RETRATO
A dolorosa
e lenta
refeição do velho.
Sopas e papas
insepultas
voracidade morta
lassa obrigação de
alimentar.
Saliva é cuspe
o cuspe é baba
na dócil refeição
do velho.
A lentidão
exasperante
de quem come para
não morrer
e morrerá porém.
Só
A dolorosa
e benta
refeição do velho.
A carne
insulta-lhe
a indecisão do
dente,
dor e cansaço no
deglutir.
Tudo é torpor ou
gole
na fome sem sabor
da refeição do
velho.
AUTISMO
O tédio que não
revelo
resvala e vala na
taquicardia
do sorriso
emoliente
em minha ativa
participação.
A morte, amiga de
infância,
palpita vida na
força do meu viver.
Sou segredos,
dons, acasos e órfão,
silenciados em
músicas e pickles.
Meu menino, a
cirurgia, aquele cão, o não,
a morte do pai e
minha irmã
moram anônimos
no quarto e sala
da alma.
Falo o que calo
sinto o que guardo
sob outro eu igual
ao mim
bem melhor, porém.
Mas autista.
O sexo implícito,
o tesão abissal,
a gula mamada,
a timidez
flatulenta,
jazem no fundo do
meu mar.
Escafandro-me,
debalde.
Calo constatações,
blasono brilhos
suicido sonhos,
calafrio-me a
colher náuseas
e navego fés
esperançosas.
Sou sem teto de
onde salto
para o chão do não
ser.
Minha blandícia
quem acarinhará?
PELAS RUAS
Passeio-me o eu
pelas calçadas da
memória
onde a decadência
não chegou
e aquele rapaz
amoroso e bom
ainda faz serão e
vestibular
para viver a vida
ou morte
mas desafiar
interrogações
básicas do ser.
Passeio-me o mim
deambular fugidio
de tanta vida não
vivida
exceto nas
paralelas
onde o ser se
revela
e faz o que não
viveu
ser memória ram
oculta no
computador biografia
mas impressa no
cine saudade
e na pulsação esta
que agora me
asfalta o peito
e povoa o estro
ordinário.
ATO DE CONTRIÇÃO
Ah, como somos
comedidos!
Acomodamo-nos,
vãos,
nos limites do
concebido.
Somos bem
educados, cultos,
e ruge tanta fome
nos apetites fora
do concedido.
Ah, como somos sob
medida!
sub metidos,
hirtos, bem vestidos,
robôs impecáveis,
ilusão de vida.
Ah, somos como os
subvertidos,
introvertida soma
de extrovertidos
por pompa, tinta,
arroto ou brilhantina.
Filhos do
instante, do entanto e do porém,
somos através,
como os vidros,
mas opacos e
pervertidos, sempre aquém.
Traçamos sinas e
abstrações,
terçamos ódio
finos, dissuadidos,
lãs de olvido e
alucinações.
Sovamos os sidos,
os vividos,
somos eiva, disfarce,
diluição.
Somos somas a
subtrações.
POEMA PARA GATOS
Silêncio,
eis a tarefa
de todos os gatos.
Poucos sabem
perscrutar
(talvez ninguém em
plenitude)
o grau de solidão
necessária
ao saber auto
suficiente
para ser felino e
doméstico
em sua tarefa de
monge
guardião do
inextricável
em quem o homem
não percebe
a metafísica
natural,
recolhimento
saber
sensualidade
e aceitação.
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