sexta-feira, 27 de novembro de 2015

Antônio Osório: "5 Poemas"

ELEGIA PARA MÁRIO QUINTANA, VIVO

Antes que escape
e não adivinhe o exacto momento,
antecipo-me a Sua Ex.a
e auguro-lhe, tarde, a vida eterna.

Já agora, continue os seus
Apontamentos de História Sobrenatural:
por porta travessa faça chegar
o Manual do Perfeito Abismo.

E fale dessa história obsessiva
do cricrilar dos grilos
(parecido com o cantarolar
dos seus vermes?)
Diga ao menos se conseguiu
encontrar Botticelli,
de quem o senhor descende:
entreajudem-se.

E, se a coisa o não embaraçar,
ilumine-nos com a enormidade
da sapiência divina.
Peça-lhe (é preciso audácia
com Deus) que assine
a sua ordem de expulsão
– e volte, gestante,
pelo túnel de outra vida.

  

ALDEIA DE IRMÃOS

Ao pé dos eucaliptos,
do lavadouro, as casas.
Capela fechada, oficiantes ratos,
e cães, patos, galos
na rua e a dormir dentro,
individuais, sub-reptícios.

E doentes, cavadores, crianças
sonhando com ninhos destruídos.
Longe, na paróquia o cemitério.

Em torno vinhas, olivais,
irmãos uns dos outros
como tijolos dentro da parede.
E no Inverno o canto
da lenha exorbitando na lareira,
a queimar, a queimar a cinza por debaixo



FALA O TRACTOR

Não gosto deste perfil de gafanhoto.
Constante sou, trepido, usam-me,
servo da gleba. Rasgo e acamo,
tenho um veio de dolorosa, serena
transmissão. Custa levar de rojo
uma vaca à cova. Esmaguei já
uma perna. Detesto o peso do reboque.
Cinco anos e ainda não percebo estas
sujas peças que rodam em mim.
A escavadora, ao menos, uiva
(amo-a). Não me agrada a sucata.



LARVA

Larva processionária
dos pinheiros, que dizer
de sua sagacidade?
Que réquiem celebra
sobre a areia e caruma estival?
A quem serve, qual o dragão
sassânida que rege a sua paciência?
De que pacto indigno
foi vítima? Quem ama
fora das suas destruições?
Onde escolhe o túmulo? Na resina
ficará embebida? Quem decide
do último segundo de uma larva?



OS LOUCOS

Há vários tipos de louco.

O hitleriano, que barafusta.
O solícito, que dirige o trânsito.
O maníaco fala – só.

O idiota que se baba,
explicado pelo psiquiatra gago.
O legatário de outros,
o que nos governa.

O depressivo que salva
o mundo. Aqueles que o destroem.

E há sempre um
(o mais intratável) que não desiste
e escreve versos.

Não gosto destes loucos.
(Torturados pela escuridão, pela morte?)
Gosto desta velha senhora
que ri, manso, pela rua, de felicidade.


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Fonte:
Revista Brasileira: Fase VII - Julho-Agosto-Setembro 2009 - Ano XV - Nº 60 - (Academia Brasileira de Letras - ABL)

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