sábado, 21 de novembro de 2015

Félix Pacheco: "5 Poemas"

DO CIMO DA MONTANHA 

Musa, para um momento aqui, musa severa!
Olha deste alto cimo a Pátria, o Sonho, a Vida...
Mede toda a extensão imensa percorrida,
E o presente, e o porvir esmiúça, e considera! 

Interpreta, na estrofe, a saudade sincera,
E realça, firme, o traço à página esquecida!
Canta a luz que te doura, e estende-a, refletida,
Sobre os rincões natais, que tua alma venera!

Mas grava tudo lenta, unindo, com orgulho,
O esto dos palmerais, e a harmonia dos trenos,
Como na relação do efeito para as causas... 

Junta o carme à epopeia, enlaça o grito e o arrulho,
E os quarenta anos teus se fixarão, serenos,
Num longo beijo quente, ampliado em sóis e em pausas...



ÂNSIA DA LUZ

Há milênios talvez, ó grande sol fecundo,
Aqui me abandonaste, esquecido das eras.
Por que tardas assim? Por quê? Por quem esperas?
Que força te detém do outro lado do mundo?

Enquanto, sobre o teu plaustro de ouro, errabundo,
A antípoda feliz, cheia de azuis quimeras,
Percorres com amor, e espalhas primaveras,
Na longa noite atroz cada vez mais me afundo.

Em vão mergulho o olhar nas sombras do levante.
Não regressas jamais do hemisfério distante,
E eu sucumbo de frio e angústia aqui no inverno. 

Sinto que cambaleio, e ando como que às cegas
O dia, a vida, a luz, ó sol, por que me negas?
Por que foges de mim, ó grande sol eterno?



SE SOUBESSES...

Ah se soubesses quanto choro ao vê-las,
Estas lembranças do passado extinto!...
São visões de necrópole que sinto.
Fugiu-me o sol, fugiram-me as estrelas. 

Estes cartões terníssimos; aquelas
Cartas cheias de amor, nas quais não minto
E onde infantil e ingenuamente pinto
Inventadas, fantásticas querelas; 

Se tu soubesses com que dor enorme
Estes papéis amarelados leio,
A mágoa que me oprime ao ver que dorme 

Toda a antiga paixão de que te esqueces;
Se imaginasses o meu duro anseio
E visses o que sofro, ah! se soubesses...



O POETA E O TEMPO 

São sempre iguais na idade os deuses e as quimeras.
O poeta é um deus também. Pertence-lhe o infinito.
Perdido na amplidão sempiterna do mito,
Fica de todo alheio ao desfilar das eras. 

Sucumbam gerações no círculo restrito
E passem, no vaivém sem fim, as primaveras.
O poeta há de viver, para além das esferas,
Esquecido e imortal, todo entregue ao seu rito. 

Eclípticas de sóis, movimentos dos astros,
Outonos e verões correndo atrás de invernos,
Tudo isso diz que o mundo anda também de rastros. 

A própria formosura é vã nesses infernos:
O sepulcro dispersa em pó os alabastros.
Unicamente Deus e o Poeta são eternos.



MUSA DECADENTE 

Eis morto o redolente e constelado outono,
Que conservava ainda a glória do teu seio.
Triste, desolador, implacável e feio,
O inverno, ei-lo aí está, núncio do eterno sono. 

Não mais no corpo ideal o majestoso entono.
Sem fulgores, o olhar, que do Olimpo te veio,
Não será, como outrora, indiferente e alheio
A quem contigo sofre o horror desse abandono. 

Há de seguir-te sempre um sol de primavera.
Celebrarei no verso amoroso e vibrante
O baquear dos torreões do encantado castelo. 

Teu inverno há de ter, como o outono tivera,
Ó helianto que murcha, ó astro agonizante,
O tumultuoso amor dramático do Otelo!

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