dos anjos amada
Com louca paixão!
Não importa! ha de
amar-te minh’alma
Co’este fogo que
nunca se acalma
Na torva existência
do meu padecer!
Contigo abraçado
no riso e nas dores,
Morrendo de amores
Farei a ventura do
nosso viver!
Ai! tremes,
suspiras?
Amante deliras
De amor que seduz?!
Oh pálida sombra
de virgem perdida!
Procura na vida
Um astro uma luz!
E olhou-me calada
chorando,
E convulsa sorriu
soluçando,
Que o sangue
gelar-se no peito senti!
Ideia de mortos a
mente me assalta,
Eis cresce e se exalta…
Até que por teria
tremendo cai!…
Que sina! — dormia
Em noite tão fria
Correndo a sonhar!
Estrela nas trevas
tremendo, luzindo,
A pobre sorrindo
Fugiu-me a voar…
Fonte
"Toda a Poesia: Antologia Poética". Poeteiro Editor Digital. São Paulo, 2015.
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