AMOR E RAZÃO
A Alberto Pereira Leite
“Sempre a razão vencida foi de amor.”
Camões
Por que me hei de
importar? Se a Razão pede
Sacrifícios, com
lágrimas os paga.
Se tenho no meu
peito aberta chaga,
Ela nenhum alívio
me concede.
“Para, infeliz!
Alguém teus passos mede...
Se em gozos a tua
alma se embriaga,
Todos os teus
sentidos prende e esmaga,
Que sentir e gozar
o mundo impede!”
“Se tens um
coração e nele oculta
Uma paixão
qualquer, ou triste ou grata,
Fere-o, e no peito
toda a dor sepulta.”
Isto a Razão nos
diz contra a Paixão.
Mas se esta nos dá
vida, e aquela mata,
Que vença o Amor,
e esmague-se a Razão.
FUNESTA
Se passas junto a
mim, eu sinto as vagas
Do fundo oceano da
paixão, rolando,
Quebrarem-se em
meu peito, como quando
Rebentam as do Mar
nas duras fragas.
Da luz do teu
olhar sereno e brando
Toda a minh’alma
docemente alagas;
Se por acaso
ris-te e se me afagas,
Semiânime julgo-me
tombando!
Tens sobre mim a
ação misteriosa
Que sobre o aço
tem o ímã! Cismo
Que já me empolga
a força deliciosa!
Sou presa desse
eterno magnetismo!
E quando tu me
fitas silenciosa,
Sinto que vou
rolar num fundo abismo!
A BORDO
Tu vais! No alto
mar, por sob um céu de anil,
Lúcido e
transparente, infindo e imaculado.
Volve aqui para
nós o semblante magoado,
Lança um último
olhar às costas do Brasil.
Quando a brisa
marinha, indolente e sutil,
A face te oscular
num beijo prolongado,
Lembra-te então de
mim, do pobre desterrado,
Desta ingênua paixão,
tão simples e infantil!
Quando vires voar
os albatrozes brancos,
Com as asas
rasgando os píncaros e os flancos
Das montanhas
azuis do oceano sem fim,
Deixa então a tua
alma atravessar o espaço...
Que ela venha
poisar no meu febril regaço
E chore o teu amor
lembrando-se de mim.
BALADA
A Rodolfo Amoedo
Por noite velha,
no castelo,
Vasto solar de
meus avós,
Foi que eu ouvi,
num ritornelo,
Do pajem loiro a
doce voz.
Corri à ogiva para
vê-lo,
Vitrais de par em
par abri,
E ao ver brilhar o
meu cabelo
Ele sorriu-me, e
eu lhe sorri.
Venceu-me logo um
vivo anelo,
Queimou-me logo um
fogo atroz;
E toda a longa
noite velo,
Pensando em vê-lo
e ouvi-lo a sós.
Triste, sentada no
escabelo,
Só com a aurora
adormeci...
Sonho... e no
sonho, haveis de crê-lo?
Inda o meu pajem
me sorri.
Seguindo a amá-lo,
com desvelo,
Por noite velha um
ano após,
Termina enfim o
meu flagelo,
Felizes fomos
ambos nós...
Como isto foi, nem
sei dizê-lo!
No colo seu
desfaleci...
E alta manhã, no
seu murzelo,
O pajem foge... e
inda sorri.
Dias depois, do
pajem belo,
Junto ao solar
onde eu o ouvi,
Ao golpe horrível
do cutelo,
Rola a cabeça e
inda sorri!...
A RAIVA DE NISE
Ao que eu te digo
de carinho e enleio
Respondes irritada
e desdenhosa?!
Enfim, o espinho é
natural na rosa
E ama a serpe
esconder-se em morno seio.
No meio de um
mirtal em flor, no meio
De uma seara
próvida e viçosa,
Às vezes surge
planta venenosa
E sapos coaxam no
mais claro veio.
Vênus, a doce e
branda, contam poetas,
De onde em onde
também se encoleriza;
Nas flores mesmo
há cóleras secretas.
Raiva, pois, meu
amor pisa e repisa,
Não me arreceio do
furor que afetas:
Que é o vendaval?
a cólera da brisa.
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