SUPREMO APELO
Por que
causas, de ti, foge a antiga ventura
E toda, em
ti, se embebe a alma, em fel e vinagre?
Certo, uma
grande dor te fere e te tortura!
— Mas tão
grande, que a grande alma assim te conflagre?
Tanto Sol!
Tanta Luz! E esta treva perdura!
— De um
espírito mau, diabólico milagre —
Mas olha!
Volta à Luz! Volta ao Sol que fulgura
Nos Poemas
que te eu dê, no Amor que te eu consagre!
Vem beber
no meu verso a fortaleza e a vida!...
Vê tu
quanto poder num hemistíquio impera,
E o vigor
que há na rima — arma nunca excedida!...
Vem, que
ao fim da jornada, a glória nos espera!
Vamos! — a
galopar, — em fora! a toda a brida,
Na
esplanada genial do sonho e da quimera!
JEOVÁ E JESUS
Jeová que,
terra ou céu, todo o universo tinha
E lhe
indicava o rumo e lhe traçava o norte,
Era,
segundo a crença, uma força daninha
Que
espalhava o Castigo, a Fome, a Peste, a Morte.
A humana
geração, estúpida e mesquinha,
Quem quer
que hoje a contemple, em místico transporte
Ante o
Deus do Pedrão que na alma se lhe aninha,
Sente
quanto Jesus a fez mais nobre e forte.
Foi
preciso que, humilde, Ele andasse na terra
— Ele que
era do céu, Senhor e Majestade, —
Dizendo
quanto amor o Amor de Deus encerra!
Nasceu
aqui, qual nasce a vil humanidade,
E o que
por nós sofreu ainda hoje nos aterra.
Porém do
Deus Terror fez ele o Deus Piedade!...
NOITE DE INSÔNIA
Este leito
que é o meu, que é o teu, que é o nosso leito,
Onde este
grande amor floriu, sincero e justo,
E unimos,
ambos nós, o peito contra o peito.
Ambos
cheios de anelo e ambos cheios de susto;
Este leito
que aí está revolto assim, desfeito,
Onde
humilde beijei teus pés, as mãos, o busto.
Na
ausência do teu corpo a que ele estava afeito.
Mudou-se,
para mim, num leito de Procusto!...
Louco e
só! Desvairado! A noite vai sem termo
E,
estendendo, lá fora, as sombras augurais.
Envolve a
Natureza e penetra o meu ermo.
E mal
julgas talvez, quando, acaso, te vais,
Quanto me
punge e corta o coração enfermo,
Este
horrível temor de que não voltes mais!...
A CHEGADA
Noite de
chuva tétrica e pressaga.
Da
natureza ao íntimo recesso
Gritos de
augúrio vão, praga por praga,
Cortando a
treva e o matagal espesso.
Montes e
vales, que a torrente alaga,
Venço e à
alimária o incerto passo apresso.
Da última
estrela à réstia Ínfima e vaga
Ínvios
caminhos, trêmulo, atravesso.
Tudo me
envolve em tenebroso cerco
— D' alma
a vida me foge, sonho a sonho,
E a
esperança de vê-Ia quase perco.
Mas numa
volta, súbito, da estrada
Surge, em
auréola, o seu perfil risonho,
Ao clarão
da varanda iluminada!
TARDE NA PRAIA
A Leal de Sousa
Quando, à
primeira vez, lhe via grandeza,
Foi nos
tempos da longe meninice.
E
quedei-me à mudez de quem sentisse
A alma de pasmos e terrores presa.
Depois, na
mocidade, a olhá-lo, disse:
É moço o
mar na força e na beleza!
Mas, ao
dia apagado e à noite acesa,
Hoje o
sinto entre as brumas da velhice.
Distanciado
de escarpas e barrancos,
Vejo-o a
morrer-me aos pés, calmo, ao abrigo
Das
grandes fúrias e os hostis arrancos.
E ao
contemplá-lo assim, tristonho digo,
Vendo-lhe,
à espuma, os meus cabelos brancos:
O velho
mar envelheceu comigo!
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Fonte
"Toda a Poesia: Antologia Poética". Poeteiro Editor Digital. São Paulo, 2015.
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