sexta-feira, 20 de novembro de 2015

Alfredo Pimenta: "5 Poemas"

MÃOS

Tomei, nas minhas mãos, a tua mão
Que se deixou ficar de desmaiada,
Assim, nas minhas mãos abandonadas,
Como um cansado e triste coração.

E devagar, pedindo-te perdão,
Poisei a minha boca sufocada
Na tua mão que é linda e perfumada
Como um sonho de noite de Verão!

Mas quando a minha boca se poisava
Na tua carne em flor, que desmaiava,
— A tua linda mão ressuscitou...

E eu fiquei sem saber, e com razão,
Se fui eu que beijei a tua mão,
Se foi a tua mão que me beijou...

Trêmula e fria, a tua mão que eu beijo,
Sinto-a junto aos meus lábios desmaiar,
Não sei se receando o meu desejo.
Ou com receio, então, de me tentar...

Trêmula, assim, sob a pressão do beijo,
Do beijo sem igual que lhe sei dar,
Tão minha e abandonada a tenho e vejo,
Que desfaleço até só de a beijar...

Levei a tua mão aos lábios frios...
E nos teus olhos tristes e sombrios.
Vi a tortura doente do teu ser...

Mas não sei se, ao beijar-te a mão divina,
Eu aspiro o veneno que fulmina.
Ou a força imortal que faz viver!



PALÁCIO EM RUÍNAS

 Todo enterrado na sombra escura de um parque triste, mortificado,
Há o meu palácio cheio de luto, há o meu palácio lúgubre e só:
Tem sombras mudas deambulando, vagas e lentas, sem um cuidado,
Nascem ortigas pelos terraços, andam as mesas cheias de pó.

Eu tinha cisnes, brancos e pretos, nos lagos calmos, entre roseiras,
E tinha pombas, e tinha pombas, brancas e mansas, no meu pombal,
E á porta nobre, lindas, viçosas, frescos abraços de trepadeiras...
Laranjas de oiro, cobertas de oiro, no mar escuro de um laranjal.

Eu tinha tudo quanto o Desejo, nas fantasias mais provocantes,
Quanto o Desejo mais esquisito q’ria e pensava realizar.
Tinha na vida rápidos sonhos, tinha na vida leves instantes,
Leves instantes, rápidos sonhos, feitos apenas pra me encantar!

Mas tudo, um dia, foi arrastado na aza sombria do meu Destino...
Morrem as pombas, morrem os cisnes, secam os lagos— pobre de mim!
Caem de podres os frutos de oiro que me encantavam desde menino.
Murcham as rosas e as trepadeiras, numa agonia que não tem fim!

E no palácio por onde outrora, tinham passado, entre grandezas.
Cheios de jóias, cheios de sedas, cobertos de oiro, celestiais,
Corpos altivos de imperatrizes, corpos esbeltos de arquiduquesas.
Lindos de pompa, lindos de graça, lindos de tudo, quase imortais.

No meu palácio todo enterrado num parque triste, mortificado.
No meu palácio, frio de luto, no meu palácio lúgubre e só.
Ha sombras mudas deambulando, vagas e lentas, sem um cuidado.
Nascem ortigas pelos terraços, cobrem as mesas ondas de pó!

  

O CRAVO MISTERIOSO
A Eugênio de Castro

No silencio moribundo do salão abandonado,
Onde as sombras emudecem, e adormecem os espelhos,
E os damascos poeirentos, desmaiando-se de Velhos,
São imagens desbotadas, indecisas, do Passado;

No silencio moribundo, vai-se erguendo, soluçante,
Um queixume de tristeza, todo lagrimas sombrias.
Que desperta no seu choro, quando passa, as sombras frias.
Tristes sombras, frias sombras de uma vida que é distante...

Estremecem, acordadas, nas paredes perfiladas.
As imagens cor de cera das antigas Castelãs;
Levemente tomam cores menos pálidas, mais sãs,
Os espelhos sonolentos e de faces apagadas.

Como fonte adormecida, mal deixando erguer a voz,
Num soluço murmurado e entre sonhos diluído,
O queixume de tristeza, vagamente dolorido,
Vem subindo, vem subindo, triste e pai lido, até nós.

Onde nasce tal queixume? Donde sai tanta tristeza?
Quem soluça tais soluços, doces mágoas sem alento?
(E a Voz triste, vagamente, lentamente, num lamento.
Vaga e triste, triste e lenta, tristemente chora e reza!

