NO JARDIM DE INVERNO – I
Neste maio chuvoso
Caminhos rios de
lama
Prados, pomar
alagados
Aqui eu me refugio
A contemplar a
ramagem
Curvando-se às
rajadas
Cordas d’água
incessantes
Martelando-me as
vidraças.
Rodeado de verdura
Plantas em potes
de barro
Catléias e
bromélias
Conchegadas em
xaxins
Avencas de longas
vestes
Aqui, no jardim de
inverno
Continuo em plena
mata
Sem temer a intempérie.
NA VARANDA
O ruído da máquina
de escrever
Acaba por
deixar-me sonolento
Estendo a rede,
adormeço...
Aproveitando-se do
meu sono
Abelhas pousam nas
flores.
De corolas abertas
Impudicas se
oferecem:
Em plena floração
Fanadas
Apenas em botão.
Finjo dormir até
que se saciem
Não serei jamais o
guardião
Da castidade de
Violetas
Rosas, Marianas
Perfumando-me a
varanda.
Apesar de
enclausuradas
Com Chambillys,
Tenórios, Casanovas
Poderão continuar
sonhando.
JARDINS DE CORAL
Para Xavier Placer
Peixes coloridos
Embatendo-se
contra paredes de cristal
Fazem lembrar
certos animais:
Lançam-se em
desespero
Do alto de
penedos.
Deveriam
retorná-los
Às grutas azuis,
rosadas, níveas
Do nosso litoral.
Às pradarias de
algas
Marchetadas de
estrelas marinhas
Tritões,
alcionárias, anêmonas floridas.
Dos buquês
Olhinhos de rubi
espreitam
Aproximas-te
Refugiam-se em
franças diáfanas
Ondeando na
corrente.
CHUVISCO
Semana inteira
Nuvens mão-de-gato
As manhãs de sol
Queriam me roubar
Esquentava o dia
Em névoa seca
Sumiam-se no ar
Tardinha
Do fundo de
grotões
Sempre a conspirar
Escalavam morros
Para o céu toldar
Aragem
Lá da serrania
Se apercebia
Para em chuvisco
As desintegrar
Das atrevidas
Restam meras poças
Onde a passarada
Vem bebericar
ONDINA
Glosando “A VAGA”, de Sophia Mello Breyner
Andersen
Deitada
Na orla d’água
Ela se refresca
Adormece, sonha...
Onda mais forte
Quente
Sobe sorrateira
Pelas entreabertas
coxas
Ela se deleita.
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Fonte:
Revista Brasileira: Fase VII - Janeiro-Fevereiro-Março 2006 - Ano XII - Nº 46 (Academia Brasileira de Letras)
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