PAZ AOS MORTOS
Detestei sempre os
arquitetos de infinito:
como é feio fugir
quando nos espera a vida!
Nunca tive
saudades do futuro
e o passado... o
passado vivi-o, que fazer?!
- e não gosto que
me ordenem venerá-los
se eu todo não
basto a encher este presente.
Não tenho remorsos
do passado. O que vivi, vivi.
Tenho, talvez,
desprezo
por esta débil
haste que raramente soube
merecer os dons da
vida,
e se ficava
hesitante
na hora de passar
da imaginação à vida.
As pazadas de
terra cobrindo o que já fui
sabem mal, às
vezes; noutros dias
deliro quando
lanço à vala um desses seres tristonhos
que outrora fui,
sem querer.
MADRUGADA
Ah! Este poema das
madrugadas,
que há tanto tempo
enrodilhado
num sem-fim de
estados de alma
me obcecava,
tirânico,
sem se deixar
fixar! ...
Madrugada... e
esta solidão crescendo,
esta nostalgia
maior, e maior, e maior,
de não se sabe o
quê
— nunca se sabe o
quê...
que haverá nestas
horas sozinhas e geladas,
para assim trazer
à tona as indefinidas mágoas,
as saudades e as
ânsias sem motivo
— de que não
sabemos o motivo?...
Vieram as saudades
do tempo de menino
— ou dum paraíso
lá não sei onde?
Ah! que fantasmas
pesaram sobre os ombros,
que sombras
desceram sobre os olhos,
que tristeza maior
fez maior o silêncio?
A que vem esse
calor distante e absorto,
esse calar, esses
modos distraídos?
Meu pobre
sonhador! a esta hora
porventura se
desvenda a Suprema Inutilidade?
e a definitiva
ilusão de tantos gestos?
Interroga,
interroga...
vai sonhando,
sem que saibas
sequer o caminho que segues
vai, distraído e
pensativo,
alheio de hoje,
vivendo já o
derradeiro segundo...
Que a madrugada
tem o pungir das agonias,
mas alheio, como o
fim dum pesadelo...
AURORA
A poesia não é voz
- é uma inflexão.
Dizer, diz tudo a
prosa. No verso
nada se acrescenta
a nada, somente
um jeito
impalpável dá figura
ao sonho de cada
um, expectativa
das formas por
achar. No verso nasce
à palavra uma
verdade que não acha
entre os escombros
da prosa o seu caminho.
E aos homens um
sentido que não há
nos gestos nem nas
coisas:
vôo sem pássaro
dentro.
VEM VENTO, VARRE
Vem vento, varre
sonhos e mortos.
Vem vento, varre
medos e culpas.
Quer seja dia,
quer faça treva,
varre sem pena,
leva adiante
paz e sossego,
leva contigo
noturnas preces,
presságios
fúnebres,
pávidos rostos
só covardia.
Que fique apenas
ereto e duro
o tronco estreme
de raiz funda.
Leva a doçura,
se for preciso:
ao canto fundo
basta o que basta.
Vem vento, varre!
AÇO
Quebre-se de
encontro à dureza das arestas
cada desregrada
ilusão da minha vida.
Que os bichos vão
roendo o vão caruncho
da inútil poeira
de astros que imagino.
Que — sei-o bem! —
lá no mais fundo,
forte e
imarcescível sob os golpes
resiste a minha
força verdadeira.
E o poema sempre
novo no meu sangue
conhece também sua
glória de aço
que vê sem dor as
pobres farsas
e os caminhos
cruéis em que me perco.
Veio da luz
inutilizando os laços
armados no caminho
à minha espera,
mão de ferro
erguendo-se dos limbos
e mandando-me
fitar o sol em face!
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