HORA
Para Alex Varella
Ajax não pede a
Zeus pela própria
vida mas sim que
levante as trevas
e a névoa a
cobri-lo e aos seus em Troia:
que tenha chegado
a sua hora
sim! Mas não
obscura: antes à plena
luz do dia e sua
justa glória.
DESEJO
Só o desejo não
passa
e só deseja o que
passa
e passo meu tempo
inteiro
enfrentando um só
problema:
ao menos no meu
poema
agarrar o
passageiro.
MEIO-FIO
Domingo à noite,
ao cinema,
à comédia
americana
do Roxy, em
Copacabana:
Que melhor
estratagema
para vencer a
acedia
domingueira, num
programa –
sonorama, cinerama
–
com um toque de
nostalgia,
drops e
ar-condicionado,
e um trailer, de
aperitivo
(que filme é mais
incisivo
Que o somente
insinuado?)
Mas, na Barão de
Ipanema
com a Domingos
Ferreira,
eis que fazemos
besteira,
a um quarteirão do
cinema:
é que, à procura
de vaga,
não vemos que vem
um carro
na transversal, e
o esbarro
não é grande, mas
estraga
os planos. Resta
esperar
ao meio-fio a
perícia.
Mas a noite, com a
malícia
e a fluidez de um
jaguar,
nada espera. Da
Avenida
Atlântica, a
maresia,
cio marinho,
alicia
para outras eras
da vida.
A MULHER DOS CRISÂNTEMOS
(sobre um quadro de Degas)
Para Carlos Mendes Sousa
As flores
transbordam do seu vaso à mesa,
um pouco à
esquerda da tela cujas beiras
por pouco não
ultrapassam, invadindo
a moldura. Também
o seu colorido
quase abandona a
paleta da pintura
(é que o jovem
mestre ostenta sprezzatura),
mas apenas quase.
O olhar passa por elas,
pousa aqui, pousa
ali, hesitante abelha,
visita, à esquerda
do vaso, um jarro d´água,
nota um lenço largado
sobre a toalha
bordada da mesa e
ruma ao lado oposto
da tela, para uma
mulher cujos olhos
ignoram-no,
atraídos talvez por algo
que se acha fora
não somente do quadro
em que ela se
encontra, mas também daquele
em que nos
perceberia, se quisesse.
Sem saber por quê,
o olhar não mais a quer
largar. Diga-se a
verdade: essa mulher
deixa a desejar.
Ela não se compara
aos crisântemos
que lhe deram a fama
a que mal faz jus,
já que se encontra à margem
do quadro, e nem
sequer inteira, só em parte.
Dela está bem mais
presente ali a ausência
que a presença. E,
dado que a ausência é proteica
e tudo nada, o
olhar mal mergulha em sua
vertiginosa
superfície e flutua
de volta às flores
sobre o fundo castanho
do papel de
parede; depois, da capo.
AUDEN E YEATS
Eu exaltaria
Auden,
viajante
atormentado,
dialético e
bizarro,
e lhe faria uma
ode
se a tanto minha
perícia
e minha audácia
bastassem.
Ou, quem sabe,
Yeats, numa tarde
feito esta, tão
vadia,
possa a leitura da
tua
poesia, pura Musa,
inspirar a minha
arte
se eu lhe
implorar: Poesia,
na prisão destes
meus dias
ensina-me a
elogiar-te.
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Fonte:
Revista Brasileira: Fase VIII Julho-Agosto-Setembro 2012 - Ano I - Nº 72
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