MÃOS
Tomei, nas minhas
mãos, a tua mão
Que se deixou
ficar de desmaiada,
Assim, nas minhas
mãos abandonadas,
Como um cansado e
triste coração.
E devagar,
pedindo-te perdão,
Poisei a minha
boca sufocada
Na tua mão que é
linda e perfumada
Como um sonho de
noite de Verão!
Mas quando a minha
boca se poisava
Na tua carne em
flor, que desmaiava,
— A tua linda mão
ressuscitou...
E eu fiquei sem
saber, e com razão,
Se fui eu que
beijei a tua mão,
Se foi a tua mão
que me beijou...
Trêmula e fria, a
tua mão que eu beijo,
Sinto-a junto aos meus
lábios desmaiar,
Não sei se receando
o meu desejo.
Ou com receio,
então, de me tentar...
Trêmula, assim,
sob a pressão do beijo,
Do beijo sem igual
que lhe sei dar,
Tão minha e
abandonada a tenho e vejo,
Que desfaleço até
só de a beijar...
Levei a tua mão
aos lábios frios...
E nos teus olhos
tristes e sombrios.
Vi a tortura
doente do teu ser...
Mas não sei se, ao
beijar-te a mão divina,
Eu aspiro o veneno
que fulmina.
Ou a força imortal
que faz viver!
PALÁCIO EM RUÍNAS
Há o meu palácio
cheio de luto, há o meu palácio lúgubre e só:
Tem sombras mudas
deambulando, vagas e lentas, sem um cuidado,
Nascem ortigas
pelos terraços, andam as mesas cheias de pó.
Eu tinha cisnes,
brancos e pretos, nos lagos calmos, entre roseiras,
E tinha pombas, e
tinha pombas, brancas e mansas, no meu pombal,
E á porta nobre,
lindas, viçosas, frescos abraços de trepadeiras...
Laranjas de oiro,
cobertas de oiro, no mar escuro de um laranjal.
Eu tinha tudo
quanto o Desejo, nas fantasias mais provocantes,
Quanto o Desejo
mais esquisito q’ria e pensava realizar.
Tinha na vida
rápidos sonhos, tinha na vida leves instantes,
Leves instantes,
rápidos sonhos, feitos apenas pra me encantar!
Mas tudo, um dia,
foi arrastado na aza sombria do meu Destino...
Morrem as pombas,
morrem os cisnes, secam os lagos— pobre de mim!
Caem de podres os
frutos de oiro que me encantavam desde menino.
Murcham as rosas e
as trepadeiras, numa agonia que não tem fim!
E no palácio por
onde outrora, tinham passado, entre grandezas.
Cheios de jóias,
cheios de sedas, cobertos de oiro, celestiais,
Corpos altivos de
imperatrizes, corpos esbeltos de arquiduquesas.
Lindos de pompa,
lindos de graça, lindos de tudo, quase imortais.
No meu palácio
todo enterrado num parque triste, mortificado.
No meu palácio,
frio de luto, no meu palácio lúgubre e só.
Ha sombras mudas
deambulando, vagas e lentas, sem um cuidado.
Nascem ortigas
pelos terraços, cobrem as mesas ondas de pó!
O CRAVO MISTERIOSO
A Eugênio de Castro
A Eugênio de Castro
No silencio
moribundo do salão abandonado,
Onde as sombras
emudecem, e adormecem os espelhos,
E os damascos
poeirentos, desmaiando-se de Velhos,
São imagens desbotadas,
indecisas, do Passado;
No silencio
moribundo, vai-se erguendo, soluçante,
Um queixume de
tristeza, todo lagrimas sombrias.
Que desperta no seu
choro, quando passa, as sombras frias.
Tristes sombras,
frias sombras de uma vida que é distante...
Estremecem,
acordadas, nas paredes perfiladas.
As imagens cor de
cera das antigas Castelãs;
Levemente tomam
cores menos pálidas, mais sãs,
Os espelhos sonolentos
e de faces apagadas.
Como fonte
adormecida, mal deixando erguer a voz,
Num soluço
murmurado e entre sonhos diluído,
O queixume de
tristeza, vagamente dolorido,
Vem subindo, vem
subindo, triste e pai lido, até nós.
Onde nasce tal
queixume? Donde sai tanta tristeza?
Quem soluça tais soluços,
doces mágoas sem alento?
(E a Voz triste,
vagamente, lentamente, num lamento.
Vaga e triste,
triste e lenta, tristemente chora e reza!
E os meus olhos
hesitantes, como cegos, duvidosos,
Tateando, como
cegos, numa estrada feita em curvas.
