quinta-feira, 26 de novembro de 2015

Antonio Cicero: "5 Poemas"

HORA
Para Alex Varella

Ajax não pede a Zeus pela própria
vida mas sim que levante as trevas
e a névoa a cobri-lo e aos seus em Troia:
que tenha chegado a sua hora
sim! Mas não obscura: antes à plena
luz do dia e sua justa glória.



DESEJO

Só o desejo não passa
e só deseja o que passa
e passo meu tempo inteiro
enfrentando um só problema:
ao menos no meu poema
agarrar o passageiro.



MEIO-FIO

Domingo à noite, ao cinema,
à comédia americana
do Roxy, em Copacabana:
Que melhor estratagema
para vencer a acedia
domingueira, num programa –
sonorama, cinerama –
com um toque de nostalgia,
drops e ar-condicionado,
e um trailer, de aperitivo
(que filme é mais incisivo
Que o somente insinuado?)

Mas, na Barão de Ipanema
com a Domingos Ferreira,
eis que fazemos besteira,
a um quarteirão do cinema:
é que, à procura de vaga,
não vemos que vem um carro
na transversal, e o esbarro
não é grande, mas estraga
os planos. Resta esperar
ao meio-fio a perícia.
Mas a noite, com a malícia
e a fluidez de um jaguar,
nada espera. Da Avenida
Atlântica, a maresia,
cio marinho, alicia
para outras eras da vida.



A MULHER DOS CRISÂNTEMOS
(sobre um quadro de Degas)
Para Carlos Mendes Sousa

As flores transbordam do seu vaso à mesa,
um pouco à esquerda da tela cujas beiras
por pouco não ultrapassam, invadindo
a moldura. Também o seu colorido
quase abandona a paleta da pintura
(é que o jovem mestre ostenta sprezzatura),
mas apenas quase. O olhar passa por elas,
pousa aqui, pousa ali, hesitante abelha,
visita, à esquerda do vaso, um jarro d´água,
nota um lenço largado sobre a toalha
bordada da mesa e ruma ao lado oposto
da tela, para uma mulher cujos olhos
ignoram-no, atraídos talvez por algo
que se acha fora não somente do quadro
em que ela se encontra, mas também daquele
em que nos perceberia, se quisesse.
Sem saber por quê, o olhar não mais a quer
largar. Diga-se a verdade: essa mulher
deixa a desejar. Ela não se compara
aos crisântemos que lhe deram a fama
a que mal faz jus, já que se encontra à margem
do quadro, e nem sequer inteira, só em parte.
Dela está bem mais presente ali a ausência
que a presença. E, dado que a ausência é proteica
e tudo nada, o olhar mal mergulha em sua
vertiginosa superfície e flutua
de volta às flores sobre o fundo castanho
do papel de parede; depois, da capo.


AUDEN E YEATS

Eu exaltaria Auden,
viajante atormentado,
dialético e bizarro,
e lhe faria uma ode
se a tanto minha perícia
e minha audácia bastassem.

Ou, quem sabe, Yeats, numa tarde
feito esta, tão vadia,
possa a leitura da tua
poesia, pura Musa,
inspirar a minha arte
se eu lhe implorar: Poesia,
na prisão destes meus dias
ensina-me a elogiar-te.



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Fonte:
Revista Brasileira: Fase VIII Julho-Agosto-Setembro 2012 - Ano I - Nº 72

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