terça-feira, 17 de novembro de 2015

Henrique Castriciano: "5 Poemas"

FEBRE

Por toda a parte rosas brancas vejo...
Rosas na fímbria loira dos Altares,
Coroadas de amor e de desejo...
Rosas no céu e rosas nos pomares.

Uma roseira o mês de Maio. Aos pares
Surgem, da brisa ao tremulante arpejo,
Estrelas que recordam, sobre os mares,
Rosas envoltas num cerúleo beijo.

E quando Rosa, em cujo nome chora
Esta febre cruel que me devora,
De si me fala, em gargalhadas francas,

Muda-se em rosa a flor de meus martírios,
O som de sua voz, a luz dos círios...
O próprio Azul desfaz-se em rosas brancas.



OS OLHOS DE DULCE

Um quê de estranho, forte e penetrante,
Há n’este olhar que as almas dilacera;
Tem um olhar de domador de fera,
Esta formosa e pálida bacante.

Quando ela passa, rindo, triunfante,
Murmuram todos: “ ri-se a Primavera!…”
Um colibri suspira: “ ai! Quem me dera
Beijar-lhe o róseo lábio provocante!”

Astros malditos, de lampejos vagos,
Têm os seus olhos chamas diamantinas
E ao mesmo tempo sensuais afagos…

Como eles matam! Dulce, a que destinas
Estes dois negros, traiçoeiros lagos,
Esta duas estrelas assassinas?



BEIJA-FLORES 

Dois Beija-flores, de asas rutilantes,
No mesmo ramo em que seu berço esteve,
Do sol teceram, aos raios iriantes,
Formoso ninho pequenino e leve.
E delicados, meigos, indecisos,
Se consultaram, como nós fazemos,
Quando, entre beijos, preces e sorrisos
Pergunta-o amor si o ninho já tecemos.

Disse o primeiro: “ Me aborrece o prado !
Tem muita relva, mas contém abrolhos ... ”
(Como a criança e como o namorado
Os beija-flores falam pelo olhos)

Disse o segundo: “ Bem pertinho .. ali ...
Há muito silfo e muita violetas:
Tem mariposas! Por signal que vi,
Só numa rosa, quatro borboletas !

Depressa, vamos ao pomar de Bertha ...!
E erguem o vôo, trêfego, sereno;
Mas, vendo Branca que, a sorrir desperta:
“ Olha ! uma fruta ! ” chilra o mais pequeno...

- “ Fruta com braços ! Quem te disse isto ?
Pois é tão louco o teu simar, tão louco,
Que não se lembra do menino Cristo ?
Aquela é Branca e batizou-se há pouco.”

E mal retiro o berço perfumado,
Feito da alvura de cheirosos linhos,
Heis outro berço logo pendurado ...

Bem invejosos são os passarinhos !



QUANDO NASCEU


A Minha filha, como agora, eu penso,
Era, quando nasceu,
Um anjo de olhos cor do mar, suspenso
De um sonho cor do céu.
Hoje um mês completou. Lírios se abriam,
Aos raios da manhã,
E, abrindo as folhas, trêmulos, diziam:
Nasceu-nos uma irmã.

Movendo os negros cílios delicados,
De miragens tão nus,
Ela sentiu os olhos magoados
Por um raio de luz.

Então, chorou. Um prófugo vagido
Do seio lhe saiu,
Tão leve como o ar, mais tênue que o gemido
Que um sorriso partiu ...

Por que será que a lágrima primeiro
Brilha nos olhos castos da criança,
Antes que o riso, místico e fagueiro,
Venha tecer-lhe um nimbo de esperança ?

Por que a dor nesta penumbra santa
Do poema da vida, no universo,
É a primeira estrofe que se canta
E sempre, e sempre ... o derradeiro verso?

Na gaze envolta de infinita mágoa,
Na solidão do luto e da saudade,
Dir-se-ia a terra, pobre gota de água
A boiar ... a boiar ... na imensidade!

De minha filha a lágrima bendita
Está no céu ... ai! quando quero vê-la,
Contemplo o azul da abobada infinita,
E vejo-a transformada numa estrela.

Porque bem sei que Deus recolhe o pranto
Da criancinha escrava do martírio:
Guarda-o depois, em cofres de amianto,
Mudado em astro ou transformado em lírio.

Se esta verdade uma mentira fosse,
Nossa Senhora não viria à terra,
Trazer, num beijo cristalino e doce,
Toda a inocência que a criança encerra.

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Que seria, do céu, loiro e divino,
Sempre queimado pela luz do sol ?
Basta a mãozinha branca de um menino
Para extinguir o incêndio do arrebol !



BEIJOS

As vezes, penso comigo
Que há beijos de toda  cor;
Beijos que trazem consigo
Mil prisma, como o amor.
Assim, o beijo de Judas
Tem a cor da escuridão:
Guarda o horror das trevas mudas
E a negrura do carvão.

É negro, bem como a sombra
É traiçoeira na alfombra.

Parte um noivo, que enlouquece
Beijando a noiva, com pejo ...
Não sei porque, mas parece
Que é tão azul este beijo !

É azul porque a saudade
Tem a cor da imensidade !

Na liça, o guerreiro bravo
Vê cair o irmão exangue:
Beija-o e foge, que é escravo ...
Mas leva nos lábios sangue ...

Dado embora de joelho,
Aquele beijo é vermelho.

Quando afago a minha filha
E cinjo-a de encontro aos flancos,
Seu rosto como que brilha ...
Os beijos de mãe são brancos.

São brancos, bem como a lua
É alva, quando flutua ...

Fonte
"Toda a Poesia: Antologia Poética". Poeteiro Editor Digital. São Paulo, 2015.

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