FEBRE
Por toda a parte
rosas brancas vejo...
Rosas na fímbria
loira dos Altares,
Coroadas de amor e
de desejo...
Rosas no céu e
rosas nos pomares.
Uma roseira o mês
de Maio. Aos pares
Surgem, da brisa
ao tremulante arpejo,
Estrelas que
recordam, sobre os mares,
Rosas envoltas num
cerúleo beijo.
E quando Rosa, em
cujo nome chora
Esta febre cruel
que me devora,
De si me fala, em
gargalhadas francas,
Muda-se em rosa a
flor de meus martírios,
O som de sua voz,
a luz dos círios...
O próprio Azul
desfaz-se em rosas brancas.
OS OLHOS DE DULCE
Um quê de
estranho, forte e penetrante,
Há n’este olhar
que as almas dilacera;
Tem um olhar de
domador de fera,
Esta formosa e
pálida bacante.
Quando ela passa,
rindo, triunfante,
Murmuram todos: “
ri-se a Primavera!…”
Um colibri
suspira: “ ai! Quem me dera
Beijar-lhe o róseo
lábio provocante!”
Astros malditos,
de lampejos vagos,
Têm os seus olhos
chamas diamantinas
E ao mesmo tempo
sensuais afagos…
Como eles matam!
Dulce, a que destinas
Estes dois negros,
traiçoeiros lagos,
Esta duas estrelas
assassinas?
BEIJA-FLORES
Dois Beija-flores,
de asas rutilantes,
No mesmo ramo em
que seu berço esteve,
Do sol teceram,
aos raios iriantes,
Formoso ninho
pequenino e leve.
E delicados,
meigos, indecisos,
Se consultaram,
como nós fazemos,
Quando, entre
beijos, preces e sorrisos
Pergunta-o amor si
o ninho já tecemos.
Disse o primeiro:
“ Me aborrece o prado !
Tem muita relva,
mas contém abrolhos ... ”
(Como a criança e
como o namorado
Os beija-flores
falam pelo olhos)
Disse o segundo: “
Bem pertinho .. ali ...
Há muito silfo e
muita violetas:
Tem mariposas! Por
signal que vi,
Só numa rosa,
quatro borboletas !
Depressa, vamos ao
pomar de Bertha ...!
E erguem o vôo,
trêfego, sereno;
Mas, vendo Branca
que, a sorrir desperta:
“ Olha ! uma fruta
! ” chilra o mais pequeno...
- “ Fruta com
braços ! Quem te disse isto ?
Pois é tão louco o
teu simar, tão louco,
Que não se lembra
do menino Cristo ?
Aquela é Branca e
batizou-se há pouco.”
E mal retiro o
berço perfumado,
Feito da alvura de
cheirosos linhos,
Heis outro berço
logo pendurado ...
Bem invejosos são
os passarinhos !
QUANDO NASCEU
A Minha filha,
como agora, eu penso,
Era, quando
nasceu,
Um anjo de olhos
cor do mar, suspenso
De um sonho cor do
céu.
Hoje um mês
completou. Lírios se abriam,
Aos raios da
manhã,
E, abrindo as
folhas, trêmulos, diziam:
Nasceu-nos uma
irmã.
Movendo os negros
cílios delicados,
De miragens tão
nus,
Ela sentiu os
olhos magoados
Por um raio de
luz.
Então, chorou. Um
prófugo vagido
Do seio lhe saiu,
Tão leve como o
ar, mais tênue que o gemido
Que um sorriso
partiu ...
Por que será que a
lágrima primeiro
Brilha nos olhos
castos da criança,
Antes que o riso,
místico e fagueiro,
Venha tecer-lhe um
nimbo de esperança ?
Por que a dor
nesta penumbra santa
Do poema da vida,
no universo,
É a primeira
estrofe que se canta
E sempre, e sempre
... o derradeiro verso?
Na gaze envolta de
infinita mágoa,
Na solidão do luto
e da saudade,
Dir-se-ia a terra,
pobre gota de água
A boiar ... a
boiar ... na imensidade!
De minha filha a
lágrima bendita
Está no céu ...
ai! quando quero vê-la,
Contemplo o azul
da abobada infinita,
E vejo-a
transformada numa estrela.
Porque bem sei que
Deus recolhe o pranto
Da criancinha
escrava do martírio:
Guarda-o depois,
em cofres de amianto,
Mudado em astro ou
transformado em lírio.
Se esta verdade
uma mentira fosse,
Nossa Senhora não
viria à terra,
Trazer, num beijo
cristalino e doce,
Toda a inocência
que a criança encerra.
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Que seria, do céu,
loiro e divino,
Sempre queimado
pela luz do sol ?
Basta a mãozinha
branca de um menino
Para extinguir o
incêndio do arrebol !
BEIJOS
As vezes, penso
comigo
Que há beijos de
toda cor;
Beijos que trazem
consigo
Mil prisma, como o
amor.
Assim, o beijo de
Judas
Tem a cor da
escuridão:
Guarda o horror
das trevas mudas
E a negrura do
carvão.
É negro, bem como
a sombra
É traiçoeira na
alfombra.
Parte um noivo,
que enlouquece
Beijando a noiva,
com pejo ...
Não sei porque,
mas parece
Que é tão azul
este beijo !
É azul porque a
saudade
Tem a cor da
imensidade !
Na liça, o
guerreiro bravo
Vê cair o irmão
exangue:
Beija-o e foge,
que é escravo ...
Mas leva nos
lábios sangue ...
Dado embora de
joelho,
Aquele beijo é
vermelho.
Quando afago a
minha filha
E cinjo-a de
encontro aos flancos,
Seu rosto como que
brilha ...
Os beijos de mãe
são brancos.
São brancos, bem
como a lua
É alva, quando
flutua ...
Fonte
"Toda a Poesia: Antologia Poética". Poeteiro Editor Digital. São Paulo, 2015.
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