E os meus olhos hesitantes, como cegos, duvidosos,
Tateando, como cegos, numa estrada feita em curvas.
Vão seguindo, pela noite e pela sala, as sombras turvas,
Despertadas, agitadas pelos choros dolorosos.

São as sombras vagabundas que se estreitam em abraços,
E se trocam mudamente descoradas confidencias,
E que passam pela sala em doentias indolências,
Fascinadas pela neve dos seus lentos beijos lassos,

São as sombras vagabundas que me arrastam desvairado,
Para o choro soluçante que em murmúrios se desfaz,
Sobre espelhos que gelaram, e reais panos de Arras,
Num soluço de agonia, num murmúrio de assustado...

E os meus olhos já cansados vão poisando, devagar,
Sobre um cravo pequenino com as teclas de marfim,
Sobre um cravo pequenino, todo aberto para mim.
Todo aberto (lindo cravo!) no desejo de se dar...

Era dele que saíam os queixumes de tristeza...
Era nele que choravam os soluços doloridos...
Dele vinha, murmurada, toda a mágoa dos gemidos
Que embalavam meus sentidos em torturas de incerteza!

Inda agora não consigo decifrar aquele encanto,
O mistério desse cravo, tristemente a soluçar,
Desse cravo que chorava, todo triste, em ais e pranto.
Sem ninguém, há tantos anos, (há cem anos!) lhe tocar!



DIA DE NEVE

Branca e leve, caiu neve,
Levemente, todo o dia:
Caiu neve, branca e leve,
No meu peito em agonia.

Caiu neve, todo o dia...

Sempre, sempre, sem cessar,
Branca e leve, ela caía:
Tão branca, a neve, luar,
Mais do que neve, parecia!

Caiu neve, todo o dia...

Já no meu peito gelado,
Em neve tudo morria:
Tudo em neve mergulhado,
Sob a neve que caía.

Caiu neve, todo o dia...

Até a torre mais alta
Onde a Ilusão se escondia,
Até essa, ora, me falta,
Sepulta na neve fria.

Caiu neve, todo o dia...

O meu peito é um campo santo,
Gelado mar de agonia,
Todo encantado de Espanto,
Oculto em Melancolia...

Caiu neve, todo o dia!



A MORTE DE NARCISO
A Antero de Figueiredo

Numa tarde de cansaços, e de sonho doentio,
Quando as folhas sacudidas são saudades a voar,
Foi Narciso, aborrecido, para junto do seu rio.
Para junto do seu rio, ver as águas a passar.

Nunca vira noutros olhos os seus olhos graciosos,
Nem notara nos espelhos o encanto do seu rosto;
Não sentira nos seus dedos, seus cabelos ondulosos,
Nem sabia que os seus olhos têm a graça do sol-posto.

Foi Narciso para junto do seu rio ver as águas...
(Águas mansas como um sonho Vagamente pressentido!
Na esperança de um sossego que curasse as suas mágoas,
Ou de um sonho que encantasse seu espirito dorido.

Mas olhando, fixamente, para as águas deslizando
Sob o coro dos salgueiros onde os melros assobiam,
Mais atento, mais atento, foi nas águas reparando,
Nessas águas vagarosas que pra longe lhe fugiam...

É que vira desenhada sobre a face fugidia
Dessas águas do seu rio de tão doce e leve cor,
Linda imagem do seu rosto que de rosa se cobria,
Enleado de receio, todo cheio de pudor...

E a mirar-se de encantado, e a notar-se se ficou,
Como, preso de si próprio, se ficou enamorado...
Morre o dia, nascem trevas...e Narciso não deixou
Esse encanto que nas águas o retinha fascinado!
  
E na boca pervertida e enlevada que sorria,
O desejo de outra boca começou a corrompe-lo;
E Narciso de atraído por si próprio, não sentia
Que nas águas já poisava levemente o seu cabelo...

Pela imagem de si próprio dominado totalmente,
Pôs os lábios sobre as águas, no prazer de se beijar...
E sentindo-se arrastado pelas águas da corrente,
Quis seu corpo nos seus braços, nos seus braços, abraçar!

E abraçou-se, longamente, no desvairo sem igual,
A si próprio, sobre as águas que o levavam murmurando.
De si próprio namorado, no desejo divinal
De a si mesmo, toda a Vida, sem fadiga, se ir amando.

No outro dia, acariciado pelo Vento, com amor,
Baloiçando-se de leve na corrente de água clara,
Viu-se o corpo de Narciso, seduzido-sedutor.
Que, encantado de si próprio, se perdera e se matara!

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