IGNOTA
DEA
Oh formosa mulher,
franzina, pálida,
Encarnação de um
sonho, és a crisálida
Que oculta um
ideal.
Deste mundo no
mísero degredo,
De meu destino
deste-me, em segredo,
O condão virginal.
Eu julguei-me
feliz por um instante
Ao receber no
catre, agonizante,
A unção de teu
olhar!
Nessa idade de
enlevos inquieta,
Dos meus líricos
sonhos de poeta
Vivi só por te
amar!
Hauri verdores de
teu casto seio;
De criança no
tímido receio
Pulsou-me o
coração,
Que, arrebatado na
asa do delírio,
Erguendo-se do
amor foi ao martírio,
Em mística elação.
Mais tarde,
blasfemei do meu passado;
Do cálix da
amargura envenenado
Traguei o negro
fel...
Remorso,
patrimônio de infelizes,
No coração
deixaste as cicatrizes
De úlcera cruel!
Ai! foi por ti,
mulher, que eu lacerara
Viçosas ilusões
que tanto amara
De minha vida em
flor!
Mas minha pobre
lira ainda é tua;
Tu és de um anjo a
imagem que flutua
Em meus sonhos de
amor.
AMARGURAS
Sobre o mar
agitado dos tormentos
Um dia eu me
perdi,
E embalde
perguntei aos quatro ventos:
- Por que foi que
nasci?
Desamparou-me a
última esperança
Que o meu peito
nutriu,
- Fantástica
miragem de bonança
Brilhou e se
esvaiu.
Minha infância
passou qual de uma aurora
O fugitivo espaço;
Já não sinto a seu
seio unir-me agora
De minha mãe o
abraço.
Meu peito é como
um templo abandonado,
Já quase a
desabar;
A imagem saudosa
do passado
Habita o ermo
altar.
A saudade é o anjo
das tristezas
Que me acompanha a
mim.
Oprimem-me
pungentes incertezas,
- Pesadelo sem
fim!...
Oh! eu invejo a
ave que se esconde
No espesso
laranjal:
Ao gemido do mar
ela responde
Com o canto
matinal!
E à hora fatal de
ave-maria,
Quando adormece a
flor,
Ela solta uma
casta melodia
De límpido
frescor.
Dos meus cândidos
sonhos inocentes
Bem cedo
despertei;
E o tributo de
lágrimas ardentes
Ao martírio
paguei.
O CÁRCERE
O cárcere não é
aonde se redime
Somente a
perversão de quem comete o crime;
Às vezes se
converte em um abrigo santo
Por sobre o qual
estende o Onipotente o manto:
Debaixo de seu
teto, em longa penitência,
Encontra-se também
a imagem da inocência.
Ali nem sempre
escuta o pobre condenado
O eco do remorso a
repetir: - malvado!
Também a voz
escuta - a voz da coração -
Que o anima e o
consola em horas de aflição!
Nem sempre ali se
dorme o sono do assassino,
Ao dobre funeral
de lutuoso sino,
Também dorme-se em
paz o sono da criança
Sonhando do futuro
a mística esperança.
O cárcere é o
antro onde o soluço habita,
E na friez do
crime o coração tirita.
Às vezes, ao
contrário, é o degrau de luz
Por onde o mártir
sobe em busca de uma cruz.
Tudo ali tem do
túmulo o lúgubre conspecto:
A voz não passa
além do enegrecido teto;
Da consciência o
sol parece que se apaga
Debaixo do pavor
que o coração esmaga.
Porém o criminoso,
em cujo crânio escuro
Passa como um
fantasma a sombra do futuro,
De oculta mão
sentindo o peso esmagador,
Em meio à
atmosfera em que circula o horror,
Na consciência tem
um pássaro voraz:
É o remorso que
crava as garras infernais.
MURMÚRIOS
A vida é como um
porto ao qual ancora
Barca que vem do
nada e ao nada volta;
E após o curto
espaço de uma aurora
O pano esfarrapado
aos ventos solta.
E ai do nauta que
o tufão sacode,
Como um ludíbrio
do sofrer ao cúmulo!
Ai de quem busca,
mas achar não pode
A paz do coração
na paz do túmulo!
No entanto a
natureza é uma harmonia
Imensa, eterna,
indefinida, santa:
Como a estrela no
céu brilha a ardentia,
E o homem vive
como vive a planta.
A floresta murmura
os seus segredos
Em um concerto
místico e suave;
Das folhas ao
tremer nos arvoredos,
A voz se exala da
garganta da ave.
Como as virgens na
flor dos seus encantos,
Têm também seu
perfume as violetas...
O poeta à solidão
solta os seus cantos
Como um bando de
leves borboletas.
Soluça o mar seus
merencórios trenos
Que o vento
arrasta pela noite santa:
Se a vida é uma
canção eu quero ao menos
Cantar morrendo
como o cisne canta.
O POETA
Na jaula das
selvas sentindo-se escravo
Rugido medonho
soltara o leão,
Bem como se acaso
no peito do bravo
Cratera estalasse
de aceso vulcão.
Os montes, na
aresta de enormes barrancos,
Tremeram erguidos
no seu pedestal,
Talvez que batesse
seus túmidos flancos
A clava invisível
do gênio do mal!
Corria nos ares
fatal pesadelo,
A terra gelava
mudez tumular,
A noite era um
antro cercado de gelo,
E os astros
dormindo caíam no mar.
Entanto vagava
naquela paragem,
Mais mudo que a
terra, mais frio que a noite,
Romeiro perdido de
ignota viagem,
Sem ter nos
desterros aonde se acoite.
Quem é que sabia
de que astro ele vinha?
E o triste a que
portas iria bater?
Sua alma profundos
mistérios continha,
E nela o infinito
podia caber.
Chamaram-no -
gênio; chamaram-no - louco;
Viveu de utopias,-
loucura do céu!
Passou e sumiu-se:
caiu dentro em pouco
Nas fauces hiantes
de negro escarcéu.
Auréola de mártir
a fronte lhe cinge
Possui do destino
funesto condão;
Da vida nos
transes, a dor - essa esfinge,
Suspende nas
garras o seu coração.
Passou qual
bacante de orgia encantada,
Gastara um tesouro
de crenças celestes,
Foi pobre na terra
de vícios manchada,
Trocou por
andrajos as cândidas vestes.
Foi alma tão funda
que embalde se a sonda;
Jamais o interesse
domara-lhe os brios...
Foi alma fecunda:
- foi luz e foi onda:
Brilhou com os
astros, correu com os rios!
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