quinta-feira, 12 de novembro de 2015

Emílio de Menezes: "5 Poemas"

SUPREMO APELO

Por que causas, de ti, foge a antiga ventura
E toda, em ti, se embebe a alma, em fel e vinagre?
Certo, uma grande dor te fere e te tortura!
— Mas tão grande, que a grande alma assim te conflagre?

Tanto Sol! Tanta Luz! E esta treva perdura!
— De um espírito mau, diabólico milagre —
Mas olha! Volta à Luz! Volta ao Sol que fulgura
Nos Poemas que te eu dê, no Amor que te eu consagre!
Vem beber no meu verso a fortaleza e a vida!...

Vê tu quanto poder num hemistíquio impera,
E o vigor que há na rima — arma nunca excedida!...
Vem, que ao fim da jornada, a glória nos espera!
Vamos! — a galopar, — em fora! a toda a brida,
Na esplanada genial do sonho e da quimera!



JEOVÁ E JESUS

Jeová que, terra ou céu, todo o universo tinha
E lhe indicava o rumo e lhe traçava o norte,
Era, segundo a crença, uma força daninha
Que espalhava o Castigo, a Fome, a Peste, a Morte.

A humana geração, estúpida e mesquinha,
Quem quer que hoje a contemple, em místico transporte
Ante o Deus do Pedrão que na alma se lhe aninha,
Sente quanto Jesus a fez mais nobre e forte.

Foi preciso que, humilde, Ele andasse na terra
— Ele que era do céu, Senhor e Majestade, —
Dizendo quanto amor o Amor de Deus encerra!
Nasceu aqui, qual nasce a vil humanidade,

E o que por nós sofreu ainda hoje nos aterra.
Porém do Deus Terror fez ele o Deus Piedade!...



NOITE DE INSÔNIA

Este leito que é o meu, que é o teu, que é o nosso leito,
Onde este grande amor floriu, sincero e justo,
E unimos, ambos nós, o peito contra o peito.
Ambos cheios de anelo e ambos cheios de susto;

Este leito que aí está revolto assim, desfeito,
Onde humilde beijei teus pés, as mãos, o busto.
Na ausência do teu corpo a que ele estava afeito.
Mudou-se, para mim, num leito de Procusto!...

Louco e só! Desvairado! A noite vai sem termo
E, estendendo, lá fora, as sombras augurais.
Envolve a Natureza e penetra o meu ermo.

E mal julgas talvez, quando, acaso, te vais,
Quanto me punge e corta o coração enfermo,
Este horrível temor de que não voltes mais!...



A CHEGADA

Noite de chuva tétrica e pressaga.
Da natureza ao íntimo recesso
Gritos de augúrio vão, praga por praga,
Cortando a treva e o matagal espesso.

Montes e vales, que a torrente alaga,
Venço e à alimária o incerto passo apresso.
Da última estrela à réstia Ínfima e vaga
Ínvios caminhos, trêmulo, atravesso.

Tudo me envolve em tenebroso cerco
— D' alma a vida me foge, sonho a sonho,
E a esperança de vê-Ia quase perco.

Mas numa volta, súbito, da estrada
Surge, em auréola, o seu perfil risonho,
Ao clarão da varanda iluminada!



TARDE NA PRAIA
A Leal de Sousa

Quando, à primeira vez, lhe via grandeza,
Foi nos tempos da longe meninice.
E quedei-me à mudez de quem sentisse
A alma de pasmos e terrores presa.

Depois, na mocidade, a olhá-lo, disse:
É moço o mar na força e na beleza!
Mas, ao dia apagado e à noite acesa,
Hoje o sinto entre as brumas da velhice.

Distanciado de escarpas e barrancos,
Vejo-o a morrer-me aos pés, calmo, ao abrigo
Das grandes fúrias e os hostis arrancos.

E ao contemplá-lo assim, tristonho digo,
Vendo-lhe, à espuma, os meus cabelos brancos:

O velho mar envelheceu comigo!



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Fonte
"Toda a Poesia: Antologia Poética". Poeteiro Editor Digital. São Paulo, 2015.

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