domingo, 15 de novembro de 2015

Artur da Távola: "5 Poemas"

RETRATO

A dolorosa
e lenta
refeição do velho.
Sopas e papas insepultas
voracidade morta
lassa obrigação de alimentar.

Saliva é cuspe
o cuspe é baba
na dócil refeição do velho.

A lentidão exasperante
de quem come para não morrer
e morrerá porém. Só

A dolorosa
e benta
refeição do velho.

A carne insulta-lhe
a indecisão do dente,
dor e cansaço no deglutir.

Tudo é torpor ou gole
na fome sem sabor
da refeição do velho.



AUTISMO

O tédio que não revelo
resvala e vala na taquicardia
do sorriso emoliente
em minha ativa participação.
A morte, amiga de infância,
palpita vida na força do meu viver.
Sou segredos, dons, acasos e órfão,
silenciados em músicas e pickles.
Meu menino, a cirurgia, aquele cão, o não,
a morte do pai e minha irmã
moram anônimos
no quarto e sala da alma.
Falo o que calo
sinto o que guardo
sob outro eu igual ao mim
bem melhor, porém.
Mas autista.
O sexo implícito, o tesão abissal,
a gula mamada,
a timidez flatulenta,
jazem no fundo do meu mar.
Escafandro-me, debalde.
Calo constatações,
blasono brilhos
suicido sonhos,
calafrio-me a colher náuseas
e navego fés esperançosas.
Sou sem teto de onde salto
para o chão do não ser.
Minha blandícia
quem acarinhará?



PELAS RUAS

Passeio-me o eu
pelas calçadas da memória
onde a decadência não chegou
e aquele rapaz amoroso e bom
ainda faz serão e vestibular
para viver a vida ou morte
mas desafiar interrogações
básicas do ser.

Passeio-me o mim
deambular fugidio
de tanta vida não vivida
exceto nas paralelas
onde o ser se revela
e faz o que não viveu
ser memória ram
oculta no computador biografia
mas impressa no cine saudade
e na pulsação esta
que agora me asfalta o peito
e povoa o estro ordinário.



ATO DE CONTRIÇÃO

Ah, como somos comedidos!
Acomodamo-nos, vãos,
nos limites do concebido.

Somos bem educados, cultos,
e ruge tanta fome
nos apetites fora do concedido.

Ah, como somos sob medida!
sub metidos, hirtos, bem vestidos,
robôs impecáveis, ilusão de vida.

Ah, somos como os subvertidos,
introvertida soma de extrovertidos
por pompa, tinta, arroto ou brilhantina.

Filhos do instante, do entanto e do porém,
somos através, como os vidros,
mas opacos e pervertidos, sempre aquém.

Traçamos sinas e abstrações,
terçamos ódio finos, dissuadidos,
lãs de olvido e alucinações.

Sovamos os sidos, os vividos,
somos eiva, disfarce, diluição.
Somos somas a subtrações.



POEMA PARA GATOS

Silêncio,
eis a tarefa
de todos os gatos.
Poucos sabem perscrutar
(talvez ninguém em plenitude)
o grau de solidão necessária
ao saber auto suficiente
para ser felino e doméstico
em sua tarefa de monge
guardião do inextricável
em quem o homem não percebe
a metafísica natural,
recolhimento
saber
sensualidade
e aceitação.

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