DE MANHÃ ACORDO
I
adormeço
e é como se
dissesse
amanhã mudo de
continente
e um deus urdisse
no quintal da
blasfêmia
o núcleo mais de
dentro
do pecado
então Ele virá
sem algebrizar
silogismos
tão mudo quanto
os objetos da casa
desconversará
sombras
e acordarei
como se não
houvesse
um lado sempre
escuro
no hemisfério
da infâmia
II
acordo
e é como se de
noite
palavras virassem
folhas
da árvore no
quintal
sem credo rotinas
deságios
e uma máquina
denunciasse a chuva
com seu
almoxarifado de surpresas
é assim do outro
lado
desse muro
onde cães urinam
segredos
e nos cercam com
suas
garras metálicas
para se fincarem
na carne
e nos extirparem
a pedra do
discernimento
O BICHO NA LAMA
preciso da lama
para dizer que o
bicho mora
no rebordo do
firmamento
e suas entranhas
nutrem
o desconforto da
clorofila
preciso da cinza
para recuperar
o hálito do morto
transformá-lo em
campina
onde pastem
insetos da
nostalgia
preciso da coivara
para alimentar as
folhas
do esquecimento
brandir sozinho
na concavidade do
escuro
o
desalento
ESQUELETO DA RUA DO BOM JESUS
digo bom-dia
ao esqueleto
da rua do Bom
Jesus
como se ele
estivesse
comigo
nessa mesa de bar
olhando o cais
transformar-se
junto às raízes de
seus ossos
um aceno do futuro
mergulhado nas
pedras
entristecidas
dessa tarde do
Recife
E. D.
um gesto de folhas
diz:
o grão de pólen
penetra
no negror da
frase.
fértil
é o silêncio do
sopro:
mesmo
quando tudo é
pedra
côncavo é
o ovo
do
poema.
POEMA SEM NATAL
sem ser natal
ele me deu de
presente
um poema
numa folha de
papel amassado
no qual dizia que
amor
é como muriçoca
que a gente não vê
mas sente
sem ser natal
ele aguardava
que o Menino de
Fernando Pessoa
descesse do Céu
para brincar com
ele
mas isso só existe
em literatura
o menino que me
deu
o poema
vive internado
numa prisão
para
minúsculos
marginais
em vez de Jesus
ele apenas aguarda
o
Juiz de Menores
---
Fonte:
Revista Brasileira: Fase VIII - Abril/Maio/Junho: 2015 - Ano IV - N.o 83
Fonte:
Revista Brasileira: Fase VIII - Abril/Maio/Junho: 2015 - Ano IV - N.o 83
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