FULGOR DE NADA
Animal na sagrada
sede de sua hora,
espírito que rasga
o enigma
e ainda mais
intenso outro lhe surge.
Me tocas, mármore
que baila,
carne convertida
em riso,
na fúria que se
desnuda oh deusa.
Em ti a louca loca
do absoluto,
fenda que me traga
mares e estrelas,
lâmpada no abismo
de meu canto.
Ali gozamos
dançando enquanto dure
o fogo, o mundo,
ritmos de risos que se tocam.
Ainda te ouço
morrendo no turbulento abraço do ser,
e rio desamparado.
ENIGMA DO SOL
As tuas lágrimas
me acariciam: um dilúvio atávico.
Em nada resulta
consultar a folha de infortúnios.
Temos uma ilusão
objetiva da existência
e não aprendemos
nunca com nossos acertos.
Tu és a semelhança
do que cobiças.
Eu te ofertei o
meu abandono.
Me deste uma
lâmpada viciada em espelhos.
Não vês diferença
alguma entre perda e sacrifício.
Deixo a minha
roupa à entrada de tua casa.
Tu me recebes nu e
nada ali se parece contigo.
Não sei quando
volto, mas estou certa do engano:
não andas em mim
por onde me reconheço.
DILEMA DE EVA
Teu corpo
distingue-se sobre o meu
pela diáfana
desordem, gemidos flutuantes,
que guardam em si
a virtude dos temporais.
Teu corpo imerso
em lágrimas vulcânicas
violando os nomes
que dedico a seus rostos.
Mitos
surpreendidos por escavações.
Já não habitas o
sítio impreciso da miséria
humana. Novas
palavras escalam teus seios,
fogos disfarçados,
mistério relutante. Quando
estás sobre mim,
derramas uma verdade
incontida que
nutre os provérbios de teu gozo.
E te refazes com
urgência, repondo tecidos
e maquiagem, a
caminho do esquecimento.
A vida inteira
amparada em sua devassidão.
A TORTURA DA REFLEXÃO
Precipitas teu
olhar sobre meu corpo,
entrelaçando
vertigens, salpicando hábitos,
adiando aquele
último verso que expande
o que jamais em
mim conquistarias.
Não é em mim que
teu mundo se esgota.
Nem sou o lastro
de tua agonia irremediável.
Tuas mãos soluçam
ilusões quando me tocam,
lapidam amores
perfeitos pela tarde inteira.
Não há linguagem
que não se adie ante a flor
que descanso à
margem de minha saia.
Não importa que me
confundas com outra:
os teus enganos
serão sempre os mesmos.
TUAS NEGRAS GEMAS
Não faço idéia se
é noite, vertigem ou silêncio.
Sopra um vazio
contínuo, sem que o identifique.
Persiste a
catástrofe da memória, a recordar
coisas que nunca
viveu. A desossar-me.
Urro selvático do
extravio. Perdemos tudo.
Tão sós que sequer
percebemos o abandono.
A flor-obsessão se
foi desmembrando, gerando
conflitos:
pequenos e grandes pomares.
Eu te amei até
onde pude estar apenas contigo.
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Fonte:
Revista Brasileira: Fase VII - Janeiro-Fevereiro-Março 2007 - Ano XIII - Nº 50 (Academia Brasileira de Letras)
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