quarta-feira, 25 de novembro de 2015

Everardo Norões: "5 Poemas"

DE MANHÃ ACORDO

I
adormeço
e é como se dissesse
amanhã mudo de continente
e um deus urdisse
no quintal da blasfêmia
o núcleo mais de dentro
do pecado
então Ele virá
sem algebrizar silogismos
tão mudo quanto
os objetos da casa
desconversará sombras
e acordarei
como se não houvesse
um lado sempre escuro
no hemisfério
da infâmia

II
acordo
e é como se de noite
palavras virassem folhas
da árvore no quintal
sem credo rotinas deságios
e uma máquina denunciasse a chuva
com seu almoxarifado de surpresas
é assim do outro lado
desse muro
onde cães urinam segredos
e nos cercam com suas
garras metálicas
para se fincarem na carne
e nos extirparem
a pedra do discernimento



O BICHO NA LAMA

preciso da lama
para dizer que o bicho mora
no rebordo do firmamento
e suas entranhas nutrem
o desconforto da clorofila
preciso da cinza
para recuperar
o hálito do morto
transformá-lo em campina
onde pastem
insetos da nostalgia
preciso da coivara
para alimentar as folhas
do esquecimento
brandir sozinho
na concavidade do escuro
o
desalento



ESQUELETO DA RUA DO BOM JESUS

digo bom-dia
ao esqueleto
da rua do Bom Jesus
como se ele estivesse
comigo
nessa mesa de bar
olhando o cais
transformar-se
junto às raízes de seus ossos
um aceno do futuro
mergulhado nas pedras
entristecidas
dessa tarde do Recife



E. D.

um gesto de folhas
diz:
o grão de pólen penetra
no negror da frase.
fértil
é o silêncio do sopro:
mesmo
quando tudo é pedra
côncavo é
o ovo
do
poema.



POEMA SEM NATAL

sem ser natal
ele me deu de presente
um poema
numa folha de papel amassado
no qual dizia que amor
é como muriçoca
que a gente não vê
mas sente
sem ser natal
ele aguardava
que o Menino de Fernando Pessoa
descesse do Céu
para brincar com ele
mas isso só existe
em literatura
o menino que me deu
o poema
vive internado
numa prisão
para
minúsculos marginais
em vez de Jesus
ele apenas aguarda
o
Juiz de Menores

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Fonte:
Revista Brasileira: Fase VIII  - Abril/Maio/Junho: 2015 - Ano IV - N.o 83

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