quinta-feira, 12 de novembro de 2015

Diogo Bernardes: "5 Poemas"

JÁ NÃO POSSO SER CONTENTE

Já não posso ser contente,
Tenho a esperança perdida,
Ando perdido entre a gente,
Nem morro, nem tenho vida.

Prazeres que tenho visto
Onde se foram, que é deles,
Fora-se a vida com eles
Não ma vira agora nisto,
Vejo-me andar entre a gente
Como coisa esquecida,
Eu triste, outrém contente,
Eu sem vida, outrém com vida.

Vieram os desenganos,
Acabaram os receios;
Agora choro meus danos,
E mais choro bens alheios;
Passou o tempo contente,
E passou tão de corrida,
Que me deixou entre a gente
Sem esperança de vida.

 

SONETO

Leandro em noite escura ia rompendo
As altas ondas, delas rodeado
No meio do Helesponto, já cansado,
E o fogo já na torre morto vendo;

E vendo cada vez ir mais crescendo
O bravo vento, e o mar mais levantado;
De suas forças já desconfiado,
Os rogos quis provar, não lhe valendo.

"Ai ondas!" (suspirando começou):
Mas delas, sem lhe mais alento dar,
A fala contrastada, atrás tornou.

"Ai ondas! (outra vez diz) vento, mar,
Não me afogueis, vos rogo, enquanto vou;
Afogai-me depois quando tornar".



EPIGRAMA

Com qual amor, ó sumo amador nosso,
com qual sangue que tenha derramado,
vosso amor, vosso sangue pagar posso,
um aceso por mim, outro esgotado,
senão com vosso amor, c’o sangue vosso,
pois para vô-lo dar mo tendes dado?
Por tal razão vos dou, meu Redentor,
por meu o vosso sangue, o vosso amor.



OUTRO SONETO ÀS CHAGAS

Ó chagas de Jesu, doce memória
de sua sacratíssima Paixão!
Ó nossa copiosa redenção,
certo penhor do céu, chaves da glória!

Ó insígnias da mais alta vitória
que se no mundo viu depois que Adão
ao defeso pomo ergueu a mão,
pena que pagou culpa tão notória!

Aquela dor imensa que sentiram
convosco os membros seus, chagas serenas,
fazei que chore e cante, escreva e sinta.
Papel seja a minha alma, sejam penas
os três cravos cruéis que vos abriram,
tinteiro o lado seja, o sangue tinta.



ELEGIA NO TEMPO DO MAL

Quem, ó Senhor do céu, de tanta culpa
se vê que está cercado, que não tem
em cem mil erros ūa só desculpa,

onde se acolherá, Senhor, ou a quem,
se a vós, de quem se teme, não tornar?
No mundo poder-lhe-á valer alguém?

Em que alta serra, em que profundo mar
pode dos vossos olhos esconder-se?
Onde de vossas mãos pode escapar?

Se quer fugir de vós para valer-se,
não lhe sinto lugar melhor guardado
que dentro em vossas chagas recolher-se.

Esconda-se de vós no vosso lado,
não cure de buscar outro deserto
nem outro mais seguro povoado.

Da vossa ira, Senhor, tudo está perto,
só dela longe está ūa alma pura
que não sofre na vida desconcerto.

Nos mores medos anda mais segura,
pondo os olhos em vós despreza a vida,
vós sua vida sois, outra não cura.

Mas a minha, na culpa endurecida,
que tanto de contino vos ofende,
ingrata a vosso amor, desconhecida,

vendo por quantas partes já se estende
deste fogo mortal a mortal chama,
de vós tão apartada, que pretende?

Como tão seca está que não derrama
lágrimas noite e dia em que se lave?
Como de vós amada vos não ama?

Ah! lance já de si o jugo grave
dos graves erros seus, o vosso tome;
o vosso, ó bom Jesu, leve e suave.

Quebrante no poder do vosso nome
do seu mortal imigo a fortaleza.
Com vossa graça sua malícia dome,

que sem ela, Senhor, tudo é fraqueza,
e basta a nos vencer sem vossa ajuda
a nossa, inda que fraca, natureza;

a qual nunca granjeia, nunca estuda
senão em comprazer ao vão desejo
que de um em outro mal mil vezes muda.

Se eu isto de mi sei, se entre nós vejo
da morte um e outro arrebatado,
porque deixando a vós por mi me rejo?

Quem seguro me dá que em tal estado
primeiro não acabe a fraca vida
que deixe de seguir seu curso errado?

Ah! Senhor, pois a vossa oferecida
por mim foi num madeiro entre vil gente,
não me deixeis de mi ser homicida.

Não permitais que corte de repente
a dura Parca o fio de meus dias
gastado até’gora inutilmente.

Primeiro estas entranhas, que tão frias
em vosso amor estão, nele se inflamem;
primeiro de outro fuja as tiranias.

Primeiro tantas lágrimas derramem
meus olhos por vos ter errado tanto,
que fontes e não já olhos se chamem.

Enfim, primeiro deixe tudo quanto
de vós, meu Deus, me aparta, e me desvia
de dar a vós meu choro, a vós meu canto.

Torne da noute escura ao claro dia
primeiro que de todo me anouteça
e se torne esta terra à terra fria.

Nesta alma que anda em trevas amanheça
vossa divina luz, onde sem fim
diante de vossos olhos resplandeça,

por vós cobrando o que perdi por mim.



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Fonte
"Toda a Poesia: Antologia Poética". Poeteiro Editor Digital. São Paulo, 2015.

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