JÁ NÃO POSSO SER CONTENTE
Já não
posso ser contente,
Tenho a
esperança perdida,
Ando
perdido entre a gente,
Nem morro,
nem tenho vida.
Prazeres que
tenho visto
Onde se
foram, que é deles,
Fora-se a
vida com eles
Não ma
vira agora nisto,
Vejo-me
andar entre a gente
Como coisa
esquecida,
Eu triste,
outrém contente,
Eu sem
vida, outrém com vida.
Vieram os
desenganos,
Acabaram
os receios;
Agora
choro meus danos,
E mais
choro bens alheios;
Passou o
tempo contente,
E passou
tão de corrida,
Que me
deixou entre a gente
Sem
esperança de vida.
SONETO
Leandro em
noite escura ia rompendo
As altas
ondas, delas rodeado
No meio do
Helesponto, já cansado,
E o fogo
já na torre morto vendo;
E vendo
cada vez ir mais crescendo
O bravo
vento, e o mar mais levantado;
De suas
forças já desconfiado,
Os rogos
quis provar, não lhe valendo.
"Ai
ondas!" (suspirando começou):
Mas delas,
sem lhe mais alento dar,
A fala contrastada,
atrás tornou.
"Ai
ondas! (outra vez diz) vento, mar,
Não me
afogueis, vos rogo, enquanto vou;
Afogai-me
depois quando tornar".
EPIGRAMA
Com qual
amor, ó sumo amador nosso,
com qual
sangue que tenha derramado,
vosso
amor, vosso sangue pagar posso,
um aceso
por mim, outro esgotado,
senão com
vosso amor, c’o sangue vosso,
pois para
vô-lo dar mo tendes dado?
Por tal
razão vos dou, meu Redentor,
por meu o
vosso sangue, o vosso amor.
OUTRO SONETO ÀS CHAGAS
Ó chagas
de Jesu, doce memória
de sua sacratíssima
Paixão!
Ó nossa
copiosa redenção,
certo
penhor do céu, chaves da glória!
Ó
insígnias da mais alta vitória
que se no
mundo viu depois que Adão
ao defeso
pomo ergueu a mão,
pena que
pagou culpa tão notória!
Aquela dor
imensa que sentiram
convosco
os membros seus, chagas serenas,
fazei que
chore e cante, escreva e sinta.
Papel seja
a minha alma, sejam penas
os três
cravos cruéis que vos abriram,
tinteiro o
lado seja, o sangue tinta.
ELEGIA NO TEMPO DO MAL
Quem, ó
Senhor do céu, de tanta culpa
se vê que
está cercado, que não tem
em cem mil
erros ūa só desculpa,
onde se
acolherá, Senhor, ou a quem,
se a vós,
de quem se teme, não tornar?
No mundo
poder-lhe-á valer alguém?
Em que
alta serra, em que profundo mar
pode dos
vossos olhos esconder-se?
Onde de
vossas mãos pode escapar?
Se quer
fugir de vós para valer-se,
não lhe
sinto lugar melhor guardado
que dentro
em vossas chagas recolher-se.
Esconda-se
de vós no vosso lado,
não cure
de buscar outro deserto
nem outro
mais seguro povoado.
Da vossa
ira, Senhor, tudo está perto,
só dela
longe está ūa alma pura
que não
sofre na vida desconcerto.
Nos mores
medos anda mais segura,
pondo os
olhos em vós despreza a vida,
vós sua
vida sois, outra não cura.
Mas a
minha, na culpa endurecida,
que tanto
de contino vos ofende,
ingrata a
vosso amor, desconhecida,
vendo por
quantas partes já se estende
deste fogo
mortal a mortal chama,
de vós tão
apartada, que pretende?
Como tão
seca está que não derrama
lágrimas
noite e dia em que se lave?
Como de
vós amada vos não ama?
Ah! lance
já de si o jugo grave
dos graves
erros seus, o vosso tome;
o vosso, ó
bom Jesu, leve e suave.
Quebrante
no poder do vosso nome
do seu
mortal imigo a fortaleza.
Com vossa
graça sua malícia dome,
que sem
ela, Senhor, tudo é fraqueza,
e basta a
nos vencer sem vossa ajuda
a nossa,
inda que fraca, natureza;
a qual
nunca granjeia, nunca estuda
senão em
comprazer ao vão desejo
que de um
em outro mal mil vezes muda.
Se eu isto
de mi sei, se entre nós vejo
da morte
um e outro arrebatado,
porque
deixando a vós por mi me rejo?
Quem
seguro me dá que em tal estado
primeiro
não acabe a fraca vida
que deixe
de seguir seu curso errado?
Ah!
Senhor, pois a vossa oferecida
por mim
foi num madeiro entre vil gente,
não me
deixeis de mi ser homicida.
Não
permitais que corte de repente
a dura
Parca o fio de meus dias
gastado
até’gora inutilmente.
Primeiro
estas entranhas, que tão frias
em vosso
amor estão, nele se inflamem;
primeiro
de outro fuja as tiranias.
Primeiro
tantas lágrimas derramem
meus olhos
por vos ter errado tanto,
que fontes
e não já olhos se chamem.
Enfim,
primeiro deixe tudo quanto
de vós,
meu Deus, me aparta, e me desvia
de dar a
vós meu choro, a vós meu canto.
Torne da
noute escura ao claro dia
primeiro
que de todo me anouteça
e se torne
esta terra à terra fria.
Nesta alma
que anda em trevas amanheça
vossa
divina luz, onde sem fim
diante de
vossos olhos resplandeça,
por vós
cobrando o que perdi por mim.
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Fonte
"Toda a Poesia: Antologia Poética". Poeteiro Editor Digital. São Paulo, 2015.
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