A SOMBRA SOU EU
A minha sombra sou
eu,
ela não me segue,
eu estou na minha
sombra
e não vou em mim.
Sombra de mim que
recebo luz,
sombra atrelada ao
que eu nasci,
distância imutável
de minha sombra a mim,
toco-me e não me
atinjo,
só sei dó que
seria
se de minha sombra
chegasse a mim.
Passa-se tudo em
seguir-me
e finjo que sou eu
que sigo,
finjo que sou eu
que vou
e que não me
persigo.
Faço por confundir
a minha sombra comigo:
estou sempre às
portas da vida,
sempre lá, sempre
às portas de mim!
RONDEL DO ALENTEJO
Em minarete
mate
bate
leve
verde neve
minuete
de luar.
Meia-noite
do Segredo
no penedo
duma noite
de luar.
Olhos caros
de Morgada
enfeitava
com preparos
de luar.
Rompem fogo
pandeiretas
morenitas,
bailam tetas
e bonitas,
bailam chitas
e jaquetas,
são de fitas
desafogo
de luar.
Voa o xaile
andorinha
pelo baile,
e a vida
doentinha
e a ermida
ao luar.
Laçarote
escarlate
de cocote
alegria
de Maria
la-ri-rate
em folia
de luar.
Giram pés
giram passos
girassóis
os bonés,
os braços
estes dois
iram laços
o luar.
colete
esta virgem
endoidece
como o S
do foguete
em vertigem
de luar.
Em minarete
mate
bate
leve
verde neve
minuete
de luar.
CANÇÃO DA SAUDADE
Se eu fosse cego
amava toda a gente.
Não é por ti que
dormes em meus braços que sinto amor. Eu amo a minha irmã gêmea que nasceu sem
vida, e amo-a a fantasiá-la viva na minha idade.
Tu, meu amor, que
nome é o teu? Dize onde vives, dize onde moras, dize se vives ou se já
nasceste.
Eu amo aquela mão
branca dependurada da amurada da galé que partia em busca de outras galés
perdidas em mares longuíssimos.
Eu amo um sorriso
que julgo ter visto em luz do fim-do-dia por entre as gentes apressadas.
Eu amo aquelas
mulheres formosas que indiferentes passaram a meu lado e nunca mais os meus
olhos pararam nelas.
Eu amo os cemitérios
- as lajens são espessas vidraças transparentes, e eu vejo deitadas em leitos floridos
virgens nuas, mulheres belas rindo-se para mim.
Eu amo a noite,
porque na luz fugida as silhuetas indecisas das mulheres são como as silhuetas
indecisas das mulheres que vivem em meus sonhos. Eu amo a lua do lado que eu
nunca vi.
Se eu fosse cego
amava toda a gente.
MÃE!
Mãe! a oleografia
está a entornar o amarelo do Deserto por cima da
minha vida. O
amarelo do Deserto é mais comprido do que um dia todo!
Mãe! eu queria ser
o árabe! Eu queria raptar a menina loira!
Eu queria saber
raptar.
Dá-me um cavalo,
mãe! Até a palmeira verde está esmeralda! E o anel?!
A minha cabeça
amolece ao sol sobre a areia movediça do Deserto!
A minha cabeça
está mole como a minha almofada!
Há uns sinais
dentro da minha cabeça, como os sinais do Egípcio,
como os sinais do
Fenício. Os sinais destes já têm antecedentes e eu
ainda vou para a
vida.
Não há muros para
que haja estrada! Não há muros para pôr cartazes!
Não está a mão de
tinta preta a apontar — por aqui!
Só há sombras do
sol nas laranjeiras da outra margem, e todas as noites
o sono chega
roubado!
Mãe! As estrelas
estão a mentir. Luzem quando mentem. Mentem
quando luzem.
Estão a luzir, ou mentem?
Já ia a cuspir
para o céu!
Mãe! a minha
estrela é doida! Coube-me nas sortes a Estrela-doida!
Mãe! dá-me um
cavalo! Eu já sou o galope! Há uma palmeira, Mãe!
O que quer dizer
um anel? Tem uma esmeralda.
Mãe! eu quero ser
as três oleografias!
RUÍNAS
Pandeiros rotos e
coxas taças de cristal aos pés da muralha.
Heras como Romeus,
Julietas as ameias. E o vento toca, em bandolins distantes, surdinas finas de
princesas mortas.
Poeiras
adormecidas, netas fidalgas de minuetes de mãos esguias e de cabeleiras
embranquecidas.
Aquelas ameias
cingiram uma noite pecados sem fim; e ainda guardam os segredos dos mudos
beijos de muitas noites. E a lua velhinha todas as noites reza a chorar: Era uma
vez em tempo antigo um castelo de nobres naquele lugar... E a lua, a contar,
para um instante - tem medo do frio dos subterrâneos.
Ouvem-se na sala
que já nem existe, compassos de danças e risinhos de sedas.
Aquelas ruinas são
o tumulo sagrado de um beijo adormecido - cartas lacradas com ligas azuis de
fechos de oiro e armas reais e lizes.
Pobres velhinhas
da cor do luar, sem terço nem nada, e sempre a rezar...
Noites de insônia
com as galés no mar e a alma nas galés.
Archeiros
amordaçados na noite em que o coche era de volta ao palácio pela tapada
d'El-rei. Grande caçada na floresta--galgos brancos e Amazonas negras. Cavaleiros
vermelhos e trombetas de oiro no cimo dos outeiros em busca de dois que faltam.
Uma gondola, ao
largo, e um pajem nas areias de lanterna erguida dizendo pela brisa o aviso da
noite.
O sapato d'Ela
desatou-se nas areias, e foram calça-lo nas furnas onde ninguém vê. Nas areias
ficaram as pegadas de um par que se beija.
Notícias da guerra
- choros lá dentro, e crepes no brasão. Ardem círios, serpentinas. Ha mãos
postas entre as flores.
E a torre morena
canta, molenga, doze vezes a mesma dor.
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