NAS NOSSAS RUAS, AO ANOITECER
Nas nossas
ruas, ao anoitecer,
Há tal
soturnidade, há tal melancolia,
Que as
sombras, o bulício, o Tejo, a maresia
Despertam-me
um desejo absurdo de sofrer
EU QUE SOU FEIO, SÓLIDO, LEAL
Eu que sou
feio, sólido, leal,
A ti, que
és bela, frágil, assustada,
Quero
estimar-te, sempre, recatada
Numa
existência honesta, de cristal.
Sentado à
mesa de um café devasso,
Ao
avistar-te, há pouco fraca e loura,
Nesta
babel tão velha e corruptora,
Tive
tenções de oferecer-te o braço.
E, quando
socorrestes um miserável,
Eu, que
bebia cálices de absinto,
Mandei ir
a garrafa, porque sinto
Que me
tornas prestante, bom, saudável.
“Ela aí
vem!” disse eu para os demais;
E pus me a
olhar, vexado e suspirando,
O teu
corpo que pulsa, alegre e brando,
Na
frescura dos linhos matinais.
Via-te
pela porta envidraçada;
E
invejava, - talvez que não o suspeites! -
Esse
vestido simples, sem enfeites,
Nessa
cintura tenra, imaculada.
***
Soberbo
dia! Impunha-me respeito
A limpidez
do teu semblante grego;
E uma
família, um ninho de sossego,
Desejava
beijar o teu peito.
Com
elegância e sem ostentação,
Atravessavas
branca, esbelta e fina,
Uma chusma
de padres de batina,
E de altos
funcionários da nação.
“Mas se a
atropela o povo turbulento!
Se fosse,
por acaso, ali pisada!”
De
repente, parastes embaraçada
Ao pé de
um numeroso ajuntamento,
E eu, que
urdia estes frágeis esbocetos,
Julguei
ver, com a vista de poeta,
Um
pombinha tímida e quieta
Num bando
ameaçador de corvos pretos.
E foi,
então que eu, homem varonil,
Quis
dedicar-te a minha pobre vida,
A ti, que
és tênue, dócil, recolhida,
Eu, que sou
hábil, prático, viril.
E, ENORME, NESTA MASSA IRREGULAR
E, enorme,
nesta massa irregular
De prédios
sepulcrais, com dimensões de montes,
A Dor
humana busca os amplos horizontes,
E tem
marés de fel como um sinistro mar!
DE TARDE
Naquele
“pic-nic” de burguesas,
Houve uma
coisa simplesmente bela,
E que, sem
ter história nem grandezas,
Em todo o
caso dava uma aguarela.
Foi quando
tu, descendo do burrico,
Foste
colher, sem imposturas tolas,
A um
granzoal azul de grão-de-bico
Um
ramalhete rubro de papoulas.
Pouco
depois, em cima duns penhascos,
Nós
acampamos, inda o sol se via;
E houve
talhadas de melão, damascos,
E pão de
ló molhado em malvasia.
Mas, todo
púrpuro, a sair da renda
Dos teus
dois seios como duas rolas,
Era o
supremo encanto da merenda
O
ramalhete rubro das papoulas.
DESLUMBRAMENTOS
Milady, é
perigoso contemplá-la
Quando
passa aromática e normal,
Com seu
tipo tão nobre e tão de sala,
Com seus
gestos de neve e de metal.
Sem que
nisso a desgoste ou desenfade,
Quantas
vezes, seguindo-lhes as passadas,
Eu vejo-a,
com real solenidade,
Ir impondo
toilettes complicadas!…
Em si tudo
me atrai como um tesoiro:
O seu ar
pensativo e senhoril,
A sua voz
que tem um timbre de oiro
E o seu
nevado e lúcido perfil!
Ah! Como
me estonteia e me fascina…
E é, na
graça distinta do seu porte,
Como a
Moda supérflua e feminina,
E tão alta
e serena como a Morte!…
Eu ontem
encontrei-a, quando vinha,
Britânica,
e fazendo-me assombrar;
Grande
dama fatal, sempre sozinha,
E com
firmeza e música no andar!
O seu olhar
possui, num jogo ardente,
Um arcanjo
e um demônio a iluminá-lo;
Como um
florete, fere agudamente,
E afaga
como o pelo dum regalo!
Pois bem.
Conserve o gelo por esposo,
E mostre,
se eu beijar-lhe as brancas mãos,
O modo
diplomático e orgulhoso
Que Ana de
Áustria mostrava aos cortesãos.
E enfim
prossiga altiva como a Fama,
Sem
sorrisos, dramática, cortante;
Que eu
procuro fundir na minha chama
Seu ermo
coração, como a um brilhante.
Mas
cuidado, milady, não se afoite,
Que hão de
acabar os bárbaros reais;
E os povos
humilhados, pela noite,
Para a
vingança aguçam os punhais.
E um dia,
ó flor do Luxo, nas estradas,
Sob o
cetim do Azul e as andorinhas,
Eu hei de
ver errar, alucinadas,
E
arrastando farrapos - as rainhas!
---
Fonte
"Toda a Poesia: Antologia Poética". Poeteiro Editor Digital. São Paulo, 2015.
Nenhum comentário:
Postar um comentário