terça-feira, 17 de novembro de 2015

Francisco Álvares de Nóbrega: "5 Poemas"

NA FRALDA DE DOIS ÍNGREMES ROCHEDOS

Na fralda de dois íngremes rochedos,
Que levantam aos Céus fronte orgulhosa,
Existe de Maxim a Villa idosa,
Povoada de escassos arvoredos.

Pelo meio, alisando alvos penedos,
Desce extensa Ribeira preguiçosa;
Porém tão crespa na estação chuvosa,
Que aos Íncolas infunde espanto, e medos.

Às margens dela , em hora atenuada,
Vi a primeira luz do Sol sereno,
Em pobre sim, mas paternal murada.

Aos trabalhos me afiz desde pequeno,
O abrigo deixei da Pátria amada,
E vim ser infeliz noutro terreno.


DO VASTO OCEANO FLOR, GENTIL MADEIRA

Do vasto Oceano flor, gentil Madeira,
Que de murta viçosa o cimo enlaças,
Sóbria a teu seio amamentando as Graças
Co'o vítreo suco da imortal Parreira.

Daquele, que em ti viu a luz primeira,
Se acaso é crivei que inda apreço faças,
Entre o prazer das brincadoras taças,
Recolhe a minha produção rasteira.

É donativo escasso, eu bem conheço;
Mas o desejo, que acompanha a oferenda,
Lhe avulta a estima, lhe engrandece o preço.

Deixa que a roda o meu Destino prenda;
Em cessando estes males, que padeço,
Talvez então mais altos dons te renda.



PRELADO EXCELSO, O NÓBREGA DOENTE

Prelado Excelso, o Nóbrega doente,
Cá das margens do Tejo, onde o remistes,
Vai , sobre as azas de seus versos tristes,
A beijar-vos humilde a mão clemente.

Inda se lembra da tenaz corrente,
Que de seu roto pé Sábio despistes,
Quando em cárcere abjeto em luto o vistes
Dos Paes, do Benfeitor, da Pátria ausente.

Só vós o fado meu vencer pudestes,
Só vós os agros dias me adoçastes,
Do vosso antecessor mimos agrestes.

Conheça o Mundo o quão diverso andastes:
Aquele me espancou, vós me acolhestes;
Aquele me prendeu, vós me soltastes.



CÍCERO FUNCHALENSE, EU TE SAÚDO

Cícero Funchalense, eu te saúdo,
E grato cá de longe a voz alçando,
Te agradeço as lições que bebi, quando
Comecei a gostar o doce estudo.

Elas escoram o alentado escudo,
Com que espanto este mal, que estou passando,
No meio dos trabalhos recordando
Ditames, que te ouvi absorto e mudo.

Tu dispuseste o loiro que me enrama,
Que nem o raio cresta, nem consome,
Apesar da desgraça, que me acama.

Com a minha gloria a tua gloria assome,
Participa também da minha Fama,
Ouvido seja, a par do meu, teu Nome.



SEM PAR ELMANO, A QUEM DO PINDO A CHAVE

Sem-par Elmano, a quem do Pindo a chave
Franqueara o Pastor do loiro Amfriso,
Quando mal te apontava ao rosto liso
A sombra, que afugenta o brinco ignave;

Mana dos lábios teus néctar suave,
Se copias de Armia o doce riso;
Falar por tua boca um Deus diviso,
Se tratas da Moral sisuda e grave.

Sobre as azas reais, cria inda implume
Águia possante pouco a pouco exalta,
‘Té que a faça encarar de Febo o lume:

Assim teu metro, que meu Estro esmalta,
Me convida a subir da Glória ao cume,
E o ensino me dá, que inda me falta.


Fonte
"Toda a Poesia: Antologia Poética". Poeteiro Editor Digital. São Paulo, 2015.

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