ELEGIA PARA MÁRIO QUINTANA, VIVO
Antes que escape
e não adivinhe o
exacto momento,
antecipo-me a Sua
Ex.a
e auguro-lhe,
tarde, a vida eterna.
Já agora, continue
os seus
Apontamentos de
História Sobrenatural:
por porta travessa
faça chegar
o Manual do
Perfeito Abismo.
E fale dessa
história obsessiva
do cricrilar dos
grilos
(parecido com o
cantarolar
dos seus vermes?)
Diga ao menos se
conseguiu
encontrar
Botticelli,
de quem o senhor
descende:
entreajudem-se.
E, se a coisa o
não embaraçar,
ilumine-nos com a
enormidade
da sapiência
divina.
Peça-lhe (é
preciso audácia
com Deus) que
assine
a sua ordem de
expulsão
– e volte,
gestante,
pelo túnel de
outra vida.
ALDEIA DE IRMÃOS
Ao pé dos
eucaliptos,
do lavadouro, as
casas.
Capela fechada,
oficiantes ratos,
e cães, patos,
galos
na rua e a dormir
dentro,
individuais,
sub-reptícios.
E doentes,
cavadores, crianças
sonhando com
ninhos destruídos.
Longe, na paróquia
o cemitério.
Em torno vinhas,
olivais,
irmãos uns dos
outros
como tijolos
dentro da parede.
E no Inverno o
canto
da lenha
exorbitando na lareira,
a queimar, a
queimar a cinza por debaixo
FALA O TRACTOR
Não gosto deste
perfil de gafanhoto.
Constante sou,
trepido, usam-me,
servo da gleba.
Rasgo e acamo,
tenho um veio de
dolorosa, serena
transmissão. Custa
levar de rojo
uma vaca à cova.
Esmaguei já
uma perna. Detesto
o peso do reboque.
Cinco anos e ainda
não percebo estas
sujas peças que
rodam em mim.
A escavadora, ao
menos, uiva
(amo-a). Não me
agrada a sucata.
LARVA
Larva
processionária
dos pinheiros, que
dizer
de sua sagacidade?
Que réquiem
celebra
sobre a areia e
caruma estival?
A quem serve, qual
o dragão
sassânida que rege
a sua paciência?
De que pacto
indigno
foi vítima? Quem
ama
fora das suas
destruições?
Onde escolhe o
túmulo? Na resina
ficará embebida?
Quem decide
do último segundo
de uma larva?
OS LOUCOS
Há vários tipos de
louco.
O hitleriano, que
barafusta.
O solícito, que
dirige o trânsito.
O maníaco fala –
só.
O idiota que se
baba,
explicado pelo
psiquiatra gago.
O legatário de
outros,
o que nos governa.
O depressivo que
salva
o mundo. Aqueles
que o destroem.
E há sempre um
(o mais
intratável) que não desiste
e escreve versos.
Não gosto destes
loucos.
(Torturados pela
escuridão, pela morte?)
Gosto desta velha
senhora
que ri, manso,
pela rua, de felicidade.
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Fonte:
Revista Brasileira: Fase VII - Julho-Agosto-Setembro 2009 - Ano XV - Nº 60 - (Academia Brasileira de Letras - ABL)
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