sexta-feira, 20 de novembro de 2015

Alfredo Guisado: "5 Poemas"

O BALOIÇO

Na minha quinta, em pequeno,
Tive um inquieto baloiço
Que ainda o vejo sereno
E nele os meus gritos oiço.

Longas horas baloiçava
Meu frágil corpo menino.
E ora subia ou baixava
Num constante desatino.

Neste baloiço, à distância,
Chama por mim minha infância
E eu chamo p'lo que passou.

E sem haver quem me oiça
O baloiço me baloiça
Entre o que fui e o que sou.



BALADA DAS HORA VELHAS

Olho. Passa na alameda
Tua Alma de mãos erguidas
De tarde a rezar por mim.
E entre camélias vencidas
Tuas rezas são de seda,
Teus pedidos de marfim.

E no teu passar acordam
Os lírios estremunhados
P'ra beijar os dedos teus...
E ao ver os lírios, recordam
Rolhas de frascos cansados
De guardar perfume-­Deus.

Deus te abençoe nos lírios
E te conduza entre círios
Ao jardim do meu Sonhar.
Que os lírios num gesto exangue
Sei que são gotas de sangue
Que perdeu Jesus­-Luar.

E eu sinto que rezam cor
Os lábios da minha Dor...
Cor, religião dos olhos.
Desmaia a tarde, envelhece.
É quando a cor endoidece
E quer fugir p'ra os teus olhos

É quando sonho de ver-­te.
E quando meu coração
Te lembra a forma morena
Dum boneco que em pequena
Deixaste cair no chão
E se quebrou de perder-­te.

É quando os montes são quietos,
Quando não há quem se afoite
Com medo de encontrar Deus.
É quando os lábios são pretos,
Deus só se sente na Noite
E é Noite só para Deus.



OUTRORA

Outrora alguém olhou com os meus olhos
E alguém sentiu também com meus sentidos.
Alguém foi Eu em sonhos derruídos,
Alguém viveu de mim ante os teus olhos.

Por isso se me vejo, me conheço
De me ter visto outrora no meu Eu.
O meu passado é tudo que adormeço
Tudo o que envolvo em mim e me esqueceu.

E as minhas mãos que no teu sonho exaltas,
Outrora para Deus as elevei...
Não tocavam em Deus, eram mais altas.

Minha presença é alma que se ausenta
E o meu passado que ante mim deixei.
Uma cadeira onde ninguém se senta.



ANTE DEUS

Quando te vi eu fui o teu voar
E desci Deus pra me encontrar em mim.
Voei-me sobre pontes de marfim
E uma das pontes, Deus, em meu olhar!

Aureolei-me de oiro em sombra fria
E meus voos caíram destruídos.
Foram dedos de Deus os meus sentidos.
Meu Corpo andou ao colo de Maria.

Agora durmo Cristo em véus pagãos.
São tapetes de Deus as minhas mãos.
Regresso Ânsia pra alcançar os céus.

Ergo-me mais. Sou o perfil da Dor.
Sobre os ombros de Deus olho em redor
E Deus não sabe qual de nós é Deus!



ANTE A PAISAGEM

Eu fujo da Paisagem. Tenho medo.
Os pinheirais são em marfim bordados.
Sou paisagem-cetim num olhar quedo,
Oiro louco sonhando cortinados.

Fujo de mim porque já sou Paisagem.
Procura-me Satã no meu chorar...
Seus passos, o ruído da folhagem.
Cimos de lírios velhos de luar.

As tuas mãos fechadas e desertas,
Janelas pra o jardim, jamais abertas,
Fiam de mármore um correr de rios...

E os teus olhos cansados de saudades.
Eunucos possuindo divindades...
Hora-luar a de teus olhos frios...

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