Vão seguindo, pela
noite e pela sala, as sombras turvas,
Despertadas,
agitadas pelos choros dolorosos.
São as sombras
vagabundas que se estreitam em abraços,
E se trocam mudamente
descoradas confidencias,
E que passam pela
sala em doentias indolências,
Fascinadas pela
neve dos seus lentos beijos lassos,
São as sombras
vagabundas que me arrastam desvairado,
Para o choro
soluçante que em murmúrios se desfaz,
Sobre espelhos que
gelaram, e reais panos de Arras,
Num soluço de agonia,
num murmúrio de assustado...
E os meus olhos já
cansados vão poisando, devagar,
Sobre um cravo
pequenino com as teclas de marfim,
Sobre um cravo
pequenino, todo aberto para mim.
Todo aberto (lindo
cravo!) no desejo de se dar...
Era dele que saíam
os queixumes de tristeza...
Era nele que
choravam os soluços doloridos...
Dele vinha,
murmurada, toda a mágoa dos gemidos
Que embalavam meus
sentidos em torturas de incerteza!
Inda agora não
consigo decifrar aquele encanto,
O mistério desse
cravo, tristemente a soluçar,
Desse cravo que
chorava, todo triste, em ais e pranto.
Sem ninguém, há
tantos anos, (há cem anos!) lhe tocar!
DIA DE NEVE
Branca e leve, caiu
neve,
Levemente, todo o
dia:
Caiu neve, branca
e leve,
No meu peito em
agonia.
Caiu neve, todo o
dia...
Sempre, sempre,
sem cessar,
Branca e leve, ela
caía:
Tão branca, a
neve, luar,
Mais do que neve,
parecia!
Caiu neve, todo o
dia...
Já no meu peito
gelado,
Em neve tudo
morria:
Tudo em neve
mergulhado,
Sob a neve que caía.
Caiu neve, todo o
dia...
Até a torre mais
alta
Onde a Ilusão se
escondia,
Até essa, ora, me
falta,
Sepulta na neve
fria.
Caiu neve, todo o
dia...
O meu peito é um
campo santo,
Gelado mar de
agonia,
Todo encantado de
Espanto,
Oculto em Melancolia...
Caiu neve, todo o
dia!
A MORTE DE NARCISO
A Antero de Figueiredo
Numa tarde de cansaços,
e de sonho doentio,
Quando as folhas
sacudidas são saudades a voar,
Foi Narciso,
aborrecido, para junto do seu rio.
Para junto do seu
rio, ver as águas a passar.
Nunca vira noutros
olhos os seus olhos graciosos,
Nem notara nos
espelhos o encanto do seu rosto;
Não sentira nos seus
dedos, seus cabelos ondulosos,
Nem sabia que os seus
olhos têm a graça do sol-posto.
Foi Narciso para
junto do seu rio ver as águas...
(Águas mansas como
um sonho Vagamente pressentido!
Na esperança de um
sossego que curasse as suas mágoas,
Ou de um sonho que
encantasse seu espirito dorido.
Mas olhando,
fixamente, para as águas deslizando
Sob o coro dos
salgueiros onde os melros assobiam,
Mais atento, mais
atento, foi nas águas reparando,
Nessas águas
vagarosas que pra longe lhe fugiam...
É que vira
desenhada sobre a face fugidia
Dessas águas do seu
rio de tão doce e leve cor,
Linda imagem do seu
rosto que de rosa se cobria,
Enleado de receio,
todo cheio de pudor...
E a mirar-se de
encantado, e a notar-se se ficou,
Como, preso de si próprio,
se ficou enamorado...
Morre o dia,
nascem trevas...e Narciso não deixou
Esse encanto que
nas águas o retinha fascinado!
E na boca
pervertida e enlevada que sorria,
O desejo de outra
boca começou a corrompe-lo;
E Narciso de atraído
por si próprio, não sentia
Que nas águas já
poisava levemente o seu cabelo...
Pela imagem de si próprio
dominado totalmente,
Pôs os lábios
sobre as águas, no prazer de se beijar...
E sentindo-se
arrastado pelas águas da corrente,
Quis seu corpo nos
seus braços, nos seus braços, abraçar!
E abraçou-se,
longamente, no desvairo sem igual,
A si próprio,
sobre as águas que o levavam murmurando.
De si próprio
namorado, no desejo divinal
De a si mesmo,
toda a Vida, sem fadiga, se ir amando.
No outro dia,
acariciado pelo Vento, com amor,
Baloiçando-se de
leve na corrente de água clara,
Viu-se o corpo de Narciso,
seduzido-sedutor.
Que, encantado de
si próprio, se perdera e se matara!